A Vida Sexual das Bibliotecarias

Estava lendo quase um livro por semana, lia três ou quatro horas por dia. Quando fui morar sozinho tinha muito tempo livre. Não tinha nem televisão no meu apertamento, por que só assim para descreve-lo, quarto e cozinha juntos e um banheiro. Só me restava ler, amigos praticamente eu não tinha, estava numa fase de separação de crescimento individual. Sabe, pensar na vida, enfim. Também não tinha emprego e minha renda era o pouco dinheiro que conseguia com minha mãe, mas conseguia escondido pois sai de casa por que tive uma briga com meu pai. Não vou entrar em detalhes sobre isso, mas foi bem feio. Morava num bairro chamado Bom Fim, perfeito nome para minha situação, pois que tinha chegado ao fim de uma parte da minha vida. Se seria bom este fim ou não era outra historia. Comprava todas semanas aqueles pockets book li quase toda obra de Shakespeare, Bukowski, Raymond Chandler, boa parte dos contos do Dashiell Hammett, Kerouac. Estes livrinhos são ótimos e a um preço bem razoável estava meio entediado com isso. Bebia bastante para passar o tempo e às vezes escrevia uns poeminhas bem espertos, que obvio não mostrava para ninguém. Mas meu pouco dinheiro me proibiu de comprar mais livros o que deixava só a bebida a disposição. Eu era um apaixonado por literatura e ficava frustrado por não haver bibliotecas ali perto em que pudesse fazer ficha para locar livros. Ficava bebendo e jogando paciência . Depois de umas semanas desta rotina bem entediante comecei a passear por meu novo bairro, tinha o parque da redenção, que no final de semana tinha o brique onde vendiam de tudo um pouco. Muitas vezes sentava no parque para ler e comer bergamotas nos dias de sol neste inverno rigoroso do Rio Grande do Sul e ficava olhando as pessoas caminharem, passearem com os filhos nos finais de semana, famílias, roqueiros, nerds, senhoras, senhores. Via de tudo no parque. Um dia sentado no meu banco favorito vi uma cena um tanto inusitada, uma mocinha de mais ou menos vinte e poucos anos estava passeando no parque quando de repente foi abordada por uma meliante que queria levar sua bolsa. Corri e intervi da situação, não que fizesse tipo de super herói e muito menos do tipo fortão, mas acho que se deve ajudar nisso, mesmo sendo meio perigoso. Quando cheguei mais perto o assaltante saiu correndo e a moça estava chorando. Fiquei meio contrangido com tudo aquilo, não sou acostumando a ver os outros chorarem. Sentamos num banco da praça até ela se acalmar. Ofereci um copo de água de um vendedor que passava por perto. Ela aceitou, bebeu água e parecia mais calma. Quando ela disse que queria ir para casa, me ofereci para ficar com ela na parada de ônibus ou chamar um táxi, mas ela disse que morava ali pertinho. A poucas quadras e se eu não me incomodava de acompanhar ela ate seu apartamento. Claro que não, disse. E pusemos-nos a caminhar, conversamos sobre esta situação horrível que acontece hoje em dia no Brasil, que ninguém mais tem segurança nem para caminhar na rua em paz e particularmente para as mulheres. Papo vai papo vem chegamos na porta do prédio em que ela morava, quando me dei conta que nem tinha perguntado como ela se chamava, ainda estava meio nervoso com toda a situação do assalto e tal. Me chamo Clara, disse ela e você? Me chamo Paulo, respondi. Você foi mesmo um herói hoje, disse ela. Eu sorri desconcertado. Obrigado por tudo, disse ela. Apertei sua mão e quando me virei para ir embora ela perguntou, você esta sempre por ali na redenção, não é mesmo? Fiz cara de espanto e assenti, eu vejo você sempre lá, sentado no banco sozinho lendo. Puxa, que bacana, eu disse. Gostaria de manter contato com você, e passei meu telefone para Clara. Paulo, não é mesmo? Perguntou. Sim, e novamente apertei sua mão e fui embora. Voltei para meu apartamento que ficava na Fernandes Vieira, e notei que estava com fome. Preparei