Zombaria
Zombaria. Foi o que ouviu a vida toda, sem o devido respeito; tendo que suportar para tentar viver. O período de escola foi o mais complicado; sequer podia manifestar-se, agradar de uma garota; logo os gritos ecoavam:
- Você é muito esquisito, Honório! Saia dessa... Fora!
Em casa não era diferente; todos lhe tiravam uma casquinha. Sentava à mesa do jantar e logo vinha uma piadinha atravessada; até a mãe alguma vez não o poupou: “você é mesmo esquisito, Honório!”. No quarto, sozinho, em companhia de apenas algumas peças inúteis, feias; até o computador já não o atraia como antes. Sentia raiva por ser assim. “Mas assim como? – não me sinto diferente de ninguém – pensava.”
Em breve seria adolescente. Aliás, já o era; embora lhe faltasse alguns requisitos básicos: espinhas, amores impossíveis, aventuras. Masturbava-se pouco, relativamente; não tinha uma preferida que lhe aguçasse a libido, embora gostasse de olhar Gabriela, uma suposta vizinha, quando passava dengosa. Portadora de pernas bem torneadas, olhos claros e fala mansa, cabelos cacheados aloirados, lábios carnudos lambuzados de batom vermelho como rosa ... “Ela deve ser uma delícia, imaginava Honório”.
Mas a alcunha era sua perdição; sempre que lhe vinha à cabeça fazer algo que tivesse vontade, que trouxesse algum prazer, esmorecia-se – como se uma força, sabe-se lá de onde, o invadisse proibindo-o de avançar além de sua limitação. Limitação outorgada ao longo dos anos por pessoas; às vezes sentia repugnância por pessoas, excetuando-se Gabriela; deseja-a ardentemente algumas vezes, noutras sentia nada, um vazio, mas nunca raiva.
Certo dia, perambulando pela rua, encontra Gabriela que o envolve com um sorriso tão lindo e espontâneo que fê-lo esquecer toda a esquisitice, a zombaria. Sentiu-se homem, embora o coração batesse descompassado, como se tivesse corrido alguns quilômetros. Não podia perder a oportunidade... Precisava falar-lhe algo; era tudo ou nada.
- Somos vizinhos e nunca nos falamos, por quê? Falou Gabriela com os dentes à mostra.
Honório engasgou-se, mas não deixou rasto.
- Não, imagine! Ando meio atarefado com trabalhos escolares, os cães para cuidar... Talvez tudo isso tenha me impedido de falar com você, aliás, há muito já o queria...
Em seguida Honório gelou-se dos pés à cabeça. “Acho que falei muito e, óbvio, asneiras – mas queria falar o que falei e não tem volta – argumentou-se a si mesmo.”
Gabriela vendo-o pensativo convida-o a dar uma volta no quarteirão para conversarem. Honório ainda trêmulo, não esquiva ao convite e põe-se ao lado dela e caminham por todo o quarteirão. Gabriela percebendo que Honório é de poucas palavras solta a língua; pergunta-lhe sobre a escola, namoradas, passeios, filmes, livros. Honório não tem tempo para formular nenhuma pergunta, pois, as respostas não lhe permitem fazê-lo. Já cansados de tanto andarem, param em uma praça, momento em que sobra uma folguinha para Honório tentar conhecê-la, caso ela permitisse. Foi logo se soltando:
- Somos vizinhos, é verdade, mas de bairro; não moramos tão próximos assim. Vejo você com certa frequência passando por aqui, mas nunca me fora oportuno aproximar-me...
E com o passar dos meses amiudaram-se os encontros. Honório entre a zombaria e o amor, se entregou ao segundo, pondo-se por terra o primeiro. Afinal, os zombeteiros que se acostumassem; amava Gabriela e parecia ser correspondido. Estava feliz. Isto sim era mais importante.
Firmaram o relacionamento. Gabriela mais comunicativa tomava sempre as iniciativas, as quais eram aprovadas por Honório. Os inevitáveis ciúmes, tudo que amplia um relacionamento positivo ou negativamente, existia entre eles. Principalmente por parte de Honório. Encontravam-se sempre na rua, ou em algum lugar predeterminado; nunca em casa. Gabriela precisava de um tempo para preparar o pai sobre o relacionamento – argumentava.
- Honório, meu filho! Precisa trazer Gabriela à nossa casa, pois, se ela está te fazendo tão feliz preciso conhecê-la. Notificou a mãe.
- Sim, mãe! Em momento oportuno a trarei para você conhecê-la. Aliás, Gabriela já manifestou interesse em conhecer você.
Honório conseguiu trabalho numa gráfica. Embora houvesse ainda alguns colegas que o troçassem, sentia-se mais firme, quase imune. Tudo aquilo era passado, e interessava hoje: - Gabriela. Pensava nela a cada instante e isso o fazia afastar toda a cisma que tinha das pessoas; de seus atos zombeteiros.
