RUÍNAS

“A guerra é o mais importante aspecto da sobrevivência duma nação. É o caminho da existência e da não existência”

Sun Tzu

Que sabemos nós sobre a guerra?

Nada, não sabíamos nada até ela nos bater à porta, daquela forma imprevista típica dos “maus fenómenos”, julgados por nós impossíveis, precisamente pelo seu absurdo ou distanciamento.

Já a tínhamos visto na televisão, cinema, livros, etc...; distante, obviamente, comodamente distante. Já no-la tinham ensinado na escola, à pressa...E, das duas uma, ou os professores passavam sobre os conflitos, não os referindo directamente, mas apenas as suas consequências, ou deixavam este tipo de matéria para o fim do programa, isto é, dar-se-ia se houvesse tempo; ora o proverbial atraso nos programas (já por si carregados e maciços...) era sobejamente conhecido, esta era apenas uma medida “pleonástica”, de forma a não se explicar/justificar aos paizinhos que, parte do manual que compraram nunca seria dado.

Claro! Tínhamos as cíclicas guerras dos “países menores”, do terceiro mundo, manietadamente destinadas a comover as nossas consciências e bolsas ricas e fazer-nos mandar meia-dúzia de soldados para separar as partes em litígio, para rapidamente os resgatar quando as tréguas acabassem...Por vezes, lá se lamentava alguma baixa, ou algumas, ocasionadas não tanto pela argúcia dos nativos, mas mais pelas previsões mal feitas dos nossos cientistas políticos, cujo “sentido estratégico de secretária” conseguia convencer os volúveis militares... Mas alguns funerais, enterros de estadão e condecorações brilhantes aos mortos depois, as lágrimas secavam. E, no meio disto tudo, lá se movia, comovida, a chamada “sociedade civil”, alicerçada em movimentos públicos de solidariedade, que, apelando à generosidade das populações, enchiam armazéns de comida e roupas (enquanto nos bancos contas abertas para o efeito eram preenchidas pela comoção pavloviana fruto das imagens das grandes cadeias televisivas) tudo prontamente envidado para os países carenciados, onde boa parte dos bens ficava nos bolsos e barrigas dos protegidos pelos nossos governos, mas que opções estratégicas punham à frente destas nações sempiternamente carenciadas. Era bonito de facto ver os ricos a ajudar os pobres, e a provar que a solidariedade não era uma palavra vã. Até as mesmas conivências estratégicas direccionarem a atenção do público para outros assuntos. As imagens deixavam de merecer audiências (ou seria o contrário...?), e lá voltávamos aos nossos saborosos problemas dos mais abonados do planeta.

Vivíamos com uma mal escondida sobranceria de senhores a todos os níveis, dominando todos os domínios do saber humano, fascinados pela tecnologia e entretidos em “joguinhos florais de espionagem industrial”, embevecidos pelas grandes fusões das corporações, e rejubilando quando qualquer grande marca europeia comprava uma asiática, americana ou russa. Estávamos fortes, nunca antes fôramos tão fortes. Afinal, o cerne do mundo pensante, a fina flor da intelectualidade vivia no continente. Tínhamos os autores mais conhecidos a nível cultural. Os Óscares capitalizavam audiências, o cinema do novo mundo atraia inalcançáveis multidões? Sim, mas era um cinema de massas, pouco profundo, de substrato simbólico, porque esse era o nosso! Se era quase “chique”os intelectuais americanos virem ao nosso continente, ou à nossa cultura beber da sua influência, isto era uma assunção indirecta (mas convicta!) da nossa superioridade!

Erigimos por fim a sociedade sonhada pelos nossos avós, a osmose quase perfeita de um quase todo continente e de todas as suas culturas, muitas delas milenares. Passámos a circular livremente de Sagres às fronteiras russas, várias etnias, mas uma só identidade, fronteiras simbólicas...

Todos sabíamos a história, e por a sabermos sabíamos também que os erros anteriores jamais iriam ser repetidos. Tínhamos sofrido demasiado, lutáramos demasiado, conseguíramos chegar mais longe do que alguém para deitar tudo a perder.

