INCÔMODA INDIFERENÇA

Era uma manhã de sábado singularmente especial para Alberto. Ele acordou cedo, tomou café e saiu dirigindo seu carro sem um destino certo. Queria dar uma volta. Estava livre! Sentia-se livre! Desde o dia anterior, estava oficialmente divorciado. Não tinha ressentimentos da ex-esposa. Na verdade, não tinha nenhum tipo de sentimento importante por ela. Indiferença? Talvez não também. Indiferença geralmente a gente sente por alguém que já foi importante. Era como se Luíza jamais tivesse existido. Não restou amizade, ódio, amor, respeito, simplesmente porque nada ficou, convencia-se ele.

Alberto estava de bermuda, camiseta, tênis...à vontade. Ouvia Lulu Santos. Tudo refletia o seu estado de espírito. 'Hoje eu escreveria de um só fôlego!', pensava ele enquanto dirigia. Alberto é jornalista e também tem uma veia literária. É apaixonado por dizer coisas que geralmente não se consegue ou pensa-se que não se consegue traduzir em palavras. De repente, no seu trajeto, um cenário familiar chama a sua atenção: um monte de carros parados em frente a uma igreja. Um monte de gente já do lado de fora. 'A cerimônia deve estar acabando!', concluiu.

Alberto parou o carro. Pegou o bloquinho de papel, caneta, saiu do carro e sentou-se em um banco em frente à igreja. Estava tomado pelo impulso da inspiração e, muito provavelmente, também pelo inconsciente estado de espírito de quem tem uma ojeriza ao casamento. Observava os noivos lá dentro, recebendo os cumprimentos e se preparando para sair em meio à tradicional e simbólica chuva de arroz. Antes disso, já estava a escrever:

"Olharam-se e o interesse despertou.

Conversaram e o interesse aumentou.

Não demoraram a namorar.

Brigavam e faziam as pazes.

Queriam mais, e noivaram.

Queriam mais ainda, e casaram.

No altar, na hora do sim, acharam que era para sempre.

Na vida a dois, foram felizes no três primeiros anos.

Dali em diante, apareceram percalços, discordâncias, desconfianças.

Brigavam muito.

Ele chegava tarde. Dizia que os amigos o prendiam no bar.

Ela recebia telefonemas. Dizia que eram as amigas.

Tiveram uma conversa séria depois de uma série de conversas.

Decidiram a separação.

Ele saiu. Foi para a casa da mãe.

Ela ficou e guardou os porta-retratos na gaveta.

Chegou o dia da audiência.

Assinaram o divórcio.

A rotina virou saudade."