Uma rosa, nem sempre é uma rosa, ou basta de sofrer
Acordou com um sentimento diferente. Consultou as horas pelo visor do celular e pensou – tenho ainda mais 12 minutos-já eram 6,48 da manhã. Esperou um pouco, aguçou os ouvidos e não percebeu nenhum tipo de movimento, no amplo apartamento de cobertura.
Por fim levantou-se, dirigiu-se ao quarto de banho. Barba feita, banho tomado com a água na temperatura que lhe agradava – fria – e por fim voltou ao seu quarto, por sinal quarto de hóspede, sem antes experimentar a situação da porta do quarto de casal – fechada -. Há mais de um mês que dormia no quarto de hóspede.
Após consultar os e-mail’s e responder os mais importantes. Pelo elevador dirigiu-se à garagem e com o carro que tanto lhe agradava e o servira, saiu com destino ao escritório. Assinou alguns documentos essenciais, esvaziou a gaveta central e esperou pela secretária. Olhou tudo em volta, quantos anos, quantas reuniões de negócios, discussões acaloradas, outras de apaziguamento, as paredes agora desnudas dos quadros, diplomas, certificados já não faziam parte do contexto.
Providencialmente as caixas plásticas estavam todas identificadas, com seus conteúdos.
A chegada da secretária, era notada pelo cheiro envolvente do café.
Uma rápida conversa e tudo decidido. Computadores, impressoras, aparelho de fax, central telefônica, móveis, armários e tudo o que mais ali estivesse, passaria a ser de posse da secretária. Uma forma de compensação pelos 21 anos de dedicados serviços. A venda do escritório havia sido realizada, era só esperar a imobiliária para entregar as chaves.
No carro as caixas com os documentos.
Dirigiu-se à concessionária para as últimas providências, no sentido de adquirir um outro veículo.
Negociação realizada a termo. Seguro pago a vista. Carro emplacado e documentação de acordo com as exigências. O antigo carro também por ali ficara como forma de pagamento. Consultou o relógio e já era hora de se dirigir ao banco. Telefonara no dia anterior ao gerente solicitando que a tesouraria providenciasse o volume de dinheiro que necessitava. Com um ar de interrogação o gerente não entendia o do por que desta atitude. Conta encerrada. Cartões créditos cancelados. Contou cada masso de dinheiro, conferiu novamente e foi colocando delicadamente em um saco de lona. Fechou com uma tira de couro e com auxílio de um cadeado garantiu a segurança do conteúdo. Como o novo carro estava na garagem do banco, saiu tranqüilo sem se preocupar em excesso com as possibilidades de roubo ou algo semelhante.
De volta ao apartamento, notou que o quarto de casal estava com a porta aberta. Na sala de café sinais de uma leve refeição. Os funcionários discretos movimentavam-se de forma a deixá-lo à vontade. No escritório que também servia de biblioteca, iniciou a tarefa simples e rápida. Selecionou o que lhe interessava no computador e fez um back-up. Apagou então todos os arquivos. Livros poucos, sem importância. Decorativos por assim dizer. No quarto de hóspede, iniciou a seleção e arrumação de suas roupas, sapatos, perfumes, loções e utensílios de uso pessoal. Ternos, camisas sociais, gravatas, sapatos importados, foram colocados de lado. Calculou o volume. Saiu novamente. A estas horas os shoppings já estariam com suas lojas abertas. Comprou quatro malas. Três grandes e uma média. Bem estruturadas, fortes e discretas, por certo acomodariam seus pertences.
Malas arrumadas. Coleção de discos long-play, cd’s e pedras preciosas e semi-preciosas, foram embaladas em caixas especiais. Atenção especial para sua coleção de whisky e vinhos. Comprara com antecedência suportes especiais para transportá-los.
Chamou pelo interfone a copeira e solicitou que arrumasse a mesa para um almoço, com dois talheres.
Serviço do mais fino. Pratos em faiança, talheres de ouro, taças e copos do mais fino cristal bohemia, toalha em renda portuguesa, guardanapos em linho. Não se referiu ao cardápio. Simplesmente que no centro da mesa, se fizesse presente um cloche e nada mais.
Deu a última e derradeira olhada por todo o apartamento, chamou dois funcionários para que providenciasse a movimentação das malas, caixas com seus discos e cd’s, vinhos e whiskys.
Antes de sair, dirigiu-se à sala de refeições, inspecionou detalhadamente a mesas, talheres, toalha, guardanapos, taças e copos, champanheira e em especial o cloche. O levantou e colocou uma rosa e um bilhete.
Desceu para a garagem e saiu para um inicio de tarde ensolarada e radiante.
