Aventura cultural-romântica!
Parecia um sonho!
O motivo de muitas noites de insônia pelas quais passei estava aos meus pés ...
A enorme “taturana de aço”, que é como levianamente havia denominado as composições férreas “culpadas dos meus devaneios e sonhos”, estava ali, ao meu alcance para ingressar em uma aventura misteriosa e rara.
Sentia-me, naquele momento, o próprio ator do filme GHOST, obviamente guardadas as devidas proporções, sabia discernir o real do fictício e não iria, como no filme, “colocar a cabeça por dentro dos vagões” com o trem em movimento para observar seus interiores ...
Parado na plataforma da Estação Paraíso do metrô - SP, estático, um tanto quanto ansioso e amedrontado, aguardava a chegada daquela máquina que me levaria a uma das viagens mais eletrizantes que jamais realizara.
Eu, um humilde interiorano que só tinha ouvido e visto notícias sobre esta, uma das maravilhas do mundo moderno, estava ali, prestes a realizar a concretização de um sonho acalentado por muitos e muitos anos ...
Meu destino? Estação Trianon-Masp, onde pretendo desfrutar de todas as visões modernistas apregoadas nos noticiários assistidos/ouvidos e em minhas incursões pelo site www.masp.art.br. As obras de arte contidas na própria estação, as esculturas do vão livre do MASP e a própria visita ao museu estavam a poucos minutos de uma realização plena e total ...
O burburinho e o passar de pessoas ao meu redor denotou a chegada da composição que me levaria ao encontro e a realização do sonho acalentado.
A naturalidade com que as demais pessoas aguardavam na plataforma contrastava com a minha ansiedade e expectativa. As razões para tal eram óbvias: Minha descoberta de um mundo novo, representado pela alta tecnologia e a beleza que norteiam as composições e as estações do Metrô, bem como a descoberta das obras de arte que tanto embalaram meus sonhos de criança, de adolescente e de adulto!
A visão interna da composição já me “ganhou”! Não há termo de comparação entre as composições do metrô com as composições dos trenzinhos que tive contato em minha longínqua cidadezinha. O esmero e o cuidado com todos os detalhes me chamaram a atenção. Os assentos reservados aos idosos (claro que nem sempre respeitados pelos mais jovens e aí, diga-se de passagem, sem nenhuma responsabilidade dos administradores do metrô ...) foram algo que me fizeram sentir um “ar de primeiro mundo” dentro do Brasil ...
A limpeza também é um fator de destaque nas composições. O “povão”, como se envergonhado em macular tanto esmero e riqueza de detalhes, priva-se, quase em sua totalidade, em jogar detritos no chão ou sobre os bancos da composição.
Imerso em meus pensamentos e análises, quase não me dou conta que já estava em meu destino. Uma viagem rápida, segura e eletrizante, cheia de novidades e surpresas!
Ao descer na plataforma da Estação Trianon-Masp já percebi que nada do que ouvi e vi nos noticiários era exagerado. Quase fui abalroado pelas pessoas que desceram também nesta estação, pois, extasiado como estava, fiquei parado, boquiaberto observando toda aquela “maravilha”! Pude ouvir, “en passant”, alguns sussurros de pessoas que comentavam algo como: “ ... vamos tio!”; ... está dormindo?”; “ ... êh caipira!”, etc, etc ...
Porém, isso não conseguiu minimizar este raríssimo momento de felicidade e de muitas novas descobertas. Até o piso vitrificado da plataforma me cativou. Ah! As reproduções das obras de Di Cavalcanti, Botticceli, Renoir, Van Gogh, ...
Por mais incrível que possa parecer, foi difícil meu acesso as escadas rolantes (que por sinal também foram para mim, motivo de excitação e muito entusiasmo, haja vista em minha cidade, as raras existentes são de pequeno curso, nem de longe se comparando com a “imensidão” da viagem que fiz até chegar à superfície ...), não por algum impedimento devido ao acumulo de pessoas ou outro qualquer empecilho qualquer devido a manutenção, por exemplo. A dificuldade que senti para o acesso foi devida a minha própria retração em abandonar ambiente tão acolhedor e receptivo ...
