Paramour - Capítulo IV

IV

- Dante?

- Sim?

Alice fez uma pausa.

Estávamos deitados na minha cama, dois dias após a festa. Sua cabeça descansava em meus ombros, e já faziam vários minutos que permanecíamos ali – merecido descanso depois de um longo dia. Deixei a janela acima da cama aberta, pois a luz fraca do sol poente era absurdamente relaxante. A casa estava vazia a não ser por nós, estava silenciosa. Até um suspiro parecia um som alto demais.

Lembrei-me de quando deitava ali sozinho, pensando nela.

- Eu estava lembrando... – recomeçou. – Daquele nosso primeiro dia.

Imaginei que ela estivesse passando pelo mesmo flashback atordoante que tive no outro dia.

- Tem um detalhe que ainda não consigo entender, mesmo depois de todo esse tempo.

- Que seria?

- Como nos apaixonamos tão rápido?

Isso era algo que nunca entendi, mas que já não importava. Na época, foi sim, uma preocupação – uma tarde é o suficiente para gostar tanto de alguém? Ainda mais alguém que antes nunca conhecera, somando a todos os outros obstáculos da distância... ingenuidade, concluí na época.

Mas hoje não importava.

- Eu não sei. Achei que era idiota por isso.

- “Idiota”? – questionou.

- É, por me iludir tão fácil... não sei mesmo, acho que quando esse tipo de coisa acontece, sempre questionamos nossa sanidade. – suspirei. – Mas você não me parecia loucura. Não havia nada de ridículo no que sentíamos.

- Ah. – sorriu de leve. – Mais ou menos o que eu pensava. Mas eu era um pouco mais apocalíptica. – pronunciou a última palavra com deboche.

Juntei as sobrancelhas.

- Explique.

- Para mim não era uma questão de “sou idiota por gostar dele”, estava mais para “não existe vida feliz sem ele e sou idiota por pensar isso”. – suspirou. – Que vergonha de confessar. – tentou rir, sem humor.

- Que nada. - brinquei. - Eu tentei não me apegar tão rápido, até porque na primeira vez que senti algo parecido, não foi uma maravilha. Só depois de sentir as duas coisas é possível perceber a diferença entre elas.

- Que coisas?

- "Gostar" e amar.

- Verdade. - disse. - Já estive nessa situação.

- Dava para perceber quando você falava. Eu tinha medo de perguntar na época.

- Ainda tem?

- Não... mas como não parecia muito confortável com o assunto, eu acabei deixando de lado. Não queria forçar você a falar nem nada, não era importante.

- Entendo. - ela fitou algum ponto no teto por alguns segundos. - Somos realmente especiais, não acha?

- Acho. - tentei formular alguma coisa para reforçar meu argumento. - Nos conhecemos pessoalmente lá em Tramandaí. Depois nosso relacionamento foi apenas na conversa. Digo nossos defeitos, qualidades, essas coisinhas não importavam. Amamos-nos por quem somos, pelo que estava ali na sinceridade das nossas palavras.

- É verdade. Bonito isso.

Estava escuro agora, mesmo com a janela aberta. O poste que ficava bem em frente ao quarto estava misteriosamente apagado – é daqueles que apagam quando se passa por baixo. Misterioso mesmo era o silêncio, já que geralmente a trilha sonora da noite consta de grilos e outros insetos. Escutava-se apenas o som de carros ao fundo, muito discretos, pois vinham da estrada que saía da cidade. Era um ruído contínuo e quase uniforme, com ecos, que poderia estar no fundo de alguma música do Pink Floyd. Era assustadoramente relaxante.

- Você nunca mais me viu de sutiã desde aquele dia...

Acabei explodindo em uma risada alta.

- Sente falta daquilo? – provocou com humor.

- De sua habilidade de me envergonhar inesperadamente? Não, não, passo por isso todos os dias. – brinquei.

- Bobo. O maior de todos os mistérios ainda é “como você me agüenta?”. – sorriu.

Ela suspirou e recomeçou, dessa vez num tom mais sério.

- Dante, não lembro de ter falado isso em voz alta. Não dessa forma pelo menos. Nunca lhe disse o quanto também é importante para mim. Não me lembro de ter dito que você salvou minha vida naquele dia, e quero ressaltar que estaria chorando no travesseiro ainda se não fosse por você... sabe como sou teimosa. – sorriu de leve. – Tudo mudou. Na primeira vez que beijei você, quase explodi de felicidade... eu era uma peça de quebra cabeça perdida e você era a parte que faltava.