Na maravilha do debelar das distâncias e culminar das acessibilidades, conhecera-te num antigo país, onde ambos estudávamos; a coisa foi mais do que uma simples paixoneta, fomos trabalhar para outro país e visitamos as nossas famílias nas suas regiões, ou seja, num fim-de-semana prolongado fazíamos quase um inter-rail irrisório pelo preço baratíssimo dos transportes.

Como podíamos nós saber e prepararmo-nos, se tudo parecia indiciar a paz?

Ao longo de mais de um século desta mesma paz (a questão dos Balcãs era de tal forma endémica que nem entrava nas nossas contas, apesar das enormidades por aqueles lados cometidas, para não variar mais ou menos com a nossa bênção de quem não se queria sujar com sangue alheio...), esquecemos os tempos que remontavam às origens da união, perdendo assim os hábitos dos nossos antepassados recentes, hábitos onde transpareciam todas as privações, todas as torturas que eles tinham passado, antes e depois da Última Grande.

Foi a sua experiência a permitir os anos seguintes, os nossos anos, de invulgar abundância, mesmo neste continente. Mas, quando ouvia os rastos das histórias daqueles tempos iniciais, contadas em enésima boca, pensava serem exageradas, pela necessidade, penso que natural, que cada geração tem de se mostrar mais sofrida que aquela destinada a substitui-la.

Durante anos pensei assim, e agora impressiono-me até que ponto entendo essas histórias.

O pior é que tudo aconteceu demasiado depressa, sem qualquer tipo de avisos, a possibilitar uma possível adaptação para os tempos seguintes. Pelo menos para nós, as massas, para as quais “teoricamente” fora feita a união. Algures entre vetustos inimigos, e aliados recentes, talvez há demasiado tempo, surgiram discussões, irrisoriamente sanadas nos parlamentos, e que, talvez por isso, passaram das palavras aos actos. Primeiro foram os políticos a desentenderem-se, depois o litigio chegou ao exército comum, onde as antigas nacionalidades voltaram a surgir, obrigando, numa medida desesperada, à sua concentração em quartéis próprios, viveiro privilegiado de conspirações, bem levedadas durante alguns meses. Quando as tropas se encontravam no ponto doutrinário próprio, saíram para as ruas, dando infeliz razão ao pragmático que afirmou que a guerra era a continuação da política por outros meios. Não havendo uma área geográfica definida, os combates estenderam-se a quase todo o território. A maior perversão disto tudo é que, ao invés de surgirem os antigos países, a carnificina e confusão deu lugar a uma miríade de estados, comandados pelos caciques habituais que esperavam na sombra o momento letal para entrarem em cena.

Mas “como sempre”, as regiões do sul, foram relativamente poupadas ao desastre, melhor, receberam as consequências indirectas da implosão.

Tendencialmente receptores, não eram autónomos o suficiente para alimentar as suas populações, praticamente a nenhum nível, pois se desde há algum era mais barato comprar quase tudo ao Norte, porque haveriam eles de produzir? O lugar ao sol de Instâncias Balneares para as classes baixas e médias era até relativamente confortável...Porque haveriam eles de se preocuparem na subsistência, se esta era assegurada pelos irmãos mais ricos? O cenário de caos e de horror era de tal forma impossível que nem mesmo os mais esclarecidos visionários o concebiam.

No entanto, esse cenário impossível teve lugar.

De forma a garantir a segurança da população e, ante o colapso do Norte, os governadores do sul transformaram-se em governantes, resgataram velhos chavões como “em nome da segurança nacional”, e, de forma a evitar o envio de tropas para o grande caldeirão em que se transformou o centro governativo geral, decretaram a sucessão, ressuscitando antigos governos. Devido á sua rápida intervenção, os militares de diferentes nacionalidades estacionadas nos seus territórios foram detidos, e assim se evitou o previsível banho de sangue.

Foi a sua única medida eficaz.

