UM CONTO CLINICO DO DIAGNOSTICO DE UMA PRINCESA
Capítulo 1
Era uma vez uma princesa que vivia num reino não muito longe.
Vivia num castelo que mais parecia saído de um conto de fadas de tão bonito que era. Com torres altas, janelas com vidros coloridos e lá no alto da torre mais alta uma bandeirola se agitava dia e noite.
Em um dia de sol maravilhoso, a princesinha resolveu ir até a biblioteca do castelo, pois como o castelo era muito grande tinha até biblioteca, e lá pegou um livro encantado e o levou para ler nos jardins à sombra de uma árvore.
Começou então a ler:
- “Era uma vez uma princesa que vivia num castelo muito bonito, cercada de tudo que a condição de princesa poderia lhe proporcionar. Qualquer coisa que ela precisasse ou quisesse ela apenas puxava um grosso cordão que pendia do teto em seu quarto ao lado da cama e logo aparecia um criado para lhe atender ao pedido. Mas a princesa era triste e ninguém sabia o motivo de tão profunda tristeza.
Os melhores médicos e os melhores especialistas do reino haviam já sido consultados e ninguém descobria a doença que a estava debilitando. Certa vez, ao voltar de um passeio pelos jardins do castelo foi atacada de uma febre alta e se viu presa ao leito por mais de três dias.
Foi chamado um grande especialista em princesas com febre alta e ele, depois de apenas olhar para a princesa jogada em seu leito, chamou o Rei, pai dela, a um canto do quarto e sussurrou-lhe nos ouvidos: “Nem vou examinar, pois só de olhar já sei que existe um só remédio em toda medicina: ela só quer, só pensa em namorar!”.
O médico então se despediu de todos, mas antes de sair prescreveu algumas gotas de dipirona sódica para abaixar a febre dela e nem quis receber seus honorários pela visita tão simples fora o diagnóstico. No dia seguinte a princesa já estava melhorando a olhos vistos e depois de mais dois dias estava novamente passeando nos jardins do castelo.
Lá longe, à esquerda das árvores, existia um lago e certo dia ela foi até lá, o que não era costumeiro, e começou a andar ao redor do lago. Era um lago pequeno e em pouco tempo ela deu toda a volta.
Na verdade não era um lago, era uma lagoa pequenininha e cheia de sapinhos em seu redor.
Quando a princesinha estava terminando sua segunda volta em torno da lagoa, um sapão enorme pulou na sua frente. Ela se assustou e quase caiu pra trás ao recuar de medo e de susto. O susto foi maior ao ouvir uma voz dizendo:
- Olá linda princesa!
- Quem disse isso? – pergunta ela olhando em volta e não vendo ninguém.
- Fui eu, o sapão à sua frente!
Ela então olhou para baixo, para o sapão e viu à sua frente um lindo par de olhos azuis.
Era a primeira vez que ela via um sapão com olhos azuis.
- É você que fala sapão?
- Sim, sou eu linda princesa!
- O que você quer além de me dar um susto?
- Oh! Eu queria um beijo!
- Um beijo? Porque eu iria beijar um sapão tão asqueroso? Pergunta ela
- Eu sei que sou asqueroso e melento – diz ele – Sei também que tenho lindos olhos azuis
- Mas não vou te dar um beijo por causa de seus lindos olhos azuis – retruca ela.
- Eu sei – continua ele – Não serão pelos meus lindos olhos, mas a verdade é que eu sou um príncipe encantado por uma bruxa malvada e transformado em sapão.
- E daí – pergunta a princesa – Como acreditarei nessa historia?
- Você já viu sapão falar?
- Isso é verdade, mas mesmo assim e daí – insiste ela.
- Daí? Daí que eu fui condenado a ser sapão até que alguma princesa me desse um beijo e me libertasse do encanto
- Mas e o lance do amor, não é também necessário amar?
- Não, neste caso, não, só dar um beijo.
- E você acha que eu vou acreditar em você?
- E você não acreditaria num sapão que fala e tem olhos azuis? – o questionamento dele elimina qualquer duvida da princesa.
