Longe

Era como flutuar acima da cidade, à deriva no céu estrelado que se via pela janela do sexto andar cercado de prédios de janelas acesas em meio ao negro da escuridão.

Havia uma agradável sensação de estranhamento que se respira num lugar estranho, junto ao aconchegante charme que emana de toda sala pequena modestamente decorada e com algumas pinceladas de desarrumação.

O desconhecido descoberto a cada segundo prolongava a noite na qual não queríamos dormir, para poder viver o sonho e não apenas sonhá-lo.

O nada para fazer transformava a companhia numa felicidade plena que tornava insignificante qualquer outro desejo sobrevivente ao tempo.

O silêncio era água pura onde nossas vozes sussurradas fluíam, envolvendo nossas almas submersas numa atmosfera serena junto a partículas de sons noturnos diluídos.

Cada palavra ou movimento ou suas ausências eram uma viagem em nós mesmos na qual o tempo parava e o mundo com a noite e os prédios acabava desaparecendo, deixando restar apenas o espaço compartilhado através da cumplicidade do olhar ou do tato.

Qualquer arrepio que se sentisse feito um relâmpago atravessando a pele de um ponto a outro não seria de frio.

Quanto mais o tempo me leva para longe dos dias, mais minha memória se cobre de imaginação que se prolifera sobre cada lembrança, como um fungo que cresce num tronco úmido de uma árvore.

O que me resta em meus pensamentos são momentos perdidos de minha mente que gira em círculos intercalados sem chegar a lugar nenhum.

Convivo com a incógnita do passado e do futuro enquanto meu consciente atravessa o presente, porque agora apenas meu inconsciente continua guardando a verdade mantida em segredo de mim mesmo, para que numa outra noite qualquer me revele a lembrança pura e real durante o sono e me faça acordar confuso numa manhã entediada.

Gustavo Carnelós
Enviado por Gustavo Carnelós em 04/09/2009
Reeditado em 04/01/2010
Código do texto: T1792906
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