Carro abastecido, novo de estalar, documentos em dia, dinheiro bem acomodado e de forma segura, malas dispostas e todas as caixas do escritório e do apartamento, lotavam praticamente o veículo. Parou na casa de uma amiga de infância e lá deixou todas as suas caixas. Restaram tão somente as malas e sacola com dinheiro.
Antes de ganhar a estrada, ligou o carregador do celular, o gps e selecionou várias coleções de cd’s.
Uma dúvida. Leste seria o litoral. Oeste seria o interior. Norte não lhe motivava. Sul, este lhe interessava, poderia seguir pelo litoral o invés da via interiorana central.
Decisão tomada. Rumo ao sul, pelo litoral. Estacionou em uma lanchonete para comprar algumas barras de chocolate garrafas de água mineral. Pensou no que teria acontecido, em relação ao almoço. Riu de satisfação. Imaginou a cena. Surpresa ao ver a mesa posta para dois. A champanheira com uma garrafa da mais simples cidra. Curiosa ao levantar o cloche, uma rosa e o bilhete. Parecia estar de corpo presente, naquela hora, ao pegar a rosa de plástico, destas que se compra em loja de R$ 1,99 e ler o bilhete “ ...triste fim que nem uma rosa de verdade mereces.”
À noite o encontrou em uma pequena e aconchegante cidade praiana. Procurou um hotel, não se agradou. Indicaram uma pousada. Simpática, limpa e segura. Moradas individuais e com garagem. Instalou-se, tomou uma ducha fria e entrou no clima de litoral, com uma bermuda, camiseta e chinelo foi ao encontro um bom e reconfortante jantar. Caminhou pela praia praticamente deserta, o bater das ondas e a areia fina e delicada lhe davam uma sensação plena de liberdade total. Havia rompido com o passado, com a tristeza, a indiferença, o desamor e solidão interior. Estava a beira de perder o gosto pela vida, mas conseguiu não se sabe da onde buscar forças e ânimo para tomar a decisão mais importante: acabar com tudo. Melhor dizendo, acabar com aquele estilo e modo de vida. Ranços, rancores, discussões, indiferenças, provocações, atritos e brigas faziam parte do cardápio cotidiano entre o casal. Então o dia do basta chegara. Separação de corpos, já existia de fato. Separação formal jurídica em andamento e praticamente concluída. Bens materiais divididos equanimente. Filhos todos adultos e independentes. O que restava então? Navegar em um mar de amarguras e tristezas? Não desejava e nem merecia. Partiu e deixou como lembrança deixou uma rosa plástica, uma cidra furreca e um lacônico bilhete, sobre uma mesa ricamente preparada.
Voltou para a pousada, tomou uma chávena com chá de erva-doce e recolheu-se.
Dormiu como nunca antes havia experimentado nestes últimos anos. Acordou com o cantar simpático e sincopado dos sabiás e canários da terra.
Andou pelas ruas, praças, visitou alguns pontos turísticos, informou-se a respeito do comércio em geral e concluiu que ali não era o local para se instalar. Voltou para a pousada, almoçou, pagou as despesas e em seguida partiu para outras paragens. A não mais que 200 quilômetros uma placa á beira da rodovia, chamou a atenção: Sossego e paz. Primeira entrada à esquerda. A curiosidade sempre fora o seu fraco. E para lá se enveredou. Se o paraíso existisse ali era uma amostra. Estrada em leito natural e estreito, algumas pontes e um morro á sua frente com algumas curvas suaves. Ao atingir o topo do morro uma vista de tirar o fôlego. Uma imensidão de mar, uma baia ampla, um azulado bordado de espumas brancas.
A descida tão suave como a subida. Poucas casas, ruas sem pavimentação, calçadas irregulares, igrejinha branca, de frente para a praça com alguns bancos toscos. Era tudo isso: Sossego e paz.
Procurou onde se hospedar. Uma seta indicava: Pousada. Ao chegar outra placa: Vende-se. Nome: Pousada Chateau Magdelaine, mais conhecido por “ chatô da madalena”. Seus conhecimentos sobre vinhos, chamou a atenção. Um dos melhores vinhos da região de Saint-Émillion. Jardins simpáticos e coloridos, algumas fontes de água, hortências azuis, brancas, rosas ladeavam o acesso para veículos. Um pequeno sino de bronze, onde se lia sobre a mesa: para tocar o sino, puxe o badalo. Dito e feito. Não se conteve, badalou mais uma vez. Que gostosura e que som. Uma voz suave e feminina se fez ouvir. Se gostou pode continuar badalando... Uma senhora simpática, com sotaque francês o recepcionou. Mostrou todos os simpáticos chateaux. Cada um com seu nome peculiar: Caillou, Montalivet, Landiras, Chevalier, La Garde, La Lagune, Cantermerle, Giscours, Pouget e Lagrange. Adorou. Todos relacionados com vinhos. Simpáticos, higiênicos, voltados para o norte o que permitia uma insolação e iluminação normal. Aquecimento solar, banheiros amplos, excelente iluminação natural, piso antiderrapante, estoque de toalhas, espelhos bem distribuídos, enfim o chateau em si, de um bom gosto sem par.