- Você tem razão
Quando ela falou isso, abaixou-se e deu um beijo na testa do sapão. Limpou cuidadosamente os lábios da meleca do sapão e de repente o sapão começa a borbulhar, soltar uma fumaça e a inchar. Inchou tanto que ela pensou que ele ia explodir. Então a fumaça transformou-se num denso nevoeiro que envolve os dois.
Aos poucos a nuvem vai se dissipando e a princesinha que tinha coberto o rosto com os braços com medo do sapão explodir, arrisca um olhar e percebe um vulto no meio da névoa. Mais um instante e a névoa se dissipa totalmente e ela vislumbra um lindo rapaz a sua frente, todo melecado de sapo, mas com lindos olhos azuis como ela nunca havia visto em toda sua vida.
Louro, alto, encorpado, por isso um sapão, nu.
Nu?!
Que horror, ela que era uma princesinha ingênua agora estava diante de um homem nu!
- Acalme-se linda princesa! Eu sou realmente um príncipe e já que você me salvou vamos nos casar o mais breve possível.
- Mas nem te conheço direito!
- A partir do instante que você aceitou beijar-me como sapão, você me conheceu por inteiro, inclusive nu! Irei ter com seus pais o mais breve possível
- Pra que? – a princesa admirada afasta-se do príncipe sapão automaticamente
- Pedir sua mão em casamento! Eu a amo! Você é a mulher da minha vida! – diz isso e ajoelha-se aos pés da princesa, pegando em suas suaves e pálidas mãozinhas e beijando-as calidamente.
- Você não que tomar um banho antes?
- Oh! Sim! vamos!
- Vamos não! Meus pais não vão acreditar nunca nessa história de beijar sapo.
- Pelo seu amor farei qualquer coisa.
Dito isso o príncipe sapão entra na água da lagoa, deixando por um instante que a princesinha entreolhasse seu belo traseiro que nada tinha de sapo e se banhasse.
Aproveitando o tempo em que o príncipe sapão se banha, ela corre para o palácio e aguarda.
Terminando de se banhar, o príncipe pega o celular que a princesinha tinha deixado cair na confusão e entra em contato com as pessoas de seu reino, que era do outro lado da floresta não tão perto da lagoa e em pouco tempo lhe trouxeram roupas e um lindo cavalo branco.
Naquela noite apresentou-se no castelo da princesinha e durante o jantar ao qual fora convidado pelos pais dela, propôs sua mão em matrimônio.
Os Reis incontinenti aceitaram a proposta do príncipe sapão e o casamento foi marcado.
Não foi surpreendente o pedido tanto quanto o aparecimento do próprio príncipe. Por mais que o príncipe encantado e a princesinha contassem a história de como se conheceram e de que ele estava transformado em sapão, o Rei e a Rainha, entreolhando-se, custavam a crer até que, em determinado instante, o príncipe ,que tinha sido sapão, apanha com a língua uma mosquinha que distraidamente passeava pelo seu talher. O ato foi tão rápido que ficaram até mesmo na duvida do que tinham presenciado.
Isso bastou para os convencerem.
Foram feitos os preparativos para a grande festa e no dia marcado lá estavam todos os convidados dos reinos vizinhos, gente importante e gente desinteressante. Mas o que mais tinha era gente curiosa.
O casamento durou o dia inteiro, o casamento não, a festa.
Durante anos não se tinha uma festa daquela magnitude, e durante anos não teriam outra igual.
A princesinha deslumbrante em seu vestido branco com uma cauda de 15 metros toda bordada em brilhantes e no corpo do vestido, flores que lhe caiam da cintura, num arranjo harmonioso e delicado, ornado com dezenas de minúsculos sapinhos de cristal.
O Príncipe, numa vestimenta verde, todo engalanado em seu traje a rigor, parecia saído de um conto de fadas, tão bonito ficara ao lado da linda princesa.
Depois do casamento foram morar num castelo que ficava entre um reino e outro e foram felizes para sempre!”
Terminada a leitura a princesa recosta-se na árvore e fica admirando o por-do-sol que parecia lhe acariciar o rosto em despedida do dia maravilhoso que passara com aquela leitura tão gratificante.
- Que conto encantador – diz a princesa fechando o livro encantado.
Não conseguia esquecer a frase final:
– “e viveram felizes para sempre”.
Voltou para o castelo e naquela noite quase não consegue conciliar o sono.
