Paixão adolescente
Ah... eu vou ficar espiando pela fresta da porta tudo o que acontece naquele quarto. Ficarei quietinho, ouvindo e rindo baixinho, bem baixinho, sem me revelar.
Porque você está lá dentro. Põe roupa, tira roupa, coloca pó, passa batom, nem sei mais o que... E eu quero espiar você, ver-lhe sem que possa me ver.
Talvez eu quisesse ser você por alguns minutos... ou horas. Senão ser você o tempo todo e sem demora. Você tem sal, todo o sal que eu preciso para apimentar minha vida.
Olho para o seu espelho e refletida nele vejo a sua imagem, sorrindo esbaforida, como se tivesse sido pega no flagra, fazendo algo incorreto. Imagina... você fazendo algo errado? - até parece.
Você é toda certa na inexatidão dos seus atos, e não há quem não fique a contemplar sua beleza noturna, nos bailes, nas festas. Sempre você. Você. Você!
Por isso vou ficar espiando e tentando achar os seus defeitos, seu calcanhar de Aquiles. Mas você é Afrodite, e eu fico a me torturar como Prometeu na montanha.
Você sorri e fuma o seu cigarro de canela. Acho isso chique, embora deteste fumar. Mas em você até o equívoco tem beleza.
Fico encolhido entre a sombra da porta e a luz que chega pela janela. Daí você se levanta. Quando percebo, você está tirando a sua roupa. Encolho-me. Você faz graça consigo mesma e experimenta um vestido. Transpiro. Você se trocando. O suor frio descendo pelo meu rosto. Enfim, você está pronta. E eu quase morri. Amarra um laço na cintura. Põe uma flor no chapéu e sai do quarto.
Passa por mim e não me vê. Alívio. Apaga a luz, fecha a janela. De repente olha para o canto onde estou e com uma cara safada abre novamente a janela, deixando-a entreaberta. Só para não ficar escuro. Fico estático.
Sai elegantemente do quarto do hotel e vai embora. A mim, só me resta esperar. Só mais uns minutos e levantar-me. Mesmo que meio sem forças. Mesmo que sem destino, mas com um sorriso de orelha a orelha.
Fecho a janela. Sinto o cheiro do seu perfume de violeta. Acho bom. Saio do quarto. Desço as escadas com a cara mais patética do mundo. E nem ao menos sei para onde ir agora. Talvez eu fique andando por aí, pelas ruas do bairro olhando o céu... talvez eu...
Só sei que tenho um segredo só meu. Talvez eu guarde, senão...
A turma toda está lá fora na rua jogando uma pelada. Meu pai faz uns reparos na entrada do prédio, enquanto minha mãe orienta os empregados. Pelo rádio chegam as últimas notícias sobre a guerra na Europa. Meu irmão está lá. O mundo está um alvoroço.
Dentro de mim acontece um terremoto. Estou tremendo sem parar. Descobri o paraíso por um breve instante, pequeno, mas inesquecível. Estou mudado. Não sei o que se passa ao certo, mas é algo bom.
Tento desviar meus pensamentos, mas minha mente gravou aquela cena que nunca mais vou me esquecer: eu sei que ela sabia que eu estava lá. Tenho certeza que sabia...
E o meu coração se inflama de uma alegria juvenil.
Publicado no livro Para Sempre, de Márcio Martelli,
Editora In House (2006)
Ah... eu vou ficar espiando pela fresta da porta tudo o que acontece naquele quarto. Ficarei quietinho, ouvindo e rindo baixinho, bem baixinho, sem me revelar.
Porque você está lá dentro. Põe roupa, tira roupa, coloca pó, passa batom, nem sei mais o que... E eu quero espiar você, ver-lhe sem que possa me ver.
Talvez eu quisesse ser você por alguns minutos... ou horas. Senão ser você o tempo todo e sem demora. Você tem sal, todo o sal que eu preciso para apimentar minha vida.
Olho para o seu espelho e refletida nele vejo a sua imagem, sorrindo esbaforida, como se tivesse sido pega no flagra, fazendo algo incorreto. Imagina... você fazendo algo errado? - até parece.
Você é toda certa na inexatidão dos seus atos, e não há quem não fique a contemplar sua beleza noturna, nos bailes, nas festas. Sempre você. Você. Você!
Por isso vou ficar espiando e tentando achar os seus defeitos, seu calcanhar de Aquiles. Mas você é Afrodite, e eu fico a me torturar como Prometeu na montanha.
Você sorri e fuma o seu cigarro de canela. Acho isso chique, embora deteste fumar. Mas em você até o equívoco tem beleza.
Fico encolhido entre a sombra da porta e a luz que chega pela janela. Daí você se levanta. Quando percebo, você está tirando a sua roupa. Encolho-me. Você faz graça consigo mesma e experimenta um vestido. Transpiro. Você se trocando. O suor frio descendo pelo meu rosto. Enfim, você está pronta. E eu quase morri. Amarra um laço na cintura. Põe uma flor no chapéu e sai do quarto.
Passa por mim e não me vê. Alívio. Apaga a luz, fecha a janela. De repente olha para o canto onde estou e com uma cara safada abre novamente a janela, deixando-a entreaberta. Só para não ficar escuro. Fico estático.
Sai elegantemente do quarto do hotel e vai embora. A mim, só me resta esperar. Só mais uns minutos e levantar-me. Mesmo que meio sem forças. Mesmo que sem destino, mas com um sorriso de orelha a orelha.
Fecho a janela. Sinto o cheiro do seu perfume de violeta. Acho bom. Saio do quarto. Desço as escadas com a cara mais patética do mundo. E nem ao menos sei para onde ir agora. Talvez eu fique andando por aí, pelas ruas do bairro olhando o céu... talvez eu...
Só sei que tenho um segredo só meu. Talvez eu guarde, senão...
A turma toda está lá fora na rua jogando uma pelada. Meu pai faz uns reparos na entrada do prédio, enquanto minha mãe orienta os empregados. Pelo rádio chegam as últimas notícias sobre a guerra na Europa. Meu irmão está lá. O mundo está um alvoroço.
Dentro de mim acontece um terremoto. Estou tremendo sem parar. Descobri o paraíso por um breve instante, pequeno, mas inesquecível. Estou mudado. Não sei o que se passa ao certo, mas é algo bom.
Tento desviar meus pensamentos, mas minha mente gravou aquela cena que nunca mais vou me esquecer: eu sei que ela sabia que eu estava lá. Tenho certeza que sabia...
E o meu coração se inflama de uma alegria juvenil.
Publicado no livro Para Sempre, de Márcio Martelli,
Editora In House (2006)