Volte para mim

Inspirado na música Mentiras, de Adriana Calcanhoto.

No meio da madrugada Paulo se levanta para tomar um copo d’água. Enquanto o líquido desce pela garganta dele um barulho ecoa na sala, isso o faz parar de beber. Repousa o copo na pia e sai para verificar o que houve, estando na sala escuta novamente o barulho. Porta. Veio da porta. Foi o que deduziu. Aproximou-se, girou a chave e abriu a porta. Alice. Alice? Três da madrugada. Muda. Ele também. E assim ficaram por minutos.

— Vai ficar ai parado? – perguntou Alice.

Paulo fez menção de abrir mais a porta e ela entrou.

O silêncio voltou a predominar.

— Veio para me mostrar o valor do silêncio? – perguntou Paulo.

— Sempre sarcástico e ácido. Como te agüentei?

— Aguentou tanto que voltou para me ver.

— Não seja ridículo.

— Então me dê uma explicação. E fale baixo. Há uma família dormindo.

— Quer saber mesmo por que vim, é porque ainda não admito nossa separação. Éramos tão felizes e você estragou tudo. Você! Não podia acabar conosco.

— Não te entendo, até agora pouco se questionava como me agüentou.

— Eu gosto de você, apesar de não suportar seu jeito grosso de ser e estúpido.

— Será por que você também é assim? Grossa e estúpida?

— Está me ofendendo? È isso que você está fazendo?

— Calada!

— O que é isso? Um presente? Está enchendo essa mulher de presente pra depois deixá-la na mão como você fez comigo. Não vou permitir isso. Ela não merece isso.

— Não mexa ai, não é da sua conta!

— Se você soubesse a consideração que tenho por ti... porque se você ainda estivesse comigo não estaria passando pelo que você está passando.

— Do que você está falando?

— Estou falando que você está sendo traído. T-R-A-Í-D-O. – disse ela soletrando.

— Da onde tirou essa ideia maluca?

— Pelo menos eu não te traí quando estávamos juntos, agora você me traiu a torta e direita, sem dó nem piedade.

— Você não pode provar que estou sendo traído. Você é uma mentirosa.

— Sua mulher chegou tarde noite passada, deve estar com sono bem pesado, eu posso disparar um tiro aqui que ela não ouvirá.

— Ela tinha que ficar até tarde, mas ela me avisou.

— Claro que avisaria, não seria idiota a esse ponto.

— Não insulte minha mulher!

— Ela te traiu! Isso é fato. Traiu com um cara que eu estava pretendendo ter um romance. Eu vim para matar essa piranha que roubou dois homens meus!

— Você trata as pessoas como se fossem posses suas, por isso que sempre se dá mal.

— Não me venha com sermões. Fala como se fosse o perfeito, sem nada do que se reclamar.

— Chega! A verdade é que se ela está me traindo é porque percebeu que estou gostando de outra pessoa.

— Quem? Quer dizer, você me largou, está com essa mulher, tem filhos e está gostando de outra?

— Isso mesmo. É uma mulher que não é a ideal, mas que é ideal para mim. É o que eu mereço e ela me merece.

— Conta logo vai!

— Não!

— Sempre escondendo o jogo. Vou-me embora.

— Não, vamos tomar algo.

— Relembrar os velhos tempos.

Os dois vão para a cozinha. Paulo serve uma taça de vinho.

— Larga essa mulher logo e volta pra mim, vai!

— Você é doida mesmo!

— Sou doida sim! Olha o que eu faço! – Alice aperta com toda força a taça e a faz quebrar em suas mãos causando um corte.

— O que você fez? Está sangrando!

— Eu só queria ser essa pessoa de quem você está gostando. Mas tenho certeza que não sou. Não sou e nunca serei.

— Deixa-me fazer um curativo ai. – Paulo enrola uma faixa na mão de Alice que chora baixinho.

— Por que mentimos?

— Quem está mentindo?

— Você, eu, sua mulher, todos mentem. A troco de quê?

— É melhor você ir embora. Está tarde e eu preciso dormir.

— Tudo bem. Já fiz o que tinha que fazer.

Paulo leva Alice até a porta.

— Se quiser falar comigo, sabe onde me encontrar. – disse Alice.

Paulo abre a porta e Alice sai. Paulo fecha, mas logo em seguida abre de novo.

— Você! – diz para ela que está quase na calçada.

— Eu?

— Sim. Você!

— Não entendo.

— É de você de quem estou gostando.

Alice fica sem reação.

— Não é mentira? – questiona Alice.

— Dessa vez não.

Paulo fica para fora de casa e espera por Alice que continua parada.

— Por que não vem até mim? – perguntou Paulo.

— Porque não consigo acreditar no que diz. Será que não serei enganada outra vez?

— Vem você até mim. Só acredito se você vier.

— Agora você banca a difícil.

— Melhor você ir deitar. Quando você tiver certeza do que você quer me procure.

— Não acredito nisso. Faço a maior revelação e você reage dessa forma. Só pode ser mentira.

— Mas não é. A gente precisa se acertar antes de qualquer coisa e só lembre que sua mulher te traiu com o cara que eu queria ficar, ou seja, talvez eu ainda esteja gostando dele, não sei, vai entender coração de mulher.

— Que seja. Boa noite e vá com cuidado.

— Obrigada!

Paulo entrou e fechou a porta. Caminhou até o quarto, mas antes de abrir a porta, voltou correndo, abriu a porta e saiu atrás de Alice, pegou-a caminhando, puxou-a pela cintura e deu-lhe o beijo que foi o mais demorado de todos aqueles que ele deu nela quando estavam juntos.

14/10/09

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 15/10/2009
Código do texto: T1868286
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.