A AUSÊNCIA
O amor é a mais perigosa das drogas
-Disseste-me quando nos permitimos conhecermo-nos
e eu concordei, rendido já aos efeitos secundários
da coisa, preso às tuas palavras que anunciavam a partida
para demasiado breve. O motivo era lícito para o comum dos mortais
mas ilícito para mim, momentaneamente relegado à condição de imortal
insatisfeito com a tua ausência breve, mas que se vislumbrava como
uma eternidade
Mas a vida não é apenas amor, passa muito por ele, mas não é só amor
-E eu, claro, discordei, porque a minha vida resumia-se apenas ao
Escritório e ao meu apartamento, terrivelmente sensaborão, especialmente
desde o momento em que tive a sorte de te conhecer.
A vida era muito mais coisas, sem dúvida, mas não para mim que passei
a fazer de ti a minha vida, logo sem o amor, sem ti, tudo voltava a ter
a tonalidade a preto e branco que tivera até ali.
Há sempre alguém, o fim de uma relação pode bem pressupor o inicio de
outra. Por exemplo, no meu caso o que não me falta são pretendentes.
-Ouvi-te dizer na altura em que a nossa relacionamento era apenas
de conhecidos, e para não variar discordei silenciosamente. Isso podia
ser uma lei da natureza, facilmente generalizável, mas não para mim, uma
espécie de sociopata numa escala suave. Ou então poderia de facto haver
alguém na esquina de um fim, mas demasiado longe dos meus olhos e
sentidos cegos a este tipo de coisas devido à deficiência comunicativa
que tinha imposto a mim mesmo à demasiados anos, “como defesa
perante um mundo que, na incapacidade de compreender, ou medo de
tal me fez ereger as tais defesas”Isto nas palavras de um técnico
da mente, consultado por mim a meio do périplo, solitário.
Talvez, mas como nunca havia verdades absolutas e a frase do “doutor”
tinha atingido o cerne demasiado sensível da minha verdade,
chamara-lhe devaneio e procurara esquecer-me dela,
procurara esquecer-me de mim.
Caramba, volto num piscar de olhos, e vais ver, mal vais ter tempo para
reparar na minha ausência!
-Respondes-te assim à minha tristeza espelhada num rosto triste e boca
muda. Nem por sombras, os minutos sem ti assumiriam sempre o exagero
das horas, (isto para não falar dos dias!)e por isso, paras apagar as
sombras da solidão anunciada, mandara fazer uma ampliação da tua
fotografia numa escala pouco razoável para a senhora da loja, mas
demasiado pequena para mim. Teria o teu rosto sorridente no meio da
sala, de onde poderias ver todos os meus movimentos, e de onde
eu não te poderia deixar de ver, elegendo-te assim á condição de grande irmão indispensável à minha sanidade mental
Quando os teus sentimentos são demasiado dispendiosos para os poderes sustentar.
-Desta vez não foste tu, foi Bono dos U2, numa música de um Cd que
comprara e explorara para desanuviar um pouco uma cabeça cheia de
demasiadas coisas tuas, e o raio do homem, o raio do poeta irlandês
acertara em cheio! Um ano e tal antes de tudo acontecer previra o
que me ia na alma e pusera tal com uma perfeição clínica no papel!
Eras demasiado valiosa para mim, um valor raro, que na
impossibilidade de o ter completamente fazia-me dar em doido.
A tua ausência omnipresente sufocava-me, a parte que faltava era-me demasiado cara,
era pois demasiado onerosa para me fazer ter a outra. Ou te tinha toda,
ou preferia não te ter.
O raio do poeta irlandês acertara...
E eis que voltei, sã salva! Sentiste a minha falta?
-Palavras que achei absurdas e quase jocosas se não viessem de ti.
Claro que tinha sentido a tua falta! Tanto que até nem perguntei pela
tua mãe doente. Adivinhei-a melhor no teu olhar, mas, francamente isso
não me interessava, não por insensibilidade à velhota, mas por demasiada
sensibilidade a ti. Depois, claro, foi a figura de parvo tão típica de mim,
ficando especado a contemplar-te até adormecermos, só falando quando
me interpelavas, e estranhavas essa figura deliciada com o espectáculo da tua
presença.