ELA

Eu costumava ser um homem seguro e realizado em todas as áreas da minha vida, fazia planos, traçava objetivos e buscava resultados. Nunca fui muito ligado á família e na vida amorosa gostava de boas conquistas. Mas tudo o que eu sempre fui e tudo o que eu estava prestes a ser mudou completamente quando eu a conheci.

Ela não era muito bonita mas seus cabelos ruivos e cacheados combinavam perfeitamente com aqueles olhinhos verdes. Digo olhinhos, porque eram olhos consideravelmente pequenos.

Tudo o que ela fazia era doce e gentil. Sua voz era suave e baixinha. Ela se movia com leveza e muito cuidado. Era como ter um anjo. Inteligente, meiga, carinhosa e só para mim.

Apesar de todas as coisas maravilhosas que ela fazia por mim, eu sempre pensava em motivos para deixá-la. Eu nunca entendi mas a perfeição daquela mulher era insuportável, aquele jeito dela de tentar me agradar era na verdade, muito irritante.

Quando eu acordava a mesa do café já estava posta e no almoço ela sempre fazia tudo o que eu gostava de comer. O jantar era sempre servido á luz de velas e ela não reclamava de perder a novela para me deixar ver o jogo.

Uma vez resolvi testa-la. Liguei para ela de última hora dizendo que não ia jantar em casa, que ia com uns amigos a um bar perto do trabalho, provavelmente o jantar já estaria pronto e ela faria o que qualquer outra mulher faria, começaria uma briga. Mas ela não era como qualquer outra mulher, ela era ela, um anjo vindo do céu para trazer um sentido a minha vida. Ela ficou muda por alguns instantes e disse “tudo bem, divirta-se. Te esperarei acordada”. Mas eu não voltei para casa naquela noite.

No dia seguinte, quando cheguei em casa a encontrei dormindo no sofá, ela parecia desconfortável, suas costas estavam curvadas e ela ainda estava de sapatos. Desliguei a televisão que ela esquecera ligada e fui para o quarto.

Acordei com ela chorando e pensei “que droga, vão começar as cobranças e aborrecimentos”, mas com a voz trêmula ela começou a me explicar que o motivo do choro era porque pegou no sono antes de eu chegar. Eu não podia acreditar no que estava ouvindo, ela era mesmo inacreditável.

Todos os dias ela fazia uma surpresa diferente, e para tudo eu reagia com indiferença. Durante a noite eu a escutava chorando, mas não falava nada.

5 anos se passaram neste mesmo ritmo.

Ela tinha uma mania incontrolável de dizer que me amava e aquilo foi me irritando dia após dia ao longo desses anos até que um dia gritei com ela:

- Que droga!!! É mesmo necessário que você diga isso a cada 3 frases ditas?

- Eu sei que sou uma idiota, mas eu nunca vou saber qual vai ser a última vez que vou estar te falando isso então aproveito todas as oportunidades.

- E por que você não aproveita todas as oportunidades de calar a boca?

Com os olhos marejados ela disse “eu te amo” e saiu. Sem me dizer para onde ia ou a que a horas voltava, simplesmente saiu.

De repente me vi sozinho naquele apartamento, depois de tanto tempo era só eu e a mobília. Ela havia acabado de sair e eu já estava morrendo de saudades do cheiro de flores que tinha o cabelo dela. Estava com saudades dos cuidados dela, de como ela se importava comigo e com os meus sentimentos, eu sentia um imenso vazio. Eu nunca disse que a amava. Quando me dei conta disso saí correndo. Escolhi uma direção e continuei seguindo, quando virei á esquina vi um grande tumulto. Os motoristas com seus carros parados naquele trânsito buzinavam inquietos e o número de pedestres estava cada vez maior. Todos se aglomeravam em torno de um acidente que acabara de acontecer. Fui até lá com a esperança de encontra-la no meio das pessoas e lá estava ela.

Um carro em alta velocidade havia ultrapassado o farol vermelho e atropelado alguém.

Entre lágrimas eu gritava desesperado “eu te amo!”, mas ela já não podia mais me ouvir.

Deitada no meio da rua, com os olhos fechados, ela já não podia mais respirar. Os para-médicos que ali se encontravam davam o máximo para revive-la, em vão.

- Ela carregava isso. Disse uma senhora me entregando uma bolsa.

Ao abrir a bolsa encontrei um cartão que dizia “espero que esteja mais calmo, calmo o suficiente para ouvir mais uma vez que eu te amo e para entender que precisa de muito mais que isso para me convencer a ir embora.”.

Eu morri aquele dia e renasci mais fraco. Pensei no dia em que a deixei dormir no sofá quando podia ter chamado ela para dormir comigo. Pensei nas surpresas que ela fazia e eu nunca esboçava um sorriso como agradecimento. Pensei que havia perdido todas as infinitas oportunidades de dizer a única coisa que ela queria ouvir, que talvez eu não tenha percebido antes mas percebo agora que ela não está mais aqui, que eu a amo e vou amar por toda a minha vida.

Fernanda Cheschini
Enviado por Fernanda Cheschini em 02/08/2009
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