Gabriela após perceber todo trauma que incomodava Honório, passou a ajudá-lo, encorajando-o nos pequenos detalhes: - todo problema de que dimensão for, tem que ser encarado com certo rigor para que as forças surjam e o combatam – instigava Gabriela. A paixão misturada aos ditames de Gabriela vinha proporcionando a Honório estabilidade nas relações sociais, fazendo-o avançar em pormenores jamais imaginados. Casar-se-ia com ela. Tinha decidido. Avisou à mãe da decisão, de quem recebeu aprovação.
Numa manhã nublada de sábado, com poucos transeuntes, Honório e Gabriela passeavam descontraidamente pelas alamedas próximas ao clube social Dom Bosco, quando Gabriela vê saindo um rapaz magro, sorridente, cabelos e olhos claros. Honório nota que Gabriela empalidece. O encontro seria inevitável. Encontraram-se.
- Oi Gabriela! Disparou o rapaz com um sorriso largo no rosto.
- Oi Sérgio! Respondeu Gabriela com a voz trêmula e os lábios com ausência de sangue. Está em alguma missão?
- Mais ou menos, querida! E você o que tem feito?
- Nada além da rotina, Sérgio!
- Ah! Desculpe-me. Este é um amigo meu – apontando para Honório!
Honório estendeu a mão. Mas ficou sem entender nada. Estavam namorando e ser apresentado a um desconhecido apenas como amigo. “Por quê? – pensou com certa repulsa – tinha alguma coisa errada; mal contada...”
O rapaz se despediu e seguiu seu caminho. Gabriela começava a se recuperar do susto; a provável mentira.
- Por que você me apresentou a esse rapaz como seu amigo, Gabriela? Afinal, estou com você e sinto-a minha namorada? O que há de errado? Você deve-me explicações!
- Honório, querido! Não há nada de errado. Foi uma displicência de minha parte. Sou mesmo lerda e às vezes cometo coisas impensadas... precipito no diálogo; faço-o com rapidez... Sérgio é apenas um conhecido, uma pessoa que trabalhou comigo. Nada mais. Me perdoe! Prometo não desapontá-lo novamente.
- Tudo bem Gabriela! Tudo bem... – respondeu Honório aparentemente aliviado.
Decidiram voltar. O passeio daquele dia já sido o bastante; andaram, conversaram e até tomaram sorvete, embora o tempo não estivesse propício. Honório quis acompanhar Gabriela até à sua casa, mas ela preferiu que ele não fosse argumentando que ao chegar iria direto para o banho. Portanto, à noite voltariam a se encontrar. Acordaram e cada um seguiu o seu destino.
Honório resolveu comunicar Gabriela de sua decisão: o casamento. Gabriela sorridente ponderou que talvez Honório estivesse precipitando – queria sim, mas demandava tempo; sentia-se ainda muito jovem para um compromisso de tamanha importância. Ademais, Honório também era ainda muito jovem.
- Estou muito contente Honório de sua proposta! E mais contente ainda de perceber que todo o seu pânico; a forma que consegue encarar os problemas... Sinto-me vitoriosa, embora, saiba que toda evolução dependeu de você; você é o vitorioso, não eu...
- Gabriela, amo você e coloquei-a em minha vida como primordial. A sua recusa fere-me profundamente...
- Entenda Honório! Não estou recusando à proposta, propriamente dita. Apenas acho que estamos jovens demais e podemos esperar. Outrossim, tenho ainda muito trabalho a desenvolver, muito trabalho...
Honório dias após refletiu e entendeu a ponderação de Gabriela; estavam mesmo jovens demais. “Gabriela tem razão – não basta amar – tem que estruturar – pensou.” Encontravam-se regularmente; horários e locais previamente acordados. Gabriela sempre solícita esbanjando alegria; sorria com facilidade e falava de coisas tão belas e coerentes que Honório sentia-se inebriado... Não havia nada mais que o incomodasse; sentia-se curado. O amor, a paixão – não importa qual – sobrepôs a tudo. Estava muito feliz e parte desta felicidade devia ser creditada aos préstimos de Gabriela.
No sábado, Honório levantou-se cedo, olhou pela janela, era primavera – todo o jardim de sua mãe estava maravilhosamente florido; os campos a pouca distância exibiam flores de todas as espécies; os transeuntes enamorando-se uns aos outros em gentis cumprimentos e largos sorrisos. “Que dia lindo! – falou Honório com voz firme. Vestiu-se, desceu para o café da manhã. A mãe o recebeu no primeiro degrau – sorridente foi logo entonando um bom dia. Desejou ardentemente que Gabriela estivesse ali naquele momento para compartilhar com ela toda a beleza que via e sentia. Subiu ao quarto. Pegou o celular e ligou. Ligou outras vezes até cair na caixa postal. Gabriela não atendeu. Preocupado, mais ainda imensamente alegre, saiu. Foi procurar Gabriela no entorno do bairro. Descreveu suas características completas. Mas ninguém conseguiu dar-lhe nenhuma informação sobre Gabriela. Por fim, dirigiu-se a um senhor que conhecia a todos no bairro; pelo menos a grande maioria, e esse não poupou palavras:
- Contente-se, filho! Essa moça que procura, com estas características, jamais esteve por aqui, não a conhecemos – somente você teve o privilégio de conhecê-la! Erga-se aos céus...
FIM