Acomodou-se, relaxou da viagem, com um excelente banho na hidromassagem e depois um curto cochilo. Já passavam das vinte horas, quando então resolveu jantar. Restaurante discreto, acolhedor, decoração temática condizente com meio litorâneo. Um variado cardápio e uma boa carta de vinhos, além de sucos naturais.
Resolveu por ali permanecer uma semana, que se transformaram em um mês e que depois resultou na compra da pousada Chateau Magdelaine. Negociação realizada, algumas pequenas modificações de modo a imprimir a sua personalidade, além um novo cardápio. Quanto aos vinhos, de fato estavam dentro do esperado.
E a vida então se desenrolava de modo tranqüilo até a chegada de uma hospede especial. Especial não naquele momento, mas sim no momento futuro.
Boa tarde, aqui é que é a pousada da madalena? “To percisando descansar e mi informaram que aqui é bão”, O sotaque era uma mistura de uma paulistana da Mooca, com toque de um manézinho da ilha de Florianópolis, acrescido de um prolongado “esse” do carioca do bairro de Ramos. Vim a busca de uma “pisquisa” pros japoneis que tão vindo passa uns dia aqui na pousada.
Escolhido o chateau, o qual não conseguia pronunciar o nome, mas sabia sim identificar pela existência de um ninho de joão de barro. Uma pergunta se me permite, quantas pessoas a senhorita pretende trazer, para se hospedar? Deixa eu contá nos dedos. O casal de japa com a velhinha manca, as duas irmã, já deu uma mão. Ah! Tem o Shimori e a Shimorinha, aquele japa que só usa terno branco e a mulher, o casal de professô, Aqui já deu uma mão e um dedo. Haja paciência e continuava anotando. Até o momento cinco chateuax. Faltavam mais quatro, para ficarem todos ocupados, uma vez que a morena já ocupava o dela, em um total de dez. Por fim, conseguiu fechar a relação e deu um total de 19 possíveis hóspedes. Quantos dias ficarão hospedados? Depende do preço. Mais pode fechá para oito dias.
Vivia então uma nova experiência. Longe do burburinho, do corre-corre, dos telefones e e-mail’s, das discussões sem fim e sem cabimento. Vivia uma nova vida. O barulho que soava como uma sinfonia era o bater constantes das ondas e do vento ao passar entre as folhas das árvores.
A chegada dos japoneses estava programada para quatro dias, a partir da confirmação das reservas e dos preços. Tudo confirmado. Havia um espaço de tempo considerável para alguns detalhes, como renovação dos canteiros de flores da estação, testes dos ventiladores de teto, limpeza dos painéis dos aquecedores solar, enfim tudo pronto.
Aceita um jantar de cortesia? Jantar? Sim um prato especial, para hóspede especial. Moqueca de badejo.
Mas sabe das panelas também? Ou as “mininas” é que manda vê?
Então vamos aos pormenores me diz a receita. Infelizmente é segredo da casa. Uma taça de espumante seco, levemente frio. Não mais que quarenta minutos: aqui está a piece de resistance. Me fala uma coisa, este peixe também é das “estranja” como os nomes dos ..sabe o que quero dizê. Não eu falei que era moqueca de badejo, deixa para lá e experimenta.
Já estava hospedada, há três dias. O sol colaborava para que aquele corpo escultural em contraste com o branco da areia promovesse um verdadeiro delírio.
A noite uma chuva fininha, típica da época, caia de forma despretensiosa.