Sua noite, mesmo tendo sido agitada encerrava uma expectativa que a alegrava internamente: havia tomado uma decisão e a partir daquele próximo dia iria cumprir fielmente, diariamente.
O dia amanheceu nebuloso e a princesa assim que acordou e tomou seu desejum, chama por sua criada de confiança Shakira Nimesulida, uma jovem egípcia quase da mesma idade da jovem princesa e que a servia desde sempre.
A egípcia, uma bela núbia, adotada ainda pequena, orfã dos pais e criada no castelo para servir de acompanhante exclusiva da princesa. Como tinham sido criadas praticamente juntas, Nimesulida sabia bem o que a princesinha gostava ou deixava de gostar. Eram inseparáveis, mas mesmo assim Nimesulida sabia bem onde era seu lugar.
Nesse instante, ao ouvir os sinos que a chamavam aos aposentos da princesinha, atende prontamente ao chamado da princesa, mas pela primeira vez não entende suas ordens:
- Onde ela acharia uma lagoa com sapos ao redor? – assim pensando questiona a princesa:
- Minha querida e meiga ama – responde ela – A única água que temos aqui por perto do castelo é um brejo fétido e pegajoso no qual nem mesmo sei se os sapos conseguem resistir as suas emanações venenosas.
- Nimesulida, faça o que lhe peço – insistiu a princesa – Leve-me até esse brejo, pois sinto que minha felicidade esta perto e eu ainda serei muito feliz para sempre ao lado de meu amado.
Daquele dia em diante a princesa sempre acompanhada de sua fiel criada Nimesulida, vai diariamente ao brejo e ali ela passa horas procurando pelos sapinhos que porventura se aventurassem por lá.
Quando encontra um, beija-o carinhosamente na esperança de que ele vire um lindo príncipe.
Ela havia se esquecido do detalhe dos olhos azuis do sapão do livro encantado.
Horas e horas a fio, com os pesinhos delicados mergulhados naquele brejo, sendo observada por Nimesulida, a princesa diariamente durante um longo tempo, passa seus dias com as costas dobradas a procura de qualquer sapinho que conseguisse localizar.
Vasculha todas as beiradas e recantos próximos às margens do brejo e fica feliz naquelas noites quando chove e após a chuva parece que a natureza se regozija em exuberância e os sapinhos parecem brotar para cantar à natureza.
- Oh! Minha fiel companheira, como gosto dessas noites estreladas de primavera quando todos os sapinhos saem à procura de seu par parecendo uma grande orquestra tocando ao Criador.
Nessas épocas ela faz incursões noturnas, sempre acompanhada de sua fiel Nimesulida. Várias vezes ela tinha de ampará-la de volta ao castelo, pois suas costas não se endireitavam mais – ela passou a sofrer cada vez mais com suas costas dobradas e cada vez mais precisava do auxílio de Shakira Nimesulida.
Um dia, pois sempre na vida das pessoas existe um dia, a princesa não mais conseguiu desdobrar as costas e mesmo com todo o cuidado de Nimesulida em colocá-la na cama, ela não mais conseguia ficar reta.
- o que acontece comigo Nimesulida? Será que nunca mais vou poder andar ereta? Será que perdi minha elegância para sempre? Será que estou sendo transformada em sapa lentamente? – a princesinha perguntava, mas não havia resposta.
Havia chegado ao limite físico de sua coluna e agora não havia nada no mundo que pudesse colocá-la de pé.
Nimesulida nessa época era já auxiliada por um criado também “adotado” como ela.
Esse criado de confiança, um jovem mouro que havia sido dado a ela de presente por seu tio, na volta de uma de suas viagens ao oriente, chamava-se Abdul Tramal. Era alto, forte, beirando seus 28 anos, com um físico que demonstrava sua origem de uma tribo guerreira.
Seu tio havia salvado a vida de Tramal durante uma das suas muitas batalhas travadas e este jurou fidelidade a seu tio ou a quem ele indicasse. Seu tio achou melhor repassar essa benesse à sobrinha princesa.
Tramal não era um escravo e na realidade também não fora adotado: sentia-se devedor de sua própria vida e não tinha outra maneira de retribuir tão magnânimo ato de coragem a não ser servindo àquele que salvara sua vida. Um dia haveria de retribuir o que o tio de Shara lhe fizera.
