Paris 1999

O Homem de Vidro

Sou um Homem de Vidro, metáfora da condição humana, não me quebro, mas acumulo riscos, que ficam marcados em mim, como traços das minhas vivências…

“há amores que podem ser imunes ao tempo, há amores que duram para sempre…”

“Finalmente ao fim de tantos anos descobri porque te amo…”

Todos na vida temos um verão único, cuja lembrança nos acompanha nos demasiados dias sem sol, nos dias de crepúsculo, pois a luz pode ser rara, mas é ela que devemos seguir, porque ela está sempre presente, mesmo quando não a vemos…

No meu caso tive vários, e esta é a história deles, ao longo de demasiado tempo, onde tudo muda, menos a tua presença em mim.

1

Paris

Verão de 1999

São cinco da tarde em Portugal, e seis aqui em França.

É de verão, está um calor abrasador, mesmo no Metro, atrasado devido à minha impaciência, a impaciência típica de quem acabou de fazer vinte anos, a impaciência de quem se acabou de apaixonar pela primeira vez, e não sabendo fazer com o que sente, estando o verão em pleno, os exames arrumados, e nada de cadeiras para Setembro…

Sim, Paris, a eterna viagem adiada anos a fio é o meu destino neste Julho de 1999.

Vim de comboio, mas sem ser de Inter-rail, pois o que me interessa na Europa, nem é a França em si, mas a sua Capital, a mítica Paris e os seus vastos museus e outras maravilhas, a serem vividas a sós, pois nem sequer tive a coragem de te perguntar se querias vir…A última vez que falámos estavas irritada, não sei se por minha causa, por causa das minhas hesitações amorosas em relação a ti, se por causa do nervosismo filho da dúvida dos resultados da tua candidatura à Universidade, que ambos só saberíamos efectiva lá nos Idos de Setembro…

“Ambos…” a palavra mete-me neste momento um medo terrível, o medo que não o sejamos juntos nesse mês ao mesmo tempo tão perto e tão longe, medo que só entres na tua segunda opção, que vai colocar-te noutra cidade a estudar que não a nossa…

E estou só por uma estupidez interpretativa tua, e uma incapacidade de expressão minha, quando te disse “amo-te” no fim de uma noitada a dois, sem a convicção desejada por ti, não sei se pela noitada em mim, não sei se porque de facto não o sentia como tu o quererias e eu o desejava…

É particularmente estúpido que uma palavra tão terna tenha criado uma cisão entre nós, mas enfim, é o que tenho e é o que tenho para viver Agora…

Embora tenha feito o impossível para não pensar em Ti neste primeiro dia aqui, já verifiquei o telemóvel incontáveis vezes na esperança de um toque teu, um sms…que nunca mandarias, pois se te conheço bem, com orgulho ferido, nem 3 meses sem comunicarmos seriam suficientes para seres a namorada terna do “antes” do pseudo – “Amo-te…”

Fiz os impossíveis para não pensar em Ti, mas na mão direita já carrego um saco meio cheio de prendas para te dar: meia-dúzia de postais, uma miniatura de “Notre Dame” que me custou uns poucos de uns francos, um peluche de um gato que na coleira tem escrita a palavra “Paris”, e um perfume comprado numa loja que tu me disseste gostar de visitar, muito antes de saberes que eu vinha para cá…

Recordações ao teu gosto…

E o pior é que em Paris ainda estarei mais 6 dias, com dinheiro e uma vontade não assumida de comprar outras recordações, como aquela pintura a óleo genuína que estava à venda num quiosque ao lado do Sena, ou como a surpresa que te levaria quando pedisse a um caricaturista que, baseado numa foto de nós os dois juntos, fizesse uma caricatura, tendo no canto inferior direito a sua assinatura e a palavra mágica Paris…

Porque vim refugiado para aqui pelo que disse, mas também por tu gostares tanto ou mais desta cidade que eu…

E só revelei para onde vinha, por sms, já em terras espanholas…

Sem que tivesses dito sequer “diverte-te”…mesmo de uma forma seca, seria a maneira de me sentir melhor, de sentir que o teu humor estava a passar…

E assim finjo que estamos cá os dois…

Impossibilidade física ou comunicacional, mas sinto-me menos sós quando me imagino contigo…

São seis da Tarde, estou cheio de fome e vou apanhar um barco até aos arredores da Pousada da Juventude onde montei o meu quartel general possível pelo dinheiro poupado de 2 anos a trabalhar em partime nas cantinas Universitárias, o suficiente para pequenos luxos de um jovem português estudante da minha idade.

Quero-me deitar cedo para logo de manhã ir visitar o Louvre, quero-me deitar logo depois de escrever o que sinto neste Diário, quero-me deitar para não pensar mais em Ti, para no dia seguinte seres apenas mais uma recordação temporária, mas ambos sabemos que isso é impossível.

Estou em Paris, a minha cidade de sonho, em Paris, se calhar naquele que é o verão da minha vida, desperdiçando-o por estar agora assumidamente apaixonado, sentir levado ao extremo pelas saudades que sinto de Ti, e por ter descoberto na cidade do Amor estar inevitavelmente apaixonado por Ti

Estou em Paris e sinto que quando voltar e te rever a minha vida mudará para sempre…

2

Barcelona

Verão de 2005

(Continua...)

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 20/10/2009
Código do texto: T1877272
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