Meu celular tocou assim que ela terminou a frase. Alcancei-o de cima da mesa e vi era apenas o despertador que arrumei mais cedo para avisar quando fosse oito horas, meia hora antes de começar uma premiação de músicas na TV.

- Vai começar a premiação. – expliquei-lhe. – E fico feliz em saber disso.

Ela sorriu.

Levantamos devagar e com muita preguiça, se espreguiçando em pé. A vontade era de desabar na cama de novo. Fechei a janela enquanto Alice calçava os tênis.

- Já falei do seu livro? – perguntou-me.

- Não. – tentei soar indiferente, e ela percebeu, mas ignorou.

Então pensou em algo, seus olhos ficaram enigmáticos por um momento. Mas quando encontrou meus olhos, pareciam divertidos.

- Eu juro que chorei.

- Eu acredito. – confirmei com tom de zombaria.

- Parece que conheço você melhor agora.

Aproximou-se, e percebi que havia calçado apenas um tênis. Abraçou-me. Beijei sua testa.

- Acho que esse é o seu jeito de dizer que me ama. – sussurrei sorrindo.

- Convencido. – zombou.

Fui até a cozinha nos servir copos de refrigerante enquanto Alice ligava a TV.

Na sala, o programa acabou sendo melhor do que o esperado. Aproveitávamos os comerciais longos e repetitivos para conversar. Já na metade da transmissão, quando mais uma propaganda de creme surgiu, Alice fez uma pergunta séria.

- Como você acha que devemos nos casar?

- Definitivamente... – fingi pensar a sério. – Na igreja.

Ela riu, sabendo que isso estava fora de cogitação.

- Sério, digo, uma... festa é necessária?

- Não, a não ser que você queira.

- Não quero.

- E acho que não precisa ser muito sério...

Alice não entendeu.

- Digo, cartório essas coisas... acho que não precisa. Somos ambos maiores de idade agora, já poderíamos fazer... mas nunca pensei dessa forma, me parece desnecessário.

Ela se esticou até a mesa para alcançar um copo de refrigerante, tomou um gole.

- Um casamento de mentira, você diz? – perguntou interessada.

- Um casamento... simbólico. Não preciso de papelada ou mudanças oficiais no estado civil para amar você. – pensei por um momento, como se fosse concluir, mas desisti.

- Ah. – ela sorriu. – Entendi. Você só queria algo simbólico que nos unisse para sempre.

- Acho que sim. Não estou conseguindo explicar muito bem.

Ela estudou a aliança em seu dedo.

- Mas entendi. – disse. - Até que a morte nos separe.

- A morte que tente.

Os meses voaram.

Ao lado dela, as horas desapareciam, mas eu tentava esconder que a cada dia aumentava exponencialmente minha tristeza. Minha vontade de esquecer o futebol e Londres e tudo mais.

Eu poderia me rebelar. Dizer que não iria e acabar com essa besteira. Odeio ter que confessar, mas no fundo sei que não é o tipo de – argh – oportunidade que se receba todo dia. Vai ser bom sim, de alguma forma muito distorcida que me recuso a aceitar.

Outubro, Novembro, Dezembro...

O natal na casa de Alice foi antológico. Obviamente, houve churrasco. Muitos presentes também, foi muito divertido. Seus pais me deram uma jaqueta ótima para o inverno – bem fora de época, mas era para Londres, eles me disseram. Alice ganhou roupas, CDs, Livros, tudo que ela mais gosta. Dessa vez peguei mais leve nos presente, mas mantive o humor – comprei dois ingressos para o filme Lua Nova, que já estreou mês passado nos cinemas. Como sempre, a festança foi até tarde, e como sempre, houve muito barulho por parte dos nossos amigos.

O ano novo foi comemorado na minha “casa”, com tanta bagunça que não sei como o prédio não desabou. Depois da meia noite, já em 2010, os garotos – eu incluído – resolveram estourar rojões que sobraram de alguma outra festa. Limpamos a rua, pois não deixamos uma lata ou plástico impune. O barulho pouco importava, todos estavam em festa mesmo. Depois, ainda assistimos a um filme - cortesia minha – antes de dormir.