Abdul Tramal lado a lado com Nimesulida, iniciavam agora uma peregrinação com a princesa curvada que, mesmo sem eles saberem, os levaria a percorrer caminhos até então desconhecidos.
A princesinha continuava sentindo dores horríveis nas costas, sem saber precisar onde a dor se iniciava e onde acabava.
Às vezes essas dores lombares atacavam o nervo ciático: doía a coxa, doía sua canela; uma dor insuportável às vezes, outras vezes agulhadas lhe percorriam os membros e assim a princesa ia passando seus dias.
Um grito corta a noite!
Tramal e Nimesulida acorrem ao quarto da princesa:
- O que foi doce princesa? – Tramal sempre a tratava com carinho.
- Eu me mexi na cama e alguma coisa me pegou nas costas! A dor esta insuportável! Eu não consigo me mexer! Por favor, me ajudem! Minhas pernas estão paralisadas! Tem uma faca nas minhas costas! Estou sendo empalada viva! Por favor! Me ajudem!
Tramal e Nimesulida a seu lado pouco ou nada podiam fazer a não ser assistir impotentes a evolução daquela doença misteriosa que consumia o belo corpo de sua ama e amiga, a princesa Shara Dormonide.
Dias e noites foram passando e o quadro se agravando.
Quanto mais tempo passava, insistindo em continuar sua busca inútil às margens do brejo, mais pressão a princesinha sentia. Pressão não só social, mas também a própria angústia que era gerada em seu peito por não estar encontrando o tão sonhado príncipe.
- Nós não podemos mais ficar sozinhos! – Tramal conversava com Nimesulida – teremos de pedir ao Rei que providencie alguém mais que possa nos ajudar a ajudar a princesa!
Nimesulida ouvia e concordava.
Foram então à presença real e quando contaram tudo que se passava com a princesa, o Rei mais que imediatamente tomou providências.
Mais dois especialistas foram chamados ao lado da pequena princesa: deveriam ser a partir de então os responsáveis pela ordem e pela calma que deveria reinar nas estruturas internas de tão frágil donzela: Sebastien Capoten, que junto com Johanes Captopril se tornariam os responsáveis pelas pressões que a princesa era obrigada a suportar.
Durante muito tempo formaram par com seus acompanhantes de confiança. Um a acompanhava pela manhã e o outro ao anoitecer.
Como as dores não cediam e a princesa a cada dia ia ficando mais e mais curvada, com mais dores, refletindo em seus atos mais corriqueiros, mais simples, a violência a que era submetida por causa da dor, resolveram então acelerar a busca por uma solução que pusesse um fim definitivo no sofrimento de Dormonide.
As pressões agora não mais eram controladas por Capoten e Captopril que devido à idade avançada de ambos iam se tornando cansados e por isso obsoletos.
Em seu lugar surgiu um lindo italiano, Giacomo Olmesartana, que pelo menos uma vez ao dia visitava a princesa e a livrava daquela angustiosa pressão.
Começaram então, por consenso entre todos que estavam ao lado da princesa Shara, a chamar grandes nomes entre os magos e os doutores nas ciências dos ossos.
Luiz Tilatyl, especialista em dores generalizadas;
Friedrich Tylenol, especialista em dores do crânio e temperatura corporal; e o grande mago Omeprazol.
Quantos mais passaram pelo castelo, mas sem deixar sua marca pois nenhum efeito se viu produzir. A cada dia, mesmo com todo esse apoio, a princesa piorava.
A depressão já começava a se mostrar em seus primeiros sintomas e para tanto chamaram dois especialistas, Martins Triptanol e Juan Prozac; nenhum dos dois conseguiu resultado positivo e a princesa cada vez mais taciturna. Tramal sabia que no fundo da alma da princesa sua doença e sua tristeza eram por não ter achado seu príncipe encantado após beijar tantos sapos no brejo perto da floreta..
Um dia, novamente um dia, um Mestre famoso, companheiro de um Cavaleiro também famoso, ficou sabendo da princesa. Ele era um Mestre, mas mesmo assim nunca deixara de acompanhar o Cavaleiro em suas andanças e suas aventuras.