Exasperadas pela falta de alimentação e energia, as populações sobrelevaram-se, assaltando armazéns de comida e pondo fim ao racionamento. Em resposta tentou-se controlar a nascente anarquia com a força dos quartéis. Era tarde demais. Aterrada com o espectro da fome, a multidão tornou-se definitivamente incontrolável. Alguns meses e milhares de mortos depois, essa mesma multidão endurecida por decénios de organização, impôs a sua ordem, resgatando ao passado os municípios, e constituindo aquilo que numa visão forçada se poderia assemelhar a pequenos estados feudais-democráticos, estabelecendo oportunas alianças entre eles, enquanto o famoso governo central se restringia á maior cidade e arredores e a tímidos contactos exploratórios entre os rebeldes, tentando convencê-los a reunirem-se a eles. Demasiado característico do meu povo, ninguém assumiu nenhuma posição definitiva, e as negociações prolongaram-se indefinidamente, entre as escaramuças, habituais períodos de paz-negociações e novamente escaramuças que com o avolumar do tempo se tornaram em autênticos banhos de sangue.

Àqueles que não queriam ou não tinham lugar nesta nova ordem, restou a desesperada opção de procurar sustento nos territórios do Norte, os mais ricos, onde notícias indicavam terem acabado os combates.

E foi assim que dei comigo e contigo a caminho da antiga França.

Partimos numa espécie de caravana, onde se acumulavam, entre outros, os novos apatriados, alguns desertores e habitantes das outras partes da união, decididos a regressar aos locais de origem; suficientemente grande para atemorizar os grupos de salteadores e as milícias mais radicais, o comboio permitiu-nos chegar ao nosso destino relativamente incólumes.

Pelo caminho, o cenário era quase invariavelmente o mesmo: imagens de solidão, de cidades vazias, ou em vias disso, dado que as habitadas estavam entrincheiradas em novas versões das cidadelas medievais, povoações destruídas, restos de eventuais massacres, e, sobretudo, gente, imensa gente a vaguear pelas estradas e auto-estradas (a denotar já sinais de rápida deterioração), vagueando sem rumo, pois, embora convidados a juntarem-se a nós, recusavam, afirmando ter para onde ir. Quando confrontados com a realidade de toda a península se encontrar no mesmo estado, eles hesitavam, mas continuavam a afirmar, pouco convictamente, terem outros (quaisquer...) destinos. Ainda ouvi alguém dizer ir para África, mas sabia tão bem como nós que as posições se tinham invertido, e eram agora estes países a fecharem orgulhosamente as fronteiras. Segundo se contava, só técnicos altamente qualificados e de áreas vitais eram aceites, mas esses também eram procurados pelos proto-governos, que, inclusivamente, se deram à maçada de conferirem as nossas identidades vezes sem conta, em busca das “inteligências”.

O que mais ficou na minha memória foram os rostos da gente anónima. Muito mais que perdidos, eles estavam órfãos, anarquicamente órfãos de uma nação. As imagens das guerras dos Balcãs chegavam então dolorosa e realisticamente. O inconcebível tinha acontecido! As razões que nos tinham levado a tornarmo-nos no país mais rico do planeta desapareceram, para dar lugar ao terrível nada. Até a ausência dos ruídos industriais, das filas de trânsito, da pressa de se chegar ao emprego, do “lufa-lufa” competitivo em que transformáramos as nossas vidas, do maldito stress tornavam o silêncio insustentável, e ele sim maldito.