Fui o último a cair no sono. Todos dormiram na minha casa, uns no quarto, outros na sala. Eu e Alice dormimos no meu quarto, como sempre. Todas as vezes, preparávamos um colchão no chão ao lado da cama, mas ela sempre sorrateiramente subia para o meu lado assim que a luz se apagava.

Exatamente isso que aconteceu, e quando subiu, cansada, apenas me abraçou e sussurrou:

- Feliz ano novo. – e parece ter desmaiado de sono.

Fiquei pensando. O ano acabou, tenho mais nove meses por aqui. Se houvesse alguma forma de fazer o tempo parar, mas cada segundo é um segundo a menos.

Preciso parar de ser tão chato. Afinal, quero ir ou não? Vai ser bom. Essa é a resposta certa. Não é como se Alice fosse morrer.

Esse pensamento era insuportável.

Eu vou para a droga de Londres, fato. Dane-se o resto, vou aproveitar esse tempo aqui de forma saudável. O tempo vai voar e não vou ficar para trás.

Espero realmente que seja aceitável não só na teoria, mas não vou me preocupar mais com isso – ou vou tentar. Fechei os olhos.

Uma semana se passou e eu estava muito longe de “bem humorado”.

- Na maior parte do tempo eu esqueço. – comecei, talvez rápido demais. - Principalmente quando estou com ela, o tempo simplesmente não importa. O dia corre, por mais chato que seja, e raramente lembro... então, chega a hora de dormir. Eu deito mas não relaxo, mesmo com sono, mesmo não conseguindo ficar em pé de cansaço, não consigo dormir. Eu fecho os olhos e os pensamentos se atropelam, tento levantar, mas é pior ainda. Quando eu chegava perto de cochilar, sonhava com alguma coisa horrível e acordava assustado. Fico com dor de cabeça quase o dia todo e sinto tontura só de subir as escadas. – suspirei. – Faz dias que não durmo mais que uma hora.

Jaci me olhou preocupada. Até aos meus ouvidos as palavras pareciam desesperadas demais. Sem querer, fiz um discurso.

- Me desculpe. – sorri sem humor.

- Por quê?

- Você perguntou “como andam as coisas” e fiz um discurso deprimente.

Ela riu de leve.

- Se tem algo incomodando meu amigo, eu quero saber. – suspirou. – Então, não deve ser fácil aceitar isso. Sei quanto foi difícil quando ela estava longe.

- Então entende a raiva que tenho de simplesmente aceitar meu pior pesadelo que seria a repetição disso tudo.

- Eu entendo, mas quem sente é você. Não posso dizer para esquecer porque não é assim.

- Sim. – levantei a cabeça repentinamente irritado. – Sabia que não pensei em futebol nenhuma vez desde o dia que decidimos? Estou começando a achar que não importa mais, só não quero ficar sem ela.

Dessa vez Jaci ficou em silêncio por alguns segundos, enquanto eu fechava o punho embaixo do balcão, tentando me conter.

- Você joga muito bem e sabe disso. – começou. – Deve ser o melhor da cidade.

- Araranguá é uma cidade gigante mesmo. – soei rude.

- Lá você pode evoluir.

- Mas não considero qualquer esporte mais importante que ela.

- E não é. – fiquei surpreso por ela não estar irritada. – Precisa entender que nada vai acabar, só vai... mudar. Nada vai afetar o amor de vocês.

Por alguma razão isso me confortou. Era o que eu sempre repetia para mim mesmo, o que Alice me dizia, mas ouvir de Jaci foi diferente.

Ela estava apoiada no balcão alto da locadora – mais um maravilhoso dia de trabalho. Meus pais saíram para comprar comida, então fiquei sozinho por... algumas horas, porque mamãe no mercado é um teste de paciência. Pobre papai.

- Gostei de ver um sorriso. – Jaci disse.

- Obrigado. – estava sorrindo sem querer. – Ajudou mesmo.

Ela parecia surpresa.

- Isso foi rápido.

Eu ri e entendi porque diziam que o riso é como “mini férias”.

- Acho que foi. – falei.

- Você precisa se acalmar. Relaxa. Nunca vi um amor tão forte como o de vocês.

- Sério?

- Aham. – confirmou. – Agora deixa de ser besta e se preocupa com o agora pra variar. – sorriu. – Essa rapidez da sua recuperação só prova que não era nada. Pare de viajar.