O reino deles era longe e a notícia que estava chegando do estado da princesa já era antiga pela distância que percorrera até eles e ele sabia que o estado dela deveria ser bem pior do que as notícias diziam e ele não poderia saber com certeza como ela estaria neste instante.
Durante algum tempo, alegando problemas de saúde em família, o Mestre ausentou-se de seu reino e rumou em direção ao reino da Princesa das Moedinhas.
Ela ganhara esse apelido porque antes de ficar definitivamente presa ao leito, todas as vezes que voltava do brejo, antes de Tramal ou Nimesulida carregá-la, ela já não agüentava endireitar o corpo e andava sempre inclinada para frente. Tramal e Nimesulida então inventaram uma história a respeito de uma moeda de ouro perdida pela qual a princesa se curvava sempre a procurá-la.
Mas ia o Mestre em direção ao reino da princesa e conjeturava lá com seus pensamentos o que poderia ser que a afligia. Chegou o dia afinal em que ele se vê frente a frente com a princesa.
Obtivera permissão do Rei e por intermédio de sua bola de cristal com haste de bronze, uma herança dos antigos romanos, consegue visualizar a princesa toda por dentro, osso por osso. Preocupou-se mais na região da coluna. Olhando em sua esfera mágica observou um monte de Osteófitos em sua coluna cervical; foi descendo sua visão e concentrou-se na região lombar: o diagnóstico veio rápido: chamou para uma reunião o Rei, a Rainha, a Princesa e inclusive Tramal e Nimesulida.
A princesa em decorrência de suas constantes buscas pelo príncipe encantado, sua postura dobrada durante anos afetara toda sua estrutura óssea e por causa disso, ela deveria ser submetida a uma intervenção invasiva naquela região.
Senão acabaria com suas pernas paralisadas em meio a terríveis dores e de uma forma irreversível.
O diagnóstico fora de Escoliose Lombar Dextro Convexa; Espôndilo discoartrose Lombar, Artrose das Articulações Interapofisárias na topografia da L3-L4, L4-L5, L5-S1, Osteófitos Marginas Lombares e finalmente Estenose de Canal Vertebral Lombar, L4-L5, L5-S1.
O Rei preocupado não entende como pode caber tanta coisa em tão delicada coluna como a da sua filha, a princesa. A Rainha, as mãos postas em concha, encobre o rosto para que sua frágil filha não veja as lágrimas que saem de seus olhos reais.
Tramal e Nimesulida trocam olhares significativos: daí para frente o que teriam de enfrentar seria uma luta não só contra o tempo, mas também contra o desespero e o medo que viram tomar conta da princesinha. Abdul Tramal acompanharia a princesa onde quer que ela fosse e Shakira Nimesulida iria ficar no castelo aguardando a volta de Dormonide já curada.
Em seus auxílios, com a data da intervenção marcada, foi chamado um grande especialista psicólogo especialista em princesas com medo: o Dr. Didier Frontal e a partir de então, a princesa começa a se preparar para o dia em que enfrentaria seus próprios medos e os venceria.
Às noites é acompanhada por Rivotril.
Chega o grande dia e a princesinha é levada para uma sala de intervenção e durante mais de sete horas é submetida a um produto mágico que faz com que ela durma e não sinta nada, nenhuma dor. Enquanto isso o Mestre trabalha exaustivamente em sua coluna, cortando, raspando, lixando, furando, fixando, amarrando e finalmente fechando e encaminhando a princesa para uma sala especial, oval, cheia de aparelhos eletrônicos e luzes do outro mundo.
Uma verdadeira parafernália cerca agora o corpo inerte da princesinha sob o efeito da droga tranqüilizadora. Seria impossível descrever tal ambiente, pois não existem termos adequados que possamos utilizar para descrever o conteúdo de tão feérica sala.
Desde que o Mestre marcara a intervenção, seu companheiro, o bravo Cavaleiro começara também a acompanhar mais de perto o quadro da princesa Dormonide. Formavam um time, uma equipe e como tal tudo era partilhado. Junto deles, outro Mestre atuava, o qual também muito se aplicava em seus ensinamentos. A partir de então, o tratamento da pequena princesa passara a fazer parte da rotina dessa equipe. Desde sua estada na sala oval, o Cavaleiro assumiu o tratamento recuperatório da princesa e a responsabilidade de fazê-la voltar a caminhar normalmente o mais rápido possível.
