INSTANTES DE VERÃO
"A música é o barulho que pensa." (Victor Hugo)
Acorda ao som da música.
Tocam-lhe as notas dos dias. Preestabeleceram as sensações daquele dia.
Ouviu.
Os pingos de chuva fora da janela, o vizinho tocando bateria, outro ouvindo Mozart. Todos os sons acordaram.
A visão de quem sucumbia ao som era cega. A cegueira estava nos olhos. Ouviu.
Parou para ouvir.
Apertar o interruptor interrompe. Basta ouvir.
Acorda com o som de música. Tenta traduzir.
Que significados trazem a melodia que vêm dos vizinhos, que vem da chuva caindo? Qual significado procura no ato de escutar?
Rafael precisa abrir os olhos; sucumbira muito aos sons.
Necessitava ver.
Queria encontrar.
Abre a janela: os pingos secam, Mozart morre, a bateria é calada pela reclamação vinda de um dos apartamentos.
Ao abrir a janela, permite que a visão adentre, interrompa a audição.
Deseja ouvir? Opta uma sensação por outra?
Mas queria encontrar.
Sente fome.
Come e não se sente saciado.
Fecha os olhos.
Com o fechar dos olhos — apertar o interruptor para que escureça —, busca o instante.
Antes audível, agora são ruídos. Nem sussurros são.
Pensou ser possível voltar ao instante passado.
Alessandra fora embora. Agora ele ouve a chuva só. Ela se dispersa com sinais de proximidade do verão.