Em decorrência da excelente sinalização contida nas placas indicativas e nos mapas dos arredores existentes na estação, “emergi” das escadas rolantes exatamente no lado correto da Avenida Paulista para acessar ao MASP!
A primeira visão da edificação já trouxe à minha memória recordações suntuosas de fatos ali ocorridos. Recordei-me, por exemplo, da “explosão” havida quando da primeira apresentação em São Paulo da cantora baiana Daniela Mercury, que foi realizada no vão livre e que, literalmente, balançou o MASP! O som apresentado e a agitação da galera ali presente “quase abalaram” as estruturas do prédio, fazendo com que o governo municipal, numa medida drástica, proibisse a partir deste show, apresentações de artistas renomados posteriormente naquele espaço!
Eu quase não podia acreditar ... Estava ali, há poucos passos de um dos meus sonhos que seria finalmente realizado!
Novamente, como já havia ocorrido no interior da estação, fiquei “petrificado”, fazendo com que os transeuntes, no vaivém apressado dos paulistanos da “paulicéia desvairada”, desviassem resmungando, alguns até sussurrando impropérios impublicáveis ...
As esculturas presentes no vão livre, o buzinar dos carros na Avenida Paulista, o burburinho das vozes dos pedestres, enfim, eu estava inserido no contexto de uma aventura idealizada e planejada com esmero, cuidado e ansiedade desde há muito tempo.
Minha narrativa pode até parecer utópico para alguns, no entanto, que já passou por uma alegria de ver um sonho acalentado por muitos anos ser realizado, sabe muito bem como me senti naquele momento! Nada na vida consegue fazer com que a realização de um sonho, pode ser ele uma graduação em faculdade, o nascimento de um filho, um casamento com a pessoa amada, a compra de um imóvel, a conversa com um ídolo, uma viagem realizada, etc, etc, ..., diminua o frenesi, a expectativa, a curiosidade, o stress ... no momento de sua concretização!
Meu ingresso no museu foi para mim digno do soar de clarins e pompa de cerimonial majestoso! No meu interior, parece que luzes brilhavam e holofotes iluminavam aquelas obras de pessoas tão famosas, competentes e tão especiais sob o meu ponto de vista.
“Devorei com os olhos”, quase que literalmente, todas as obras ali expostas, examinando minuciosamente cada detalhe de cada uma delas. A mim me parecia que o museu havia sido aberto exclusivamente para esta minha visita, já que eu nem me dava conta se havia ou não outras pessoas também em visitação! E isto, obviamente ocorria ...
Não em muita profusão, como ocorre em um show de um artista popular, num evento esportivo grandes equipes da capital ou num showmício de um candidato eletivo a um cargo qualquer, mas, a afluência de público que “curte as artes”, seja ela por conhecimento e gosto ou apenas por curiosidade em “querer ver”, também é razoável ...
Após horas (eu disse horas ...) de análise, observações e muito, muito mesmo, entusiasmo, ocorreu um fato inesperado ...
Por alguns fortuitos segundos, minha absorção total pelas obras foi substituída por uma figura bem próxima a mim que também parecia perplexa e compenetrada em tudo o que via. Foi aí que a notei ... Sim, tratava-se de um ser do sexo feminino (apesar de meu ângulo de visão somente ter permitido vê-la de costas, o que, convenhamos, na atual conjuntura das coisas, como cabelos longos, brincos, tiaras, etc ... não mais diferenciam pessoas de sexos opostos ...)!
Apesar de haver retomado a minha concentração na análise da obra que observava, confesso que a mesma já não era total! Alguma coisa, algum detalhe havia feito com que eu “vidrasse” naquela figura ao meu lado. Minha visão, sem obedecer ao meu comando, desviava de quando em quando, procurando visualizar algo mais do que eu conseguira “captar” em primeira instância ... porém, a “figura” permanecia impassível, concentrada naquilo que analisava.
Eu praticamente já havia “saboreado” tudo o que a obra que examinava podia me oferecer (obviamente desprezando a presunção de ter como maior prêmio ser o proprietário da mesma ...) e, num repente, vi-me tentado a inteirar-me daquela outra obra que estava sendo examinada por “ela”.
Porém, como a pessoa em questão estava completamente absorvida pelo exame que estava realizando, não havia condições de fazer uma aproximação.
