Telefonema
“Você pode ter certeza À Thaís C. Marques
de que seu telefone irá tocar.” Ao som de
Cássia Eller Oswaldo Montenegro
- Alô?! Sou eu. Ahn... Eu precisa tanto falar com você. É até engraçado, sabe. Ensaiei um texto enorme e bonito pra tentar te falar, mas, você sabe como são as coisas, a gente acaba esquecendo tudo na hora. Agora é tarde, já comecei a falar, ficaria estranho parar e ligar de novo, como se nada tivesse acontecido para começar do começo. Bom... Deixa eu ir direto ao assunto. Bem...
“Fala com ela logo! Não adianta você ficar esperando ela vir falar com você.”
“Você acha que é tão fácil assim?”
“Não seja hipócrita, você sabe que é fácil e que quem complica tudo é você.”
“Pode até ser, mas...”
“Mas, nada, cara! Fala logo e ponto. Olhando nos olhos dela.”
“Vai ser um salto no escuro, você sabe, eu tenho medo...”
“Não pensa como se fosse um salto no escuro!”
“Como assim?”
“Pensa como se fosse um salto numa claridade tão imensa que você não consegue ver nada.”
“É, não soa mal...”
- É difícil dizer, sabe. Mas eu não posso demorar muito tempo, meu cartão pode acabar a qualquer minuto. Me aconselharam a conversar com você pessoalmente, mas você me conhece... Bom, a gente se conhece há bastante tempo, não é mesmo?
“Há quanto tempo vocês se conhecem?”
“Três anos, mais ou menos...”
“E você gostou dela assim, de cara? ”
“Não. Quer dizer, sim. Ah, cara, é difícil. Parece que, quando eu a conheci, eu não gostei dela de cara, mas foi como se eu soubesse que um dia eu ia acabar gostando dela, entende?”
“Profundo! Mas, então... Já era tempo de você dizer alguma coisa... Você nunca disse nada?”
“Nem sequer uma palavra... Quer dizer, não assim, na lata, diretamente...”
“Como assim?”
“Ah, eu escrevi uns versos pra ela, mostrei, mas ela não disse nada. Como se ela não soubesse que eles são sobre ela, apesar de estar tão na cara.”
- Bom, desde que a gente se conhece, eu... Não, tá errado! De uns tempos pra cá eu ando pensando muito em você e... Eu resolvi ligar, porque... Engraçado, não é ? É estranho! Quer dizer, é uma gravação, você já tentou conversar com uma gravação? É não é tão engraçado.
“Você a coloca em um pedestal, essa é a verdade!”
“Não! Claro que não. O que você quer dizer com isso?”
“Você pensa nela como se ela fosse uma coisa superior. Ela é um ser humano, cara. Igual a você”.
“Eu sei disso, ok?”
“Ah, é? Porque não parece.”
- Então. Eu acho que não vale a pena dizer o que eu quero pelo telefone. Tem como a gente se ver? Se você quiser que eu adiante o assunto, eu adianto. Eu... Eu te amo. E... <click> Droga!
*
- Eu disse que não ia conseguir falar!
- Não acredito! Você ligou, caiu na secretária eletrônica, você continuou falando, não falou nada como nada, disse que a amava e desligou o telefone? Não pensei que você fosse idiota a esse ponto!
- Bom, mas sou! E agora, o que eu faço?
- Ela já veio falar com você?
- Não, cara, eu acabei de ligar para ela... Se tivesse como apagar o recado...
- Esquece! Você não vive num filme... O que você tem de fazer é esperar agora. Se ela vier falar com você, você tem que tomar o controle da conversa de novo.
- Eu não vou conseguir!
- Vai sim. Eu sei que vai...
*
- Alô?! Então... Eu vi o seu recado. Quer dizer, ouvi, né! Eh... Então... Acho um absurdo isso, sei lá... Nós nos conhecemos faz tempo, mas meu... É amizade. Nem isso, você sabe, a gente se desentende tanto!
“Como assim, se desentendem?”
“Ah, a gente sempre discute por besteira, entende?”
“Então, meu, puro charminho. Vocês dariam certo, certeza!”
“Quê?! Cê deve estar louca, né? Jamais!”
“Não nega, que eu já te vi suspirando por ele, já!”
“Ah... Que absurdo. Absurdo!”
- Eu sei que você é uma pessoa boa, não duvido das suas intenções, mas... Não dá, não dá. A gente não tem nada a ver um com o outro. Eu espero que você seja muito feliz mesmo, sério. Mas não comigo. Não... Não...
“Ele é um cara legal, meu! Você sabe que é!”
“Eu sei que é. Mas não rola nada, entende?”
“Você mente pra você mesma e sabe disso!”
“Eu não minto. Não... minto. Ah, não dá pra pedir conselhos pra você! Grande amiga!”
- A verdade é que eu preciso de um tempo. Eu estou confusa, sempre estive. Me dá um tempo, ok? Aí eu respondo como se deve. Você me pegou de surpresa. Eu tenho que desligar. Mas queria que você soubesse <click> que eu te amo. É, talvez seja isso, então...
- Não desliga!
- Alô?!
- Se for isso mesmo verdade, não desliga.
- Você tava ouvindo o tempo todo?
- E se estivesse?
- Bom, poderia ter pegado o telefone antes, não?
- Não vamos discutir agora, por favor.
- Como não discutir? Olha o que você
- Eu te amo.
- O quê?
- Eu te amo. Muito. Achei que jamais diria, mas é isso.
- Não muda de assunto. Eu to brava com você. Muito! Muito mesmo e... e... eu.. te amo também.
- Daqui a uma hora, na praça?
- Vê se não se atrasa.
- Olha quem fala.
- Beijo.
- Outro.
*
- E aí, como foi?
- Como você esperava? Ela não foi, é claro.
- Brincou?
- Não. É sério. Não deu as caras.
- Eu não fui.
- Quê?!
- É. Não fui.
- Por quê? Como assim?
- Não podia ir. Não podia.
- Mas e se algo acontecer e ele nunca te ouvir dizer isso, olhando nos olhos dele?
- E o que poderia acontecer?
*
“Tenho pouco tempo agora. Espero que esta carta esteja intacta quando chegar em tuas mãos. Não tenho muito a dizer. Me orgulho de ter dito que te amava, me declarado pra você, ainda que por telefone. Escrevo esta só pra te pedir uma coisa: Culpe-se. Culpe-se eternamente. Chore dias seguidos, passe noites em claro, lembre-se de mim, coloque a secretária eletrônica pra repetir meu recado para sempre, de novo e de novo. Esta será tua sina. E no final aprenderás uma lição, mas será tarde.”A coisa mais cruel que alguém pode fazer é permitir que alguém se apaixone por você quando você não pretende fazer o mesmo."¹. E você fez isso comigo. Pra onde eu vou não posso te levar, nem levaria se pudesse. O amor que tenho por ti, de tão grande, se converterá em ódio em pouco tempo; e pra onde quer que eu vá te odiarei e pensarei em ti todos os dias. Daquele que por enquanto ainda te ama.”
*
- Isso não aconteceu, não é?
- Ele está na UTI, agora. Vai sobreviver. Mas será que ele me odeia, de onde ele está agora?
- O que você acha?
- Acho que minha sina começou. E não terminará tão cedo.
-Você vai sair dessa, velho amigo. E ainda vai ser muito feliz.
- Alô?!
- Desculpe, senhor. É proibido o uso de celulares dentro do hospital.
- Ah, sim. Perdão. <click>
¹Mário Quintana
William G. Sampaio [30/9/09]