Penso que qualquer palavra, qualquer tentativa de definir a angústia e sensação de perda perdiam significado no teu olhar. Mal falavas, praticamente deixaras de o fazer, mas cada vez que te observava o olhar sentia forças dúbias -Uma vontade de recomeçar tudo de novo, de arranjar um local onde pudéssemos parar e ereger, nem que fosse à nossa maneira um resquício do que já tivéramos; por outro faltavam-me motivos, animo, vontade de crer, de acreditar tudo ainda ser possível. Nos teus olhos havia um pedido mudo, um pedido para mim e só para mim, dado já não teres mais ninguém, (ou ser praticamente impossível encontrar meia-dúzia de pessoas entre milhões) pedias um motivo para acreditar, para continuar a acreditar, entre os milhares de rostos que tanto incómodo me causavam, entre os destroços das magnificas cidades e da sua tecnologia, agora reduzidos a grotescos e caricatos cenários de um mau filme apocalíptico, havia um mundo perdido, mas também a falta de coragem para o admitires, esperando que fosse eu a devolver-to. Na minha impotência sentia-me desesperado -Podia dar-te a possível protecção física, a minha parte na comida, os agasalhos mais quentes, mas não a crença, por já me ter esvaído totalmente dela! Apesar disso mentia-te, mentia-me, prometendo tempos novos quando chegássemos a Paris, um apartamentozito com vista para o Sena, e qualquer centro onde ambos ainda pudéssemos trabalhar nos avançados e caros computadores, que nos tinham consumido anos de aprendizagem. Bastava encontrar alguém a precisar dos nossos conhecimentos, qualquer tipo de entidade, pois qualquer resquício civilizacional há mais de cem anos que não funcionava sem computadores. Ainda por cima, tínhamos a especialidade de controlo de Satélites! O azar tinha sido o de não termos encontrado nenhuma cidade ainda suficientemente reconstruída para se aproveitar de nós, e o nosso saber não interessar aos senhores da guerra até ali encontrados.

Mas em Paris, em Paris certamente haveria esse tipo de estruturas, pois eles não se podiam dar ao luxo de não o ter! Paris sempre fora um centro, uma confluência, valioso e indispensável entroncamento, pelo qual tudo passava, o maior pote cultural da Europa, o centro das artes, do saber!

E de facto Paris reservava-nos algumas e estranhas surpresas: Para nosso grande espanto encontrámos tropas da ONU japonesas apoiadas por meios aéreos Americanos e tropas de elite russas. Estavam um pouco por toda a cidade, e foi com indisfarçável alívio e até orgulho que contemplámos o primeiro vestígio civilizacional desde há muito tempo. Mas era uma civilização em retirada...Algures no lado Este da cidade os combates tinham recomeçado, aumentando de intensidade todos os dias. Nem as bombas americanas nem a mediação dos capacetes azuis, nem a caça aos senhores da guerra pelas tropas dos Urais deu resultado. Ao fim de várias semanas e inúmeros mortos e, a pedido dos governos locais, as forças da paz retiraram em direcção à Finlândia, a sua base operacional, à espera das próximas eleições Norte-Americanas, altura da caça ao protagonismo e voto fácil, que uma paz inevitavelmente temporária dariam ao candidato à reeleição.

Mas a última notícia, a de que Berlim tinha sido imolada por armas atómicas francesas que tinham caído nas mãos de um senhor da guerra ainda mais louco do que o habitual, fora o fim de tudo, do resto das nossas ilusões.

E o que mais me impressionou em Paris foi a sua beleza trágica, a transcender a enorme destruição. Já a tinha visitado antes, e por isso podia averiguar quão estava mudada...Mas Paris é como aquelas mulheres que, apesar da idade ou de qualquer fatalidade a alterar o seu aspecto, se mantêm irresistivelmente belas, com o charme e carisma das obras de arte, estáticas ou vivas. Esta frase transparecia soberbamente na imagem da Torre Eiffel destruída, partida, dobrada sobre si mesma, sem o esplendor antigo, mas terrivelmente sedutora na tragédia, ferida de morte, mas digna e soberba na agonia.

Mas a beleza trágica era insuficiente para nos fixar ali. Por esta altura estávamos já demasiado saturados da porcaria da destruição, da cíclica destruição.

Corriam boatos de em Inglaterra estar a última central de satélites operacional do velho continente. Era este o motivo, era esta a crença que te podia dar, e por isso não podia deixar de tentar lá chegar, agora a sós pois o grupo fora-se dispersando ao longo do périplo.

Após semanas de cauteloso percurso, onde nos desviámos vezes sem conta das inúmeras patrulhas, dormindo debaixo de pontes, em casas destruídas ou em qualquer outro lugar a primar pela sua descrição chegámos à entrada do Túnel da Mancha. Ainda olhámos a costa, à procura de alguma embarcação, mas a zona encontrava-se vazia de pessoas e veículos. A sensação era surrealista, surrealismo já tornado habitual. Infelizmente trivial, a sensação de estarmos em espaços até há pouco preenchidos de gente, agora absurdamente vazios. O denso e típico nevoeiro só parecia sublimar essa ausência. Terá sido porventura esse o momento em que me senti mais só, apesar da tua companhia.