Desavergonhadamente, tentei a estratégia dos animais “machos predadores” que nós, homens, por instinto possuímos. Pigarreei procurando chamar a sua atenção! Fiquei na tentativa ... Não houve a menor reação de receptividade por parte do alvo que pretendia atingir!
Já ansioso, já maquinava e punha em prática uma nova estratégia de aproximação. Deixei, propositalmente, ir ao chão meu chaveiro que, diga-se de passagem, “possui todas as chaves do mundo”, o que fez com que um estridente ruído se alastrasse por aquele salão silencioso. Nem assim a “figura” fez menção de, ao menos um menear de cabeça. Eu, por meu turno, já estava começando a ficar “possesso” com tamanha “indiferença” e resolvi fazer a abordagem sonora, universal e direta:
_____ Por favor, a senhorita demora em sua análise?
Após algum tempo, que devido a minha impaciência pareceram horas, ela “desligou-se” por um instante de sua concentração e movimentou-se, colocando-se de frente para mim. Fiquei pasmo, engasguei, resfoleguei ... Tinha ao alcance de meus olhos, o mais belo rostinho que jamais tivera oportunidade de presenciar! Algo como, candura juvenil somado a experiência mais madura, olhos de céu ... olhou para mim e soou uma voz que aos meus ouvidos pareceu um clarim de anjos anunciando um milagre:
_____ Já estou terminando. O Senhor Incomoda-se em aguardar
somente alguns minutos?
Em uma das poucas vezes que houve esta ocorrência comigo em toda a minha vida, senti um enrubescimento em minhas faces e minha voz soou trêmula e emocionada:
_____ Não, não! Sinta-se à vontade ... eu, eu, ..., não me importo em
aguardar o tempo que for necessário, afinal ...
Cortei a frase ao meio pois minha interlocutora já havia voltado à sua posição normal e estava, mais uma vez, compenetrada em sua análise!
Comecei vagamente a refletir sobre todos os acontecimentos pelos quais passei neste dia tão especial para mim. Do deslocamento até ali, incluindo a viagem impecável na composição do metrô, a beleza da vista arquitetônica de suas estações, principalmente a estação Trianon-Masp, o "frisson e o êxtase" que me causou o cartão postal de São Paulo - a Avenida Paulista, a magnitude e imponência (pelo menos para mim, aos meus olhos ...) do vão livre e do prédio do MASP, com a inevitável lembrança de seus idealizadores e projetores: O paraibano Assis Chateaubriand e o casal de imigrantes italianos Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi, a visão e análise das obras expostas e, para finalizar, este mavioso momento que estava vivendo com a "descoberta" desta verdadeira diva ...
Em meio a este "quase torpor vagante" em que me encontrava, pareceu-me soar ao longe um cântico que me fez voltar à realidade:
_____ Ok! Já terminei ...
Unindo às palavras a ação, afastou-se da obra que motivara sua tão concentrada análise, dirigindo-se para a saída, sem dar-me sequer tempo para um menor esboço de reação ...
Fiquei por algum tempo estupefato (acredito até que para os outros visitantes com certo "ar de pateta" ...), calado e estático no mesmo lugar onde me encontrava!
Não sem alguma hesitação, aproximei-me da obra exposta para iniciar também minhas apreciações e observações. Coincidência ou não, tratava-se de uma reprodução da estátua de EROS, o Deus do amor da mitologia grega!
Um leve e suave aroma, que julguei ser da "diva" que me antecedeu ainda pairava no ar, deixando-me ainda mais inebriado e sonhador ...
Esta foi a minha última incursão pelas análises e vistas das obras e trabalhos expostos, agregados aos vídeos e palestras assistidas.
Ao deixar o prédio, senti toda a vibração de um sonho acalentado desde há muito e que acabava de ser realizado. No entanto, cruel destino, o que poderia ser a "glória total", ficou "arranhada" pelo último episódio com o qual eu havia me defrontado. Ficou em minha mente aquela meiga figura, com a qual eu havia trocado somente algumas frases impessoais e que havia conseguido "macular" (no bom sentido de inserir-se nos meus objetivos primeiros de visita e análise de obras culturais ...) toda a minha programação!