- Ok, obrigado pela ajuda, sua desgraçada.

- De nada, idiota.

Sorrimos. Forma estranha de mostrar afeto, mas funciona.

- Tenho que ir. – disse-me batendo no relógio de pulso. – Trabalho, conhece?

- Como assim? – indaguei exibindo o lugar com as mãos. – Trabalho o tempo todo.

- Estou vendo.

Como de costume, um pouco da felicidade sumiu assim que ela saiu pela porta, mas eu estava calmo.

Não houve muito movimento, o dia foi surpreendentemente calmo. Ao chegar em casa, tive que ajudar a guardar a tonelada de compras feitas à tarde. Parecia literalmente uma tonelada.

Abri o armário de potes, grande sim, mas quase totalmente ocupado. Deixei a sacola com os novos potes no chão – minha tentativa de equilibrar tudo ali seria frustrada, com certeza.

Antes mesmo da janta, já estava sem forças. Tomei um banho preguiçosamente e caí na cama, adormecendo em seguida.

Dormi bem, enfim, mesmo com o estômago vazio.

Um mês se passou.

Fevereiro foi o mês mais rápido – não por ter dias a menos -, mas por Alice ter inventado uma viagem a um parque de diversões famoso recomendado por um amigo. Como pagamos com nosso dinheiro, não houve reclamações por parte de pais.

E foi um dos melhores lugares em que já fui.

A grande surpresa foi que, não Alice, mas eu tive medo da maioria dos “brinquedos”. A montanha russa, clássica, era até violenta. Alice gritou muito, por diversão. Eu gritei, por pavor. Outro brinquedo exorbitante foi uma torre, onde se entrava em uma cabine, esta subia verticalmente por cem metros para uma queda livre de três segundos. Já na fila, estava compartilhando o pavor das pessoas que saíam, algumas em total silêncio, o que era ainda mais perturbador.

Quando a cabine começou a subir lentamente, Alice estava se divertindo mais do que nunca. Eu, por outro lado, cuspia palavrões. Estava verdadeiramente desesperado e não conseguia sequer encontrar vontade para disfarçar. Olhei para cima depois de um tempo. Estava na metade do trajeto. Tenso.

Foram três segundos muito longos.

Devo ter comentado com todos os amigos sobre o dia, rindo todas as vezes – era tão fácil me ridicularizar.

Março chegou.

Foi um mês cheio em termos de trabalho. Batalhões de pessoas lutavam pelos lançamentos do mês – era fácil imaginar uma batalha armada ali no centro da loja. Por sorte, ninguém saiu ferido.

Primeiro de Abril.

- Me conte uma mentira. – pediu-me Alice.

- Eu não te amo. – ri.

Maio.

Faltam quatro meses. Mas já não me preocupo mais. Estou feliz, não pela viagem, é claro, mas porque claramente Alice está fazendo de tudo para me acalmar, um esforço pelo qual sou muito grato. Muito mesmo. Tentei ficar irritado por ela ter desmarcado um encontro com uma amiga para ficar comigo, mas, na verdade, havia apreciado o gesto, a amiga dela que esperasse.

Nesse mês houve uma série de problemas a serem resolvidos envolvendo a viagem. Eu tentei ficar longe, mesmo que às vezes minha presença fosse necessária.

Junho.

A comemoração do mês era o aniversário da minha irmã.

O dia foi ótimo, claro. Comecei a achar que nossas famílias deveriam organizar festas para a cidade, seria um bom negócio. Sério.

Julho, meu aniversário mais uma vez.

18 anos, enfim.

- Nos igualamos. – sorriu Alice ao me cumprimentar na mesa cheia de comida, o café da manhã.

Eu havia acabado de levantar da cama, mas levantar não quer dizer "acordar". Demorei alguns segundos para ligar os pontos.

Alice dormiu comigo no dia anterior, a pedido meu – o que a fez rir.

- Hoje é meu aniversário? – brinquei, bocejando.

- 18 aninhos. Já pode pegar filme pornô agora. – riu alto.

Ri, mesmo que ainda cansado para pensar em uma resposta esperta.

Sentei na cadeira, sentindo meu corpo pesado.

- Posso perguntar o que você aprontou para mim? – perguntei, sem ter a mínima idéia do que Alice pode ter armado. Mas ela disse que era grande, o que me fez pensar.

