Hábito
Inês foi criada para ser uma santa. Caçula, antes dela nasceram seis irmãos. Era o xodó da família e todos cuidavam dela com o mais fino zelo. A mãe e as tias desejavam que ela fosse uma virtuose das artes e desde cedo lhe ensinaram a música, o bordado, a costura, o tricot, o crochet, o frivoleté, a culinária e a religião. Queriam para ela um casamento digno de contos de fadas, com príncipe encantado, carruagens, casamento que toda moça de família precisava ter.
Já seu Genaro, o pai, e os seis irmãos, acostumados a domar cavalos xucros e bois brabos, de suas fazendas, não queriam nem pensar em tal idéia.
- “Filha minha é que não entrego na mão de nenhum sem-vergonha, borra-botas” - esbravejava seu Genaro em coro uníssono dos filhos.
- “Prefiro que Inês seja freira, que morra pura”, continuava ele.
Mas Inês foi crescendo e quando estava perto de completar quinze anos, na quermesse em homenagem à santa, da qual carregava o nome, conheceu Toninho, filho de um pequeno sitiante, que acabara de se mudar para as redondezas, moço bonito, que num soslaio, conquistou o coração da menina. Sua mãe, acostumada com os permeios do coração, percebeu logo o desenrolar da trama e depois de muitos rodeios foi conversar com o pai.
- “Genaro - disse ela – Você conhece o Toninho, filho de seu Antônio, lá do sítio São Francisco? Menino religioso, coroinha, que todos os domingos está na missa?”.
O velho Genaro, desconfiado que só ele, nem perdeu tempo.
- “Esse desavergonhado, corto ele de relho”.
- “Calma marido – continuou a mulher – Vamos fazer um bom casamento antes que aconteça uma tragédia”.
- “Tragédia uma ova, amanhã essa menina estará no convento”.
Dito e feito. Sob as lágrimas da mãe e das tias, aprontaram-se as malas e mandaram Inês para o convento.
Toninho, que também caíra de amor pela menina, não se conteve. Chorou um mês e depois disso, tomou a decisão:
- “Vou ser padre”, declarou ao pai.
Fadados ao celibato, Inês na clausura do convento e Toninho trancado no Seminário, nunca mais se viram.
Alguns anos depois, por ocasião dos festejos de junho, quando trabalhavam para sua organização, o inevitável aconteceu.
Os mesmos olhares da festa de Santa Inês, de alguns anos atrás, voltavam a se encontrar nas homenagens a Santo Antônio.
O frio na espinha fez Inês congelar, mas seu coração, por dentro derretia-se de felicidade e ela podia ouvir o badalar dos sinos e o cântico dos anjos.
Com o noviço Antônio deu-se o mesmo e como se fossem atraídos por algo superior, aproximaram-se, deram-se as mãos, e com os olhos fixos na sua amada e a voz embargada, Toninho falou:
- “O destino nos separou, mas Deus vai nos unir”.
Dito isso, sem soltar a mão de Inês, e sem deixar de olhar para ela, foi conduzindo-a, como se andassem em nuvens, sem saber ao certo pra onde. Quando perceberam estavam no quarto de Inês, tão perto, um do outro que seus lábios quase se tocavam, a respiração ofegante, os corpos quentes se encostavam e seus hábitos se roçavam numa dança celestial.
Três dias depois, foram encontrados, ajoelhados no altar que havia no cômodo, de mãos entrelaçadas, um terço entre elas, frios, gélidos. Mortos.