Como o dia ainda se apresentava límpido e convidativo para "novas incursões", resolvi apreciar também as maravilhas arquitetônicas e o verde do Parque Trianon (apesar de meio receoso, pois em minha pequena cidadezinha ouvia constantemente comentários acerca da insegurança e da "péssima população" que freqüentava diuturnamente o local ...).
Caminhei pelas alamedas, observando as frondosas árvores lá existentes e estabelecido um paralelo do grande contraste urbano existente entre o burburinho em um centro financeiro e empresarial, como é a Avenida Paulista e a "aparente calmaria das pessoas dialogando e sentadas nos bancos", pássaros gorjeando, o verde das frondosas árvores, algumas esculturas ... daquele pedaço de chão ali infiltrado!
Como é de meu feitio, imerso em meus pensamentos "quase me desligo" completamente de tudo o que ocorrer ao meu derredor, fazendo com que em algumas ocasiões (não raras, por sinal ...) seja chamado atenção por meus pais, parentes e amigos, chamando-me, entre outros adjetivos, de "desligado", no "mundo da lua", etc ...
Nesta tarde, porém, como se houvesse um "religar do plug na tomada", fui desperto do meu "torpor" por uma nova visão (a segunda neste dia ...) que se apresentou na forma de uma figura sentada solitariamente em um dos bancos do Parque, "absorta", empunhando e observando uma delicada flor!
Não tive qualquer dúvida: "Era ela!". Era a moça do MASP!
Como num passe de mágica, todo aquele frenesi, toda aquela ansiedade e todo aquele enrubescimento facial foram retomados.
Fiquei por alguns momentos estático, observando aquela imagem, que sob a minha ótica poderia muito bem se motivo de uma tela de Michelangelo, Picasso, Manet ... e que, com toda certeza, seria reconhecida internacionalmente e ganharia muitos e muitos prêmios!
Foram momentos de muita paz, harmonia perfeita da natureza e deleite para minha observação!
Os olhos que miravam a flor, com um leve menear, fixaram-me! Estremeci da cabeça aos pés com aquele olhar.
O sorriso posterior que me foi dirigido levou-me aos mais torpes pensamentos, julgando que eu não havia sido alvo do mesmo ou que havia ocorrido por um mero esgar de sua boca ou até mesmo de uma mudança de expressão facial!
De qualquer forma, retribuí ao sorriso com um leve menear de cabeça, ao qual agreguei alguns passos em sua direção! Sinceramente, não sei de onde busquei força e coragem para balbuciar:
_____ Olá! Que coincidência! Você por aqui?
Sua resposta, que me soou novamente como um soar de clarins de anjos, até me surpreendeu:
_____ É! Após ver todas aquelas maravilhas no museu, resolvi
espairecer um pouco e desfrutar do ar deste pequeno paraíso
incrustado nesta "loucura asfaltica" que é a Avenida Paulista.
Você também pensou assim?
Assolou-me, então, um misto de timidez e gagueira. Voz um tanto quanto esganiçada e não muito audível, soçobrei:
_____ Exatamente!
Ela então voltou a "brincar" com a flor que tinha em mãos, sentindo-lhe o aroma e acariciando-lhe as pétalas.
Fui buscar minha última reserva de coragem que me restava, respirei fundo e disse, agora em alto e bom som:
_____ Posso sentar-me ao seu lado para conversarmos um pouco?
Ela aquiesceu sem palavras. Simplesmente afastou-se um pouco, deixando espaço suficiente para que eu me acomodasse ao seu lado. De forma delicada aproximei-me, pedi permissão e alojei-me naquele banco, que para mim naquele momento significava toda a minha querência e aspiração.
_____ Você vem sempre ao MASP?
Estas foram as “criativas palavras” que proferi e que me vieram à mente naquele instante.
_____ Não! É a primeira vez que venho e confesso-lhe que superou
todos os meus anseios e expectativas. São realmente
deslumbrantes os quadros, a arquitetura, as obras de arte,
enfim, o museu como um todo! E você? Vem sempre aqui?