- Sabe que é segredo. Mas precisamente a meia noite vai saber. Soa familiar? – sorriu divertindo-se.

- Sim, sim, mas com “grande” você quer dizer algo que não caiba embaixo da cama, ou algo simbolicamente grande?

Ela fez um biquinho.

- Os dois. – sabia que a resposta me confundiria, por isso a pronunciou com tanto prazer.

À tarde, pela primeira vez em séculos, não precisei ficar cuidando da loja – tomei isso como um presente. Fiquei no computador a maior parte do tempo, até as cinco horas, quando a conexão com a internet falhou. Ótimo, pensei. Rabisquei qualquer coisa no editor de textos por alguns minutos, mas não estava inspirado para aquilo. Subi, e no meu quarto liguei o som, conectei a guitarra no amplificador para fazer um pouco de barulho. Diversão que durou por quase uma hora.

Encontrei-me sem opção, faltando apenas uma hora para a pequena festança. Insisti para que não fizessem uma grande coisa. Os presentes, claro, eram imprescindíveis. E Alice me convenceu a fazer tudo na sua casa. Quando perguntei por que, ela desviou, e percebi que poderia estar escondendo alguma coisa. Era frustrante. Será que ela também se sentiu assim quando eu desviava sobre o que estava escrevendo – que era o livro da nossa história? De qualquer forma, tenho que suportar e, se possível, resistir ao impulso de fazer perguntas.

Tomei um banho demorado, me vesti e desci. Não havia ninguém na locadora, exceto por minha mãe atrás do balcão.

- Já está quase na hora. – ela fala como se eu pudesse esquecer isso.

- Eu sei. – murmurei, sem saber se ela havia escutado.

Entrei no escritório e para minha surpresa, Alice me esperava em pé. E estava mais bem arrumada do que de costume. Sendo assim, sua beleza quase me fez chorar.

- Uau. – foi o que consegui dizer.

- Estou bonita?

- Não. – aproximei-me para beijá-la. – O que faz aqui tão cedo?

- Vim buscar você.

- Achei que fosse me esperar lá.

- Surpresa.

Chequei quanto tempo faltava no relógio. Vinte minutos.

- E o presente? – perguntei.

- Você vai descobrir o que é quando chegarmos lá.

- Achei que deveria esperar até a meia noite.

- Eu também quero “ver”. – pude ouvir as aspas na palavra.

- Vou avisar a mãe e podemos ir. – lutei contra as perguntas que queria fazer.

Era uma distância relativamente longa, mas caminhamos mesmo assim.

- O Edward é muito mais atencioso e carinhoso, o Jake é bem descontrolado. - disse Alice.

- Mas o Jake também é muito protetor.

- Para quê mais protetor que o Edward?

- Tem razão. Mesmo assim ele se irrita muito facilmente, o Jake digo.

- Ah, mas pelo menos ele aparenta isso, o Edward fica furioso e calmo em segundos.

- Outro descontrolado.

- Acho que você é parecido com ele, o Edward.

- Por quê? – imaginei que não fosse na aparência.

- Atencioso... carinhoso... inteligente.

- Talvez não tão inteligente.

- Ele tem cento e poucos anos, dê um desconto.

A conversa fluía tão naturalmente que nem percebemos o tempo. Ao chegarmos lá já era noite.

Alice percebeu, enquanto abria o portão, que eu olhava para as estrelas. Ela deixou-o aberto e se aproximou, apoiando o queixo em meu ombro.

- Tão lindas... – sussurrou.

- Sim... – olhei para ela. – Tão linda.

Seu sorriso fez minhas pernas tremerem.

- Vamos, seu bobo. Já estão nos esperando.

Ao passar pelo portão, percebi que o barulho das conversas – algo facilmente reconhecido do outro lado da rua -, era nulo. E as luzes da frente da casa estavam apagadas.

Alguma coisa muito estranha estava acontecendo.

Alice estava praticamente me empurrando para a garagem. Quando vi a porta fechada, com nenhuma luz acesa, juntei as sobrancelhas. Será que lá dentro a luz se acenderá com todos gritando “parabéns!”? Tomara que não.

- É o que estou pensando? – perguntei.

- Duvido. – ela provocou.

