Paramour - Final

Final

O dia chegou.

Pensando bem agora, até que demorou a chegar. Como eu esperava, o clima, pelo menos para mim, era bastante melancólico. Mesmo com o sol escaldante e o céu limpo – que me lembrou daqueles primeiríssimos dias. E não sei se isso ajudou ou piorou.

Embarcar em um avião para Londres não é muito comum em Araranguá. Aeroporto só em outra cidade, por isso tive que embarcar primeiro em um ônibus que me levaria a um destino primário. Isso até facilitou as coisas, deixou a despedida mais fácil. Como se fosse possível.

Acordamos cedo para chegar não muito tarde, logo, as bagagens necessárias – muitas – já haviam sido preparadas durante a semana.

Alice dormiu comigo para acompanhar-me “até os últimos passos”, disse ela. Obviamente, adorei a idéia.

Quando levantei, ela ainda descansava, então aproveitei para escovar os dentes e me vestir. Em seguida, preparei um café da manhã caprichado, o que posso considerar uma conquista – “capricho” não é típico de mim.

Fui até o quarto e me agachei ao lado da cama, apoiando o queixo perto do rosto de Alice. Ela abriu os olhos devagar, como se tivesse sentido minha presença.

- Oi, dorminhoca. – sorri.

- Oi... – bocejou. – Já?

- Já.

- Que tristeza. Bem que eu poderia aprender a jogar futebol e ir junto.

- Eu ensino. – brinquei. Alice odeia futebol. – Você odeia futebol, não se incomoda que eu esteja a deixando por algo que odeia?

- Você não está me deixando. – sorriu. – E odeio futebol, mas amo você.

Devolvi o sorriso.

- Vamos, o café está na mesa.

- Você fez café? – perguntou com uma surpresa insultante.

Comemos, e assim que Alice se arrumou – algo não muito necessário, a rodoviária ficava a uma quadra de distância -, partimos.

Dentro do carro, Alice cantarolou uma canção no meu ouvido. Assim que ela terminou, chegamos lá. Olhei no relógio. Legal, demoramos quase dois minutos.

As coisas estavam acontecendo rápido demais. Vi um filme há muito tempo em que o protagonista possuía um relógio que parava o tempo. Talvez eu encontre um desse abandonado na calçada.

- Vou lá conferir os horários, já está quase na hora, não demore. – disse mamãe. Estranhei, acho que ela estava apenas saindo do caminho para dar espaço a mim e Alice.

A rodoviária não estava muito cheia, meu ônibus já aguardava desligado no estacionamento. Caminhamos até a calçada de mãos dadas. Parei e virei-a para mim.

A nostalgia dos primeiros dias, cada beijo, cada “eu te amo” sussurrado, cada sorriso... todas minhas memórias mais preciosas revisitadas em menos de um segundo. Alice estava ali, em pé a poucos centímetros de mim, e tenho que entrar no grande veículo atrás de mim em alguns minutos, ao invés de ficar aqui.

Imaginei um vidro se formando entre nós, e tento tocá-la, sem sucesso, forçando a mão contra a barreira.

Agora isso doeu.

Doeu mais do que nunca, foi como um buraco sendo cavado em meu peito. Senti uma dor física no coração, um aperto que me fez querer chorar.

Alice quebrou meu vidro imaginário tão rápido que demorei um segundo para perceber.

Abraçou com uma força que não sabia que tinha, como se não estivesse pensando em me soltar.

- Não quero deixar você. – ela começou, e senti a dor de que essa seria nossa última conversa ao vivo.

- Nem eu.

Uma voz quase automática e sem vida saiu dos alto-falantes avisando que estava na hora.

- Tenho que ir.

Alice fungou, apertando os olhos, chorando.

- Sabe que ainda temos muito para viver. E já temos muito para contar. – sorri de leve, lembrando de várias coisas. Primeiro beijo, primeiro “eu te amo”... meu amor a primeira vista.

- Eu não queria chorar, não queria dificultar para você. – choramingou.

Pensei em como Alice sempre chorava de felicidade.

- Tenha certeza... – hesitei, sentindo o aperto no peito. – De que estarei de volta em algum tempo. Na primeira chance que tiver, eu venho. Agora, tenho que ir.

Ela respirou fundo. Então me laçou inesperadamente, prendendo-me num beijo apaixonado e quente. Ao mesmo tempo, doloroso.

- Agora vai. Vai embora daqui. – riu com um sorriso angelical. Olhei bem fundo em seus olhos verdes.

“Eu te amo” parecia desesperador demais. Então concluí a despedida de forma mais alegre.

- Até mais.

- Até muito mais.

- E feliz aniversário.

- Brigada, amor.

Ela sorriu, sabendo que não a veria sorrir por um bom tempo.

Dentro do ônibus, lágrimas silenciosas deslizaram por meu rosto. Quando o motorista deu a ré para partir, vi-a ainda lá fora, observando até o último momento.

Apertei a mão no vidro, e torci para que ela me visse sorrindo.

Jack Lopes
Enviado por Jack Lopes em 25/09/2009
Reeditado em 27/12/2009
Código do texto: T1831485