Tentei colocar em meu rosto o mais belo e cativante sorriso que pude conceber e respondi sofregamente:
_____ Minha resposta também é não! Acalentei este sonho de
conhecer o MASP durante muitos e muitos anos! Sabe como é,
não? Sou um humilde interiorano e meu deslocamento até a
capital, devido aos afazeres, estudo, distância ... torna-se um
tanto quanto difícil, fazendo com que os meus projetos de
visitas culturais sejam sempre preteridos em prol de outras
atividades que, às vezes, erroneamente priorizamos. De
qualquer forma, interativamente eu já “conhecia” o museu, sua
localização, seu acervo, seu histórico ... devido aos acessos
que fiz ao site ... Porém, como diz o dito popular: “Ao vivo e a
cores é muito melhor!” ... Não é verdade?
A “diva” emendou:
_____ Concordo totalmente com você! Eu também estou inserida num
processo análogo ao seu. Também sou de uma cidadezinha
distante da capital e tenho de programar muito bem minhas
incursões culturais, haja vista todas as implicações que você
tão bem colocou. E falando nisso, acho que já estou um tanto
quanto atrasada para meu “regresso ao meu lar”. Tive um dia
maravilhoso e pretendo culminá-lo também de forma auspiciosa
não enfrentando turbulências na minha volta, pois sei do
verdadeiro caos que se transformam os meios de transporte no
horário “de pico” aqui na “cidade grande”. Vou enfrentar uma
“verdadeira maratona” em minha volta e quero ganhar algum
tempo nesta empreitada ...
Um misto de angústia e expectativa assolou todo o meu ser. Agora que nós estávamos em um diálogo tão informal, que eu estava cada vez mais admirado com a eloqüência, a graça, o charme, a beleza, enfim, com tudo naquele “brinde divino” que me havia sido “ofertado pelo destino”, teria de “abrir mão de tudo” com a sua partida?
Balbuciei:
_____ Mas, ..., ainda é cedo! Creio que o trânsito, as condições de
locomoção com a saída das pessoas de seus trabalhos só
ficarão piores bem mais tarde ...
Ela aparteou, com a candura e meiguice que estavam totalmente me dominando ...
_____ Concordo que por aqui ocorre exatamente como você diz,
porém, não se esqueça que eu resido fora da capital, como
também é o seu caso e, até deixarmos este local e atingirmos
os locais de saída da cidade, lá já haverá o congestionamento
se nos atrasarmos por aqui. É bem melhor eu já ir indo. Se você
acha que não há problema quanto ao seu deslocamento, creio
eu que poderá continuar por aqui apreciando os demais
detalhes do Parque com os quais ainda não manteve o devido
contato ...
A interrompi sofregadamente:
_____ Não, não! Também já vou indo ... Será que tomaremos a mesma
direção?
Aquele peculiar sorriso aflorou-lhe novamente a face, fazendo com que meu coração disparasse descontroladamente quase me levando acreditar que fora vítima de uma disritmia ou coisa equivalente! Meneando a cabeça denotando dúvida (com direito a beicinho e tudo ...), ela emendou:
_____ Eu vou de metrô até a Estação Paraíso, de onde vou fazer uma
baldeação para a linha Norte-Sul até a Estação Sé, daí
baldeando novamente para a linha Leste-Oeste para ir até o
Terminal Barra funda, de onde parte o ônibus que se dirige à
minha cidade. É uma verdadeira maratona, não é mesmo?
Controlando minha ansiedade, tentei dar um tom mais coloquial ao diálogo:
_____ De vez em quando é bom participarmos de alguma maratona
para mantermos a nossa forma física, não? Eu também não
perco muito em “atividade física” para você neste retorno ao
meu “habitat”. Também irei até a Estação Paraíso, também farei
baldeação para a linha Norte-Sul, só que não terei de descer na
Estação Sé para baldear para a linha Leste-Oeste como você.
Seguirei direto até a Estação Tietê, pois o ônibus que serve a
minha cidade parte daquele terminal. Pelo menos, parte da
maratona poderemos fazer juntos ... ou você se incomoda que
eu a acompanhe?
Já de pé e iniciando a sua caminhada, ela respondeu:
_____ Em absoluto! Será até agradável ter companhia até o meio do
caminho ...