Estava muito nervoso, o que me preocupou. A sensação era semelhante à de saber que o boletim do colégio teria nota baixa e ter que recebê-lo com a mãe do lado. Não sei por que pensei isso, não parecia ter ligação - eu realmente não sabia o que esperar. Mas, no caso do boletim, a nota baixa não seria surpresa, então por que o nervosismo? Talvez seja porque eu já saiba o que é, ou deveria saber.

Caramba, que diabos?

Paramos na frente da porta.

- Nervoso?

- Você não tem ideia.

Ela sorriu satisfeita. E destrancou a porta, empurrando-a para trás com força, fazendo-a bater na parede. A escuridão era total, não conseguia ver nada. Mas era como se “sentisse” sorrisos no ar. Suspirei.

- Devo entrar? – perguntei.

- Não, congele aqui fora. – reclamou sarcástica.

Sorri. Foi uma pergunta óbvia.

Coloquei o primeiro pé lá dentro. O segundo... silêncio.

- AEEEEEEEE! – todos berraram em uníssono no exato momento em que a luz acendeu. Eu levei um susto maior do que deveria. Aparentemente, minha expressão fora hilária, considerando os risos que se seguiram.

Adentrei devagar no recinto, recebendo abraços das amigas e tapas nas costas dos amigos. Alice vinha logo atrás, me empurrando novamente. Todos estavam ali, Letícia, Krishna, Jaci, meus amigos, os responsáveis pelos roxos em minhas costas.

Eles foram se distanciando, dando espaço para mim. Estranhei que estavam se distanciando mais do que o necessário, se encostando às paredes.

Então fiquei pasmo.

O centro, onde geralmente ficava a mesa, não estava como deveria. Um tapete branco, onde eu pisava sem perceber, saía de um círculo, uma pequena bancada montada ali no meio, que também estava decorada com flores branquíssimas.

Alice passou por mim e subiu na bancada, ficando virada para mim, como se estivesse me esperando. Olhei para ela confuso.

- Liga a música logo! – alguém riu.

Então, uma música, reconhecível em qualquer lugar do mundo, soou na garagem. E de repente, tudo se encaixou perfeitamente. Senti-me idiota por não ter sacado antes.

A marcha nupcial era o sinal para eu me aproximar da bancada.

Não consegui parar de sorrir, por mais surpreso que estivesse. Demorei-me nos passos, um amigo me empurrou para frente.

O silêncio era absurdo considerando as pessoas que estavam ali. Era como se alguém pudesse soltar um grito a qualquer segundo.

Durante todo o pequeno trajeto, não desgrudei o olhar de Alice.

Subi na bancada.

- Agora você sabe. – Alice disse suavemente. – E está chorando.

Levei a mão ao rosto e enxuguei uma lágrima sorrateira.

- Que coisa. – me referi à lágrima, e em seguida a ela. – Você é incrível.

- Eu sei que sou.

- Eu te amo muito.

Ela apenas sorriu. Confesso que esperava uma mini discussão infantil.

- Sabe... – ela começou, e percebi que o silêncio na garagem era absoluto, como se todos prendessem a respiração. Ela quase sussurrava. – Eu pensei em comprar uma espécie de “aliança” para você também, mas depois lembrei que o casamento era de mentira, então pensei melhor.

- O que você pensou? – minha voz saiu muito suave.

- Eu vi que, apesar de ser um gesto físico para uns, para mim é pura mágica, a forma mais simples e intensa de expressar amor. – ela deu um passo para perto, envolvendo-me com os braços. – Lembra do nosso primeiro beijo? Aquele vai ser sempre o nosso primeiro. Mas quero que a marca do nosso amor fique simbolicamente impressa nesse...

Seus lábios tocaram os meus quase antes de terminar a frase. Beijou-me como quem beija uma rosa.

- Então, Dante, você aceita casar comigo, uma criatura insuportável que terá de suportar até os últimos dias de sua vida?

- Se não tivesse que suportar você, não seria vida.

Ela sorriu e me abraçou, prendendo-me num beijo longo. Ao mesmo tempo, a excitação quase palpável no ar, explodiu, todos aplaudiram, berraram, choraram.

Dessa vez, eu percebi as lágrimas deslizando dos meus olhos, e como se nunca tivesse feito isso antes, enxuguei uma da bochecha de Alice.

Jack Lopes
Enviado por Jack Lopes em 25/09/2009
Reeditado em 27/12/2009
Código do texto: T1831317