UMA MULHER SEM MARIDO

O calendário marcava dia 20. Uma quinta-feira. Fazia justamente um mês que Mário havia saído de casa. Um mês que o casamento de Dalva havia acabado. Foi rápido e objetivo Mário. Chegou um belo dia (dia 20 do mês anterior) e disse que estava indo embora. Ia embora depois de cinco anos de relacionamento. Moravam juntos, dividiam cama, banheiro, sala, cozinha, tudo. Agora, só restava tudo na casa, Dalva e mais nada.

Não que Dalva não pudesse se recuperar ou que o fim do seu casamento seja o fim do mundo. Claro que não. Mas você há de convir que todo fim é um pouco de vitória e um pouco de fracasso. Um pouco de recomeço e um pouco de fim em si mesmo. Mas, especialmente naquele dia, a aura na casa de Dalva remetia a um fim melancólico. O vazio do silêncio. A cama de casal agora servindo a um só corpo. Só uma escova de dentes na farmacinha do banheiro. Um prato na mesa.

Por conta mesmo de uma quebra na rotina Dalva estava relativamente melancólica naquele dia 20. Data redonda, mais fácil ainda de lembrar, embora que, independente do dia, não seria esquecida. Mário tinha seus defeitos e qualidades. Dalva sabia. Toda vez que mensurava as características do agora ex-marido mais se convencia que o fim era necessário para os dois. Não havia mais cola. O jarro estava rachado. O relacionamento não tinha mais a química de outros tempos.

Mas Mário fazia falta. A muito custo, Dalva tinha que admitir isso. Aprendeu a desgostar dele, mas também a reconhecer que a saída dele deixou algumas coisas soltas naquele lar. Dalva andou pela casa, sentindo aquele vazio libertador, aquela independência tranquila e também aquela falta que Mário fazia. "Por que os homens são tão turrões?", perguntava-se Dalva em seus pensamentos.

Fazia-se essa pergunta olhando para o seu primeiro desafio real sem Mário. Ele estava lá. Em cima da pia da cozinha. Enorme. Assustador, diante do qual Dalva se sentia genuinamente uma mulher desamparada. Mas ia ter que dar um jeito naquilo. Não ia ser um simples botijão de água que ia lhe derrotar. Tudo bem que aquele recipiente carregava 20 quilos insuportáveis para o corpo franzino de Dalva, mas era água com açúcar para Mário, que colocava o garrafão no suporte como quem enche um simples copo d´água.

Dalva, ali, na frente daquele garrafão de 20 litros, sentiu na pele a falta que Mário ia fazer. Também não queria colocar um substituto de Mário dentro de casa só por causa de um botijão de água, ou de gás, ou de uma encanação quebrada e nem ia sempre estar recorrendo a quebra-galhos. Dalva decidiu que para cada problema que fosse aparecendo, ela ia dando, sozinha, uma solução. Para enfrentar o garrafão, pegou um canudo e bebeu água.