Nessa mesma época o castelo estava recebendo a visita de um Sheik, homem do deserto, mercador muito rico, fora até lá visitar o Rei e a Rainha e ao saber do estado da princesinha, resolvera ficar esticando sua visita e com isso poder de alguma forma colaborar com a recuperação da princesa. Assim era o Sheik Nubain – homem de grande coração e grande coragem que a partir de então se tornaria um aliado de Tramal no tratamento da princesa.
A recuperação do procedimento invasivo dava-se de forma lenta, mas a contento do bravo Cavaleiro. As dores que antes faziam a princesa se dobrar cada vez mais para o chão, como que a humilhá-la, haviam desaparecido, mas em seu lugar uma outra dor, às vezes mais insuportável ainda assumira o lugar da que não mais existia. Quantas vezes a princesa em seu leito recuperatório gritava pelo arrependimento de ter se deixado levar na conversa do Mestre Romero, para em seguida, consciente do que estava se passando com ela, agradecia ao Mestre, ao Cavaleiro, a Deus a graça de poder estar se recuperando sem nenhuma seqüela.
Desde então mais um aliado viera a se juntar a Tramal e Nubain: Lorenzo Dimorfi, nascido na Itália, fazia com que a princesa conseguisse superar aqueles primeiros dias de recuperação da intervenção. Durante mais de uma semana Lorenzo Dimorfi acompanhou o sofrimento da frágil princesa Dormonide e com alegria e lágrima nos olhos de emoção, vê que aos poucos seu organismo debilitado vai reagindo e ela parece, cada vez mais a precisar cada vez menos da ajuda dele.
O Rei e a Rainha não cabiam em si de contentamento e sabiam que podiam contar com a lealdade de Abdul Tramal e do Sheik Nubain.
Durante três longos dias revezaram-se na cabeceira da princesa Shara Dormonide, consolando-a e prestando-lhe uma assistência que a envolvia como a um lençol fluídico de amor fraterno e carinho imenso.
No quarto dia, a princesa Dormonide apresenta um súbito aumento de temperatura. Se ela sempre tivera em trono de 36,5 centígrados, agora sua temperatura atingia a marca dos 39,5.
Acionou-se um alerta em toda unidade de tratamento de recuperação e a princesa foi colocada em isolamento, apenas com poucas pessoas podendo ter acesso a ela. O Cavaleiro, com atenção redobrada e contando com a presteza do Mestre, resolve então fazer uma nova intervenção invasiva no corpo mais debilitado da princesa.
Dessa vez, em pouco mais de uma hora de procedimento a princesa retorna ao seu leito e um dia depois vem o veredicto apontando o culpado de seu estado febril: um dragão até então escondido em seu organismo revelara-se de forma virulenta provocando a todos com sua fúria e sua prepotência.
- Doce princesa – um dia fala o nobre Cavaleiro – O que lhe acometeu foi uma terrível exceção a qual já prevíamos, justamente por saber de seu sonho de achar um príncipe encantado à beira de um brejo. O dragão que percorre seu corpo tem nome e sobrenome!
- Oh! Nobre Cavaleiro! – murmura a princesas Dormonide – O que posso fazer para ajudar a liquidar tão terrível criatura que me consome?
- Você nada fará, linda princesa Dormonide – O CAvaleiro tem as feições sérias – Chamarei em nosso auxilio um conhecido de nosso meio o qual colocaremos em combate direto – o Cavaleiro falava com um tom de seriedade na voz nunca visto antes – Felipe Tienan deverá chegar em poucas horas e então nós teremos um prazo de alguns dias para que o combate entre eles se torne efetivo.
- E de onde vem esse cavaleiro Felipe Tienan? – a princesa indaga com a voz embargada e esperançosa
- Vem das terras altas da escócia, de onde também se faz o melhor uísque e com certeza é o único de uma lista imensa de cavaleiros que poderá derrotar o terrível dragão Enterobacter Cloacæ – O Cavaleiro diz isso com um sorriso nos lábios.
- Mas diga-me, nobre Cavaleiro – indaga a princesa – Como pude deixar tomar conta de mim tão temível dragão?
