ENCIUMADO

Como pode uma paixão, em cólera se transformar?

Em que momento perdemos a razão, deixamos de ser humanos, e nos tornamos animais? Que força maligna nos deixa cego para não ver as barbáries de que somos capazes?Todas essas, são perguntas que me faço a cada sol em um novo amanhecer, atormentado por fantasmas intrínsecos em minha alma, que irão me perseguir durante todo o resto da minha podre existência.Eu ainda era jovem, tinha dezoito anos quando a conheci, ah! Lembro-me como se fosse hoje, como ela andava, ou melhor, desfilava, como um anjo em plumas, seus olhos eram de um azul mais lindo que o céu, seus cabelos encaracolados em tons castanhos claros, seu corpo escultural, uma voz doce que a mim parecia mais uma obra prima da musica clássica, todo um conjunto em harmonia, não seria nenhum sacrilégio atestar que ela seria a própria Vênus.Então fui tomado por uma paixão avassaladora, dessas que vem como febre e nos põem em cama.Dos dias que se seguiram depois de nos conhecermos, cada um deles era especial, eu mal podia esperar para encontrá-la, e apenas dizer um oi como vai, e um simples aceno dela para mim era como ganhar na loteria.Eu a via todos os dias no colégio onde estudávamos, e nos finais de semana eu ia ate onde ela morava, mais nem sempre conseguia vê-la, quando isso acontecia dois dias eram como uma eternidade.Eu a amava em silêncio e esse amor foi crescendo dentro do peito, como flores em um jardim, ate o ponto em que não suportei e me declarei.Com sua voz aveludada ela disse que gostava de mim como um amigo, e que tinha grande admiração por minha pessoa, mais não sentia nada alem.Não sei se todos os apaixonados desprezados se sentem assim, mas eu parecia ter perdido o chão, o céu perdera as estrelas, a noite ficara ainda mais escura e triste, então sai andando pela rua enquanto ela me chamava de volta, mas não atendi.Depois do fim de semana nos encontramos de novo no colégio, ela como sempre linda, veio ate mim e perguntou como eu estava, eu respondi que tudo bem e procurei não demonstrar por mais difícil que fosse minhas verdadeiras emoções, e acho que fui um bom ator.Mesmo depois dela ter dito que não me amava, não desisti, sempre lhe enviava cartas, flores, bombons, fazia declarações explicitas do meu amor, mais ela sempre usava algum subterfugiu e fugia das minhas investidas.Eu ainda tinha esperança, de que em algum momento ela veria que eu era a pessoa que sem duvidas mais a amava, e então ficaríamos juntos.Maldito destino, foi ai que descobri que ela estava namorando um outro rapaz, e que não havia me contado com medo de me magoar, saber disso foi a pior coisa que já havia acontecido na minha vida.

Fiquei desnorteado, e no primeiro bar que encontrei, entrei e bebi, enchi a cara para tentar esquecer e abrandar aquela dor, depois fui embora bêbado, e com o coração ainda partido.No dia seguinte a encontrei e perguntei se tudo aquilo era verdade, ela confirmou e disse sentir muito, então se afastou, pegou na mão do rapaz que a esperava e foram embora.Como isso aconteceu? Eu a amava mais que tudo, eu deveria estar ao seu lado, dizia a mim mesmo.Depois disso a outra vez em que nos veríamos seria em uma festa na casa de um amigo, os dois estavam juntos, ela parecia muito feliz ao seu lado, o que me magoava ainda mais.Em um certo momento eu que já tinha bebido um pouco além, me aproximei deles, falei algumas coisas que não deveria, então o rapaz pulou sobre mim, e me desferiu um soco que me pôs a dormir.Que maravilha! Virei o deboche de todos, que sempre quando me viam, faziam comentários e riam a minhas custas. Isso fez com que crescesse em mim uma raiva da qual antes nunca imaginara sentir, um desejo de vingança, cada vez maior quando os via, lindos e sorridentes.

Dizem que tudo na vida é passageiro, só não o é o condutor, então deixei que o tempo se encarregasse de sufocar aquela paixão, procurava me ocupar de vários afazeres na intenção de esquecer aquele amor.

Depois de alguns meses tudo parecia ter abrandado, decidi ir a casa dela e pedir desculpas pela atitude infantil que tivera antes.Ao chegar na casa, a chamei por diversas vezes más como ela não respondia, achei melhor ir embora, foi quando então ouvi um barulho estranho vindo de dentro da casa, pensei ser um ladrão e tive a iniciativa de verificar.Ao entrar percebi que o barulho vinha do andar de cima, subi as escadas e pela porta entra aberta vi! Ela nua com seus seios a mostra, seu corpo perfeito, servindo de esteio á aquele maldito, os dois entrelaçados como se fossem um, aquilo para mim era como a visão do próprio inferno.Desci ate a cozinha, peguei uma das facas que estavam sobre a mesa e voltei ate o quarto, nesse instante já não consigo precisar por que tipo de força eu era motivado, mas não via mais nada na frente à não ser o movimento frenético de êxtase dos dois. Desferi vários golpes como um louco alucinado, os gritos e pedidos de socorro, ecoaram por todo o bairro por alguns minutos ate cessarem, pelo menos é o que dizem, pois não me lembro.Consta nos altos que quando a policia chegou ao local, eu estava sentado próximo à cama, com a faca nas mãos, todo ensangüentado, com uma garrafa ao lado, e fumando um cigarro, mais o que deixou a todos consternados foi o fato de dois corações estarem em uma bandeja sobre a mesinha de cabeceira.

Fui preso, e tenho pagado cada dia pelo ato terrível que cometi, porem tenho certeza que o inferno me aguarda para afinal quitar minha conta, se bem que lá agora seria o paraíso perto dos tormentos que passo diariamente.Mal consigo dormir a noite, quando agora ouço os gritos de clemência dos dois na imensidão silenciosa da minha cela, como se fosse o bater sucessivo e sustenido de um martelo maldito.

Mas como também no ditado popular dizem que desgraça pouca é bobagem, acabo de descobrir que aquela moça era minha irmã, filha de um romance secreto que tivera meu pai no passado.

Néscius Lourenço
Enviado por Néscius Lourenço em 15/10/2009
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