Caminhamos lado a lado, tecendo comentários acerca do que havíamos visto no museu, no parque, na Avenida Paulista ... não sendo, Graças a Deus e para meu deleite por estar tendo total atenção ao meu diálogo com minha “musa”, em nenhum momento, interrompido “trombadinhas”, “mendigos”, “esbarrões”, “inconvenientes”
manifestações de reivindicações, paradas gays ou coisas do gênero!
Mais uma vez, ao acessar as dependências da Estação Trianon-Masp pude sentir toda a grandiosidade da obra e o esmerado cuidado com que tudo funciona, passando pelas impecáveis placas de orientação, a estratégica colocação das bilheterias, das máquinas de venda de bilhetes e cartões telefônicos, das catracas de saída e de entrada, da limpeza e asseio, do funcionamento das escadas rolantes e do empenho dos funcionários para que tudo esteja sempre funcionando a contento. Comentários semelhantes também foram feitos por minha acompanhante que, a cada citação, a cada pronunciamento, ia deixando mais e mais evidente que partilhava de quase todas as minhas idéias, anseios e forma de vida!
Como não poderia deixar de ocorrer, o translado de um trem para outro na Estação Paraíso transcorreu de forma simples e objetiva. Eu, de minha parte, sou réu confesso que até torci para que houvesse algum empecilho para que a minha estada ao lado dela se prolongasse um pouco mais. No entanto tal não ocorreu e em poucos minutos já nos aproximávamos da Estação Sé, onde a minha linda, cativante, meiga, sensível ... “companheira de viagem” desceria para bandear-se para a Estação Barra funda.
Uma ansiedade e uma mágoa profunda já ameaçavam tomar conta de mim. Eu necessitava, de alguma forma revê-la, conhecê-la melhor e ainda não tinha como “insinuar-me” nesta direção! Para minha alegria, meu encanto e minha satisfação, ao levantar-se para iniciar o seu processo de descida na Estação Sé, ela falou:
_____ Foi um imenso prazer te encontrar! Gostaria que esse não fosse
nosso único encontro. Acredito que tenho muito que aprender
com você e faria muito gosto em tornar a vê-lo! Eu moro em
Catedral dos Anjos, rua dos pintores, número 117. Nosso
número de telefone tem DDD 27 e é 69995566. Se tiver tempo
e quiser me ligar, poderemos marcar um novo encontro lá no
MASP, no Memorial da América Latina, no Itaú Cultural, no MAM
ou em algum outro ponto cultural que eu conheça e saiba ir até
lá, para podermos novamente “trocar algumas idéias” e
desfrutar de todas as maravilhas que nos oferece esta nossa
cultura contemporânea. Fica bom assim?
“Quase desfalecido” com tamanha “deixa”, rapidamente respondi:
_____ Está ótimo! Sou rápido nas anotações e já tenho todas as suas
informações devidamente registradas. Sem sombra de dúvida te
ligarei ... acho que até hoje mesmo para saber se transcorreu
tudo bem na sua volta. Quando ligar, passarei meu endereço e
meu telefone para você!
A composição já estava quase parando na Estação Sé, inclusive com o “comandante” da mesma já haver feito os informes necessários tais como: nome da estação, desembarcar pelo lado esquerdo do trem, não segurar as portas, baldeações possíveis ...
Com a abertura das portas, na “sofrida despedida”, que tenho esperanças que seja apenas de uma curta separação, no aperto de mão respeitoso e no tênue ósculo depositado na face, veio à minha mente um repente de lucidez e eu, sofregadamente exclamei:
_____ Mas, ..., nós nem nos conhecemos pelos nossos nomes! Meu
Deus, que lapso! Nem me apresentei a você. Mas como sempre
é tempo, vou fazê-lo agora! Meu pai, Pietro, infelizmente já
falecido, prevendo ele próprio um apreciador das artes, que seu
filho também trilharia o seu caminho deu-me o nome de seu
pintor predileto, Leonardo da Vinci ...
Houve o sinal que a composição fecharia as portas e partiria. Enquanto as mesmas se fechavam, ela parada na plataforma, olhou-me com o seu lindo olhar, desta feita com um quê de enigmático, soltou um breve suspiro e exclamou:
_____ Meu pai também era apaixonado por Da Vinci! Eu me chamo
Monalisa!