O telefone tocou. Dá pra vim até aqui, o chuveiro num funciona. Mas como não funciona? Pensou. O relógio já marcava onze e vinte da noite. Na pousada, nenhum funcionário. Praticamente fechado o restaurante. O dever nos chama. Bateu levemente e ouviu, a porta ta aberta, pode entrá. Enrolada em uma toalha de banho, branca explicou que num tinha água quente. Pediu licença e foi verificar o dito defeito. Tudo funcionando normalmente. Voltou para o quarto e...uma surpresa. De pé, sobre um par de sandálias pretos, salto alto fino, com uma calcinha branca mínima e com duas taças de champanhe nas mãos, seios delicados e tentadores, falou mansamente “ a moqueca daquela noite estava ótima, agora vamos provar a sobremesa”. Não acreditou. Há mais de quatro meses, sem sexo estava quase explodindo. Sorveu o champanhe delicadamente e as taças foram deixadas sobre a pequena mesa. A pele morena, a calcinha branca, sandálias de salto alto fino, seios delicados, um conjunto sensacional, digno de muito entusiasmo e carinho. Ao toque da pele, podia-se dizer que era uma mistura de seda e veludo. O sabor dos beijos, jamais experimentara algo igual. O jogo das mãos, os abraços e o envolver dos corpos mostravam o quanto estavam necessitados um do outro. Uma garrafa de champanhe foi sucedida por mais duas. Era o clímax, o êxtase, o envolvimento, a doação total e integral. A delicadeza dos toques, dos gestos, dos beijos mais íntimos, a demora como que combinada para ambos atingirem o gozo final, dava a impressão que haviam vividos momentos outros em tempos passados.
Acordou. Olhou no relógio do celular. Já passam das cinco da manhã. Levantou-se sem fazer barulho, olhou aquela escultura em forma de mulher, nua sobre a cama e não resistiu. Iniciou beijando seus pés, suas pernas, coxas, ...ventre, seios e de forma delicada e firme a amou mais uma vez naquela noite/manhã.
Voltou para seu apartamento/escritório, tomou uma ducha fria, aparou a barba que deixara crescer, vestiu uma bermuda branca e camiseta pólo branca. Tênis e meias brancas. Dirigiu-se a cozinha, onde os preparos para o café matinal já estavam em andamento.
Os japa tão chegando, gritou da varanda. Todos educados, formais e, sobretudo extasiados com toda a natureza que os envolvia, foram conduzidos aos seus chateaux, onde uma farta cesta de frutas e sucos variados dava as boas vindas. Almoço para vinte hóspedes, sendo dezenove recém chegados e a morena escultural. Entrada caldeirada de peixe com frutos do mar. Prato principal moqueca de peixe com camarão, acompanhado de pirenta ao molho de camarão. Sobremesa, banana nanica, flambada com pinga da região e caramelada com canela e sorvete.
Educados, discretos, observadores os hospedes japoneses, saiam pela manhã em caminhadas pelas praias, com suas esteiras, guarda-sóis e aproveitavam todos os momentos. Uns até se arriscaram pescar e com sucesso. Mas sempre devolviam ao mar, sem antes fotografá-los.
Se ali permaneceram por oito dias, oito foram as noites de pleno êxtase.
E então chegou o momento dos hóspedes iniciarem a volta a realidade do dia a dia. Era a última refeição a ser servida. Um toque especial para uma clientela especial, só que diferente da primeira.
As mesas foram colocadas na varanda, decoradas com artesanato local. Aos poucos foram se acomodando, não eram dados a ingestão de bebidas alcoólicas.
E então foi servido o jantar. Prato principal: Yosenabe servido com molho ponzu. Mal podiam acreditar, aquele prato tinha um significado todo especial. A união dos quatro elementos naturais: Os legumes, o tofu e os cogumelos, representam a terra. Os camarões e os peixes representam a água. A carne de frango representa ao ar. E a pimenta presente no molho ponzu, representa o fogo. O Yosenabe por sua vez também representa a união entre os familiares, casais e amigos.
Pela manhã todos se despediram gratos pela acolhida. Inclusive a morena que agenciara a vinda e hospedagem dos “japa”.
A vida tinha que continuar. Novos hóspedes, novos afazeres, novos pratos a serem testados e o dia passou de forma rápida e cheia de atividades. Já passava das onze horas da noite, quando o restaurante fechou as portas. Todos os chateaux já estavam prontos para receber novos clientes. Chegou a hora de descansar. Um banho frio o esperava e uma noite bem dormida recuperaria todas as energias. Entrou e... sobre a mesa da sala encontrou uma calcinha branca, mais adiante uma sandália, mais adiante outra sandália em direção do quarto. Não entendia nada. Aos poucos foi andando em direção ao quarto e lá encontrou sobre a cama, nua, deitada de costas, aquela morena escultural. Não acreditava, era sonho, alucinação, efeito do vinho. Só acreditou quando ela se voltou e perguntou: aceitas uma rosa vermelha sem espinhos? Então venha tirar da minha boca...
E assim continuaram a viver.
A Pousada mudou de nome. Chama-se Pousada Moraine.
Observação: As receitas é só pedir.