SONHAR É AMAR?
( CANTO PRIMEIRO – O LIRICO )
Quero sentir teu corpo quente a tocar minhas lágrimas quentes. Quero sentir derrete-las em teu afago. Quero sentir o desafio das ondas a entrar por meu corpo cheio de torpor. Estas lágrimas são de sangue, rio vermelho a inundar minha face. Sou marinheiro nesse mar de ondas a sacudir meu peito insano e minha cabeça lúcida. Antes me dessem um corpo são e cabeça insana. Mas não! Sou médico a mergulhar minhas mãos em buscas das feridas que doem, das feridas passadas, das presentes e futuras.
Quero sentir teu corpo como sente o beija-flor o seu néctar: tilintar de asas ansiosas a manter-me no ar prá alimentar-me do néctar amor que goteja de seus lábios.
Esse mesmo beija-flor que poliniza, sou.
Então, quando nossos corpos exaurirem, nem mais procurarei a sombra do desejo. Vou rir e chorar.
Mas lágrimas de alegria porque sou de corpo e alma e estou de corpo e alma. Quero descansar com a paz de nossos espíritos. Corpos jogados como a ânsia que soube esperar. Se derreti emoções, se as fiz sucumbir diante de minha vida incerta e certa, que importa?
( CANTO SEGUNDO – NAUFRAGIO )
Embarquei com destino ao tempo, o amor, seria conseqüência inevitável de meu destino forjado do âmago de meu livre arbítrio. Nesse barco carregava minhas ilusões, minha paixão, meus sonhos, talvez juvenis, mas pensar no porto seguro que esperava minha embarcação era suficiente pra sentir o gosto profundo e delicioso do vento em meu rosto. Pelos cabelos esse vento eram apenas cabelos esvoaçantes. No rosto era o vigor de enfrentar uma aventura. E naveguei horas e horas, dias e dias, noites insones e tranqüilas, certo do porvir.
Meu barco aportou. Desci com minha mochila leve, desprovidas completamente do peso de meu passado. Era um garoto (garotos tem menos bagagens a carregar) deslumbrado com a possibilidade da aventura.
Gozei dos prazeres mínimos e máximos da vida. Um simples aparar de copo sem deixar quebrá-lo me fazia rir pelo estabanado da atitude e por meus reflexos tão vigilantes.
Um dia, porém, distraído no barco, uma tempestade avassaladora fez meu barco naufragar. Naufraguei com ele.
( CANTO TERCEIRO – A REDENÇÃO )
Com muito custo, um anjo, num passe de mágica, devolveu-me a vida. E com ela só restou-me meus sonhos.
Perdera minha mochila, tudo que tinha de material perdi. Foram pro fundo do mar como vão nossas ilusões e, principalmente, nossas decepções. E se as decepções não sucumbirem, não morrerem no fundo e profundo mar, apenas serão sempre espumas de onda que se esvanecem ao sabor da vida maré. Indagado sobre isso respondi que qualquer pessoa que resista a deixar suas amarguras no fundo do mar renunciam à felicidade. Portanto, insanos, estariam a mercê de psico--analistas ou de alguém que viessem a consola-las. Mas jamais lhe devolveriam o prazer pela vida. Sou Zorba, O Grego, nessa hora.
( CANTO QUARTO – DA REDENÇÃO À DEVOLUÇÃO DO PRAZER )
Com os diabos! Todo mundo me vêm com imensas mensagens de amor. Com os diabos! Não quero falar de amor. Quero senti-lo. Quero sentir-me amando e sentir-me amado. Basta. Não quero palavras gratuitas, cheias de amarguras que não redimem.Só admito aqueles que redimem. Mas como posso ser tão impiedoso se cada um tem seu tempo de calar a dor?
Minha embarcação levara tudo de material. Estava nu. Mas nu eu estava perante minha perplexidade. Meus sonhos acalentavam meu coração inquieto, e bramia por sonhar e realizar, realizar e sonhar. Como então, sonhar, se tenho pesadelos dentro de mim? Se sonhar não é amar não amamos. Portanto, bolas, pro sofrimento, pras amarguras, decepções, dores. Que se contentem apenas em ser espumas de um oceano.
E ansioso já, disponível para sonhar e amar, amar e sonhar, lancei-me de peito aberto em busca de novos sonhos, pois sonhos, me lembrei, é amor. Minha nudez já não me castigava.
Pescador solitário, agora, jogava minha linhada das pedras que protegem o solo das pancadas de água. Faminto de encontrar novo sonho.
Num belo dia um peixe dourado que luzia prateado, sim prateado, apesar de dourado, fisgou meu anzol.
Não me precipitei. Eu ou ele nos havíamos fisgado. Quem fisgou quem? Em sonhos tudo é possível. Pois esse peixe se debateu tanto prá sair fora da água imaginando sua morte súbita que eu por muitas vezes cheguei a crer que não o tiraria da água. Paciente, como se faz mister a todo pescador, esperei o momento prá retirá-lo da água.
( ULTIMO CANTO – MEUS SONHOS )
Peixe fisgado, pescador fisgado, corri até um tanque de água e mergulhei o peixe ali. Mais tarde, construí um tanque da água exigida por aquela espécie. Estudei tudo que podia prá saber o que de melhor poderia oferecer a ele. E todo dia conversava com ele e parece que ele sabia o que significava prá mim.
Peguei então meu prato de arroz com ovo e o degustei como aquele beija-flor degustava o seu néctar. Minhas asas já não batiam mais freneticamene.