Um suspiro de amor
Conhecemo-nos no Recanto das Letras, onde eu costumava colocar meus escritos. Li os primeiros textos que Maria Clara deixou nesse lugar e que me impressionaram muitíssimo, apesar de relativamente toscos e ainda não revisados. Fiz uns comentários breves em cada, um dos dois, e ainda enviei mensagem de congratulação e incentivo pelo que lera.
Logo recebi resposta, pelo correio eletrônico, da moça cujos escritos haviam me impressionado. Respondeu entusiasmada, logo de início parecíamos ter uma grande empatia, o que me permitiu prosseguir com mensagens extremamente francas. Desde o princípio minha relação com ela já revelava uma intimidade que me costuma ser rara.
Nossa correspondência foi ganhando corpo, aumentando o volume e o conteúdo. Não sei em que momento me vi envolvido com Maria Clara, sei que isso não demorou a acontecer pois tudo conosco foi muito rápido, mas para mim não foi tão célere: meus primeiros contatos com ela se fundavam sobretudo na minha empolgação com seus escritos, não foi imediata a minha cobiça pela menina, pela mulher, e, do meu ponto de vista, essa transição de interesse foi relativamente demorada, durando mais de uma dezena de mensagens, o que ocorreu em poucos dias.
Então passei a ver a moça com outros olhos, não era apenas a escritora de futuro, tinha algo mais, muito mais.
Logo no primeiro feriado ela veio me encontrar; sorte morar em cidade turística. Combinamos nosso contato inicial na praia. Há normalmente uma apreensão antes do primeiro encontro, no entanto, fomos nos conhecer pessoalmente como se já desfrutássemos de uma longa intimidade, o que era real, ainda que tivéssemos estado sempre distantes um do outro.
Quando a vi caminhando elegantemente para mim não tive dúvidas de que era ela. Bem alta, magra, com andar confiante e sorriso amplo me enfeitiçou por completo ao chegar. Posso relembrar a magia ocorrida durante sua aproximação, quando todo o céu e toda a praia se iluminaram intensamente ante a chegada da moça esbelta que pareceu se coroar com as nuvens coloridas e iluminadas por sua presença.
Ao se aproximar seus olhos radiantes capturaram os meus, se apoderaram deles de uma maneira que me impedia de mirar qualquer outra coisa. Também meus pés e pernas foram envolvidos pela mesma força, e se dirigiram a ela alheios a qualquer outro comando que eu nunca daria, por já me sentir completamente imerso na aura de Maria Clara, em sua vibração, seu perfume.
Com o meu próprio eu dissolvido em uma felicidade estonteante caminhei em direção à moça que se aproximava sorridente, e sem desgrudar nossos olhos ávidos beijamo-nos no rosto, e o fizemos uma segunda vez ao som percussivo de corações vibrantes e ao ritmo descompassado de respirações já plenamente alteradas que impediam que nos afastássemos um do outro e que, mais que isso, compeliram nossas bocas a se tocar mesmo antes que palavra houvesse sido trocada.
Beijei Maria Clara intensamente, ou talvez nem fosse eu; talvez eu mesmo já não existisse naquele momento, dissolvido em magia, diluído na mística, na aura da moça a me envolver completamente. Seja como for, minha sensação era a de que o próprio mundo se diluía. Para mim, era a imensidão ao redor que deixava de existir permanecendo apenas Maria Clara envolta em um halo brilhante composto talvez pela totalidade a que eu também queria pertencer.
Trocamos poucas palavras e muitos risos, nos beijamos e nos acariciamos , mas suavemente.
Tenho que deixar claro que por um certo tempo, ao mesmo tempo longo e breve, não houve tempo, e que reconheço os paradoxos nisso expostos.
* * *
Fico a lembrar da antiga canção francesa: eu vou e venho como a onda indecisa...
O eterno ir e vir das vagas, as ondas permeando todo o universo. Foram poucos os dias em que Maria Clara ficou na cidade, em que ficamos juntos, mas foram muitos os beijos e irrisória a distância em que nos mantivemos enquanto ela esteve aqui. Mas ela voltou para casa deixando o desejo enorme de tornar a encontrá-la. Devo ter transbordado enquanto estávamos juntos, misturando partes minhas às dela, que ela levou junto com seu corpo, de modo que já não me sinto inteiro; tenho que me unir a ela novamente e o fazer com urgência.