E uma surpresa.

Ela havia chegado tarde aquela noite, devia ter tido um dia cheio.

Na verdade o dia nem devia ter sido tão aterefado assim.

Mas é que quando a gente tem algo martelando no coração, tudo parece mais pesado. Mais demorado.

Estacionou no mesmo lugar de sempre, na verdade ela sequer notou a vaga de garagem ao lado também ocupada.

Pegou o notebook no banco de trás e saiu do carro, decidida a tomar um chocolate quente, colocar os pés pra cima e 'sumir' por algumas horas, ouvindo música, e choramingando se fosse preciso.

Subiu as escadas sem perceber que a luz do apartamento estava acesa. Mas o que tem demais, na verdade ela quase sempre deixava a luz acesa. Quando chegou na porta do apartamento, um cartaz redondo todo decorado, dizia assim: Por favor, feche os olhos e entre em silêncio. De início, acho que ela entrou em pânico, ninguém tinha as chaves do seu apartamento. Até teve um dia, mas Mário estava morando na Itália há 2 anos e meio e não tinha planos de voltar.

Será que alguém encontrou a cópia das chaves que ela havia perdido no mês passado?

Decidiu enfim parar ali, não ia adiantar tentar adivinhar, o que restara apenas era decidir se queria ou não ver o que estava a esperando.

E decidiu entrar. Eu na verdade não entendo com que confiança ela fez isso. Mas fez. Ela abriu a porta, e entrou devagar, por incrível que pareça, de olhos fechados. Era perfeito. Da maneira como havia planejado.

O gravador de voz então disse em alto e bom som: Abra os olhos, e estoure um balão. Ela abriu os olhos, e viu a sala inteira decorada com balões vermelhos de coração. Precisava estar filmando o rosto dela naquele momento. Deve ter tido uma síncope. Mas obedeceu. Estourou um balão com as unhas grandes e vermelhas. De dentro dele caiu um papel escrito assim: 'Se quer continuar a brincadeira, vá até a geladeira, pegue a garrafa de vinho e duas taças, espero-a no quarto.'

E para minha surpresa, ela não foi ao quarto ver do que se tratava.

Pegou o vinho, e as taças. E seguiu para o quarto que na porta fechada, tinha outro cartaz: 'Bem vinda a noite inesquecivel de sua vida.' Nesse momento, ela hesitou um instante, deve ter pensado em ligar para uma amiga, e certificar-se de que alguém viria salvá-la, caso estivesse em perigo.

Mas o que eu não poderia nunca imaginar, é que ela não pareceu temer. Por mais ameaçador que fosse, ela não desistiu de descobrir.

Abriu a porta, e sorriu surpresa ao encontrar-me atrás da porta, parado de pé. Imagino que deva ter pensado muita coisa,

mas só conseguiu dizer uma: '-Você?' A resposta também não podia ser outra. '-É, eu voltei!'

Acredito que ali, deve ter se passado muito por sua cabeça,

como éramos felizes, a despedida, a separação, a nova vida de ambos,

mas a certeza antes tão vaga, agora estava presente, ela não me esquecera. E eu estava ali afinal, de volta pra buscar tudo que eu havia deixado pra trás.

Nos abraçamos e nos beijamos, como se fosse o último dia de nossas vidas. Depois ela me perguntou se era definitivo, e mesmo que não fosse, diante daquele sorriso, daquele olhar que pedia eternidade, tudo se tornara definitivo.

Não havia como não ser. E afinal, eu estava bem ali, diante dela, diante de tudo que eu mais quis na vida. E bem ali, tudo entrara pra eternidade.

E nos amamos, perfeitos. - não curados - mas como se nunca tivesse havido ferida.