- Por mais incrível que pareça – o Cavaleiro senta-se à cabeceira da princesa – esse dragão, o Enterobacter Cloacæ, vive principalmente na boca de crocodilos e jacarés. Provavelmente a princesa beijou algum sapo que tenha sido infectado por uma mordida de algum jacaré de brejo – o Cavaleiro abre um sorriso e completa – Agora com a presença de Felipe Tienan, o dragão será derrotado, tudo será uma questão de dias.
- Obrigado, nobre Cavaleiro – a princesa diz isso e adormece sob o olhar vigilante de seus anjos protetores: Tramal e Nubain.
Nos dias que se seguem a princesa passa entre a vida e a morte sendo palco de um sangrento combate interno entre o dragão e Felipe Tienan. Dias em que se alternam o vencedor e o vencido em combates mortais, ora vencendo o dragão e quando este se acha vitorioso, Tienan chega e o derrota para continuarem novo confronto horas depois.
Ao raiar do sexto dia a princesa Dormonide abre os olhos e por uma fresta na janela de seu quarto vê o brilho do sol que insiste em entrar e acordá-la.
- Olá sol! Olá dia! – a princesa acorda com um sorriso e suas bochechas rosadas não deixam dúvidas quanto a quem fora o grande campeão de longo combate: Felipe Tienan, esgotado pelos dias seguidos de combate contra o dragão, despede-se naquele mesmo dia e retira-se para seu reino distante d`álem mar para uma merecida recomposição de suas forças. O nobre Cavaleiro, sem a menor perda de tempo, reforça a guarda em volta da princesa, já em isolamento, pedindo a Tramal e Nubain que não a percam de vista um só minuto.
Esperaria ainda alguns dias antes de liberá-la de volta a seu castelo. A recuperação da princesa agora se dava a olhos vistos e em pouco tempo ela já estava se levantando do leito e caminhando em direção a janela, olhando o horizonte e sonhando ainda com o seu príncipe encantado.
Assim que o Cavaleiro a liberou do leito e do centro de recuperação, a princesa retorna ao castelo a promete a si mesma nunca mais voltar ao brejo e nunca mais procurar seu príncipe encantado no meio de tão feios e asquerosos animaizinhos.
Não mais necessitando da ajuda tão preciosa do valoroso Sheik Nubain, a princesinha despede-se dele e o vê retornar ao deserto, não sem antes prometer vir visitá-la sempre que estiver de passagem.
Abdul Tramal tendo sido um amigo fiel e um grande companheiro das horas de maior sofrimento é em pouco tempo liberado de seu juramento junto à princesa, pois o que ele fizera fora muito além da salvar a vida da princesa – numa demonstração de fidelidade incomensu-rável, Tramal era digno de ter como sua, a própria vida.
Meses depois, com a princesa Dormonide já totalmente recuperada, andando ereta e livre de seus medos, ouve um tropel de cavalo no pátio central do castelo.
Era um magnífico cavaleiro com uma armadura prata, montado num corcel negro reluzente com arreios de prata, com um elmo que lhe cobria quase todo o rosto.
Ao parar no meio do pátio, descobre a cabeça deixando a mostra uma longa cabeleira loura, solta até os ombros, emoldurando um rosto marcado pela vida e encantadoramente sedutor.
- Diga-me linda princesa – falou numa voz firme – Onde estou? Que reino é este?
- O que procura nobre cavaleiro?
- Procuro pelo castelo da princesa Shara Dormonide, pois sei que ela é linda e conheço sua história. Apaixonei-me por sua história e sei que ao encontrá-la encontrarei minha alma gêmea! E agora faz dois anos que percorro todos os cantos dessas terras tentando encontrá-la.
A princesa tremeu em suas pernas e num grito sufocado pela surpresa e pela alegria pergunta:
- Qual a cor de seus olhos, Cavaleiro desconhecido.
- Azuis linda donzela!
- Terminou sua busca, nobre cavaleiro, acabou de encontrar! Eu sou Shara Dormonide!
Ele então desce de seu cavalo branco e corre de encontro à princesa que já o esperava de braços abertos, se enlaçando num grande abraço e num longo beijo.
O final foi o mesmo que a princesa Shara Dormonide tinha previsto para si algum tempo atrás:
“E viveram felizes para sempre”
FIM