um belo molho de tomate, piquei cebola, alho, um bacon e uma calabresa e fiz uma massa. Depois de comer preparei um drinque reforçado para mim e bebi por umas horas pensando se era um super herói ou um imbecil de me meter no meio de um assalto. Podia ter morrido, levado uma facada ou sei lá. Por volta de oito e meia da noite meu telefone toca, era Clara. Disse que não conseguia esquecer aquela cena horrível do fim da tarde, que eu era um grande herói. Conversamos por alguns momentos sobre aquilo que houve, mas ela estava realmente só impressionada com tudo que tinha acontecido. Desligamos e telefone e preparei mais um drinque reforçado, de novo. E estava feliz pois pelo visto havia feito uma amizade, e quem sabe...não é mesmo? Fui dormir pensando na Clara, Clarinha, a indefesa mocinha e eu o herói garanhão que havia a salvo do grande vilão. Dormi e sonhei com São Jorge. Passaram alguns dias e nada de Clara ligar novamente. Não queria eu ligar para ela, apesar de tudo era orgulhoso, e comecei a me revoltar EU o grande super herói e esta ingrata Clara não me liga. Quem ela pensa que é? Da próxima vez que algum assaltante quiser levar suas coisas, pois que leve. Depois de uns dias mais fui ate o supermercado Zaffari ali perto e encontrei ela na sessão de comidas congeladas. Ela soltou quase um grito de alegria ao me ver, mas me fiz de injuriado, fiquei na minha. Obvio, só podia estragar tudo como havia estragado numa discussão idiota com meu pai que resultou na minha expulsão de casa. Ela pegou uma caixa de empanados e eu uma lasanha congelada. Fizemos as compras e entramos na fila do caixa. Trocamos um papo furado e na saída do super ela perguntou, não quer juntar esta sua lasanha com meus empanadinhos de frango? Aceitei meio contra gosto, por que estava muito sozinho naqueles dias e provavelmente aquela víbora ia me usar novamente para depois não querer saber de mim até me ver ao acaso na rua novamente. Fomos ate o apartamento dela e pusemos a lasanha no forno enquanto ela fritava os empanados. Ela abriu um vinho, e fomos bebendo. Conversamos sobre política, como o senado era corrupto e descobrimos que ambos votamos em branco nas últimas três eleições. Ela era colorada e eu gremista, discutimos sobre futebol, ela ironizou que o grêmio não era campeão do mundo fifa. Quando assou a lasanha já tínhamos comido aqueles empanados de frango que não servem para nada a não ser abrir o apetite. Clara me disse que não conseguia esquecer aquele encontro que a salvei, que ela era muito só, e eu me perguntei se era assim por que não havia me ligado mais, fiquei meio de cara com isso. Fiquei mais irritado ainda quando ela saiu da cozinha onde estávamos sentados bebendo nosso vinho e comendo para ir na sala fazer uma ligação. Um minuto depois ela volta e diz, esqueci que cortaram o telefone a dez dias, vivo com a cabeça no mundo da lua, aí dei um sorriso pois faziam quinze dias que nos conhecemos agora estava explicado e nem dei meu endereço a ela nem nada. Acabamos o vinho e eu dei um beijinho na sua boca, ela retribuiu com um belo e molhado beijo. Começamos a nos abraçar, e beijar com mais e mais intensidade. Acabamos indo para cama, onde selamos nosso encontro em grande estilo. Depois deitamos e fomos dormir, no dia seguinte acordei mais cedo e preparei uma belo café da manhã para ela na cama. Com o máximo dos alimentos que achei disponíveis numa casa que ainda era estranha para mim, o ovo frito foi sem sal, a torrada sem margarina e o café ficou bom, que passei na hora deixando o apartamento com aquele cheirinho de café passado. Acordei ela com um beijinho na boca e trouxe o café numa bandeja. Ela agradeceu muito e ficou muito feliz, disse que havia encontrado uns canalhas antes que eu parecia um cara muito bacana. E perguntei o que ela fazia e ela disse “sou bibliotecária”. Me apaixonei na hora.

Marcelo Riboni

18:16hrs

12/08/2009