O único som, além do mar do vento e das gaivotas, era o de canhões distantes, que tanto parecia vir detrás de nós como da nova titubeante terra prometida. Ouve-se por detrás dos murmúrios da natureza, mas a cadência, e a ideia dos estragos causados torna-o infinitas vezes mais intenso. Canhões tornados fantasmáticos pelo cinza dominador, sons a recordar a última vez em que por aqueles lados se guerreou, naquele que terá sido o derradeiro conflito minimamente ideológico da história recente. Mas nem esse, apesar da sua lendária violência conseguiu o que este fez, destruir a estrutura civilizacional do continente, dividi-lo em inúmeras partes, e fazer muita gente o comparar neste fim de século com os obscuros tempos medievais, que estiveram, precisamente na origem dos seus tempos mais gloriosos. Francamente, duvido das reconstruções anteriores, que se seguiram a outros conflitos, porque este foi o mais intenso de todos, o mais destruidor, não só a nível físico, mas também político. A confiança perdeu-se, por isso acho a reconstrução uma anedota. Logicamente que o grande irmão americano o tentará fazer, mas ante o cenário actual, ao invés de reconstruir o continente inteiro, escolherá meia-dúzia de territórios ricos, conservará as fronteiras artificialmente, e manterá contactos com os estados mais pequenos de forma a preservar o seu estatuto de maior potência, altruísta o suficiente para quebrar o cómodo isolamento, e a salvar a face de, nos momentos mais difíceis se ter limitado a mandar os bombardeiros inter-continentais poupar o caro sangue dos “boys”. O novo mundo será pois moldado à semelhança da agora única grande cultura dominante, apesar da presença sempre incomoda de uma Rússia, demasiado ocupada contudo com os seus próprios problemas do que em intervir de forma consistente em solo alheio…

Apesar da zona circundante ao túnel estar reduzida a escombros, a entrada deste ainda estava relativamente intacta, pelo que ainda era possível entrar no longo buraco. Munidos de tochas, algumas lanternas (recolhidas pelo caminho nos restos das aldeias ou instalações fabris abandonadas) e uma enorme dose de desespero e loucura, entrámos. Lentamente percorremos a linha, cruzando-nos episodicamente com restos de carruagens semi-destroçadas, enterradas nos restos de algumas paredes, a denotar que os combates também por ali andaram.

Na porcaria das guerras, as explicações para os maiores mistérios chegam sempre da forma mais previsivelmente estúpida, parecendo que nós a já adivinhávamos no início, mas que o nosso desespero toldava a lógica do raciocínio. Foi isso que nos espantamos quando vimos a saída previsivelmente barrada por toneladas de inamovível pedra, entulho, ou lá o raio que fosse.

Voltámos naturalmente para trás, e tu deixas-te quase definitivamente de falar. Talvez por isso não perdi o animo e prosseguimos ainda mais para Norte, onde os cenários se repetiam interminavelmente, onde a fome já se tornara endémica, a tal ponto que só nos raros grandes centros muralhados, as tais citadelas, a vida era possível, apesar de ainda conseguirmos encontrar alguns pequenos agricultores que faziam o milagre de conseguir plantar alguma coisa em solos esgotados e sem o auxílio de químicos.

Continuámos, continuamos, sem parar, cada vez mais parecidos, mais iguais com os rostos que tanto me marcaram no início da diáspora.

Mas afinal, nem eu nem tu vivemos neste futuro caótico. Vivo em 2009, nos primeiros anos deste milénio, ou no principio do novo, depende quando este conto for, se for..., publicado. A única guerra que conheço foi a nossa, a Europa caminha para um futuro que espero seguro, bem longe daquilo que me fez pô-la em escombros, por uma qualquer imaginação morbido-trágica de forma a preencher a nossa ausência, as nossas Ruínas.

Ideia original de 1999, alterado e finalizado em Setembro de 2009

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 07/09/2009
Reeditado em 07/09/2009
Código do texto: T1797369
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.