A PAIXÃO É AZUL
 



 
O hotel era simples e no saguão quase vazio teve que esperá-lo, sentada em uma poltrona preta que imitava couro. Pensou no paradoxo divertido entre sua vida calculada para não correr riscos e o desejo de conhecer aquele homem.

Lembrou-se do primeiro telefonema: um engano, prolongado por dois meses antes do encontro. O timbre de sua voz provocava um encantamento sem sentido. Com um estranho experimentou a sensação da mais profunda intimidade.

Tudo que poderia viver ao seu lado caberia em uma noite. E certamente foi isto que Paulo imaginou quando conversaram pela primeira vez. O número errado tocou em sua casa e a ligação aconteceu entre os dois. Ele procurava alguém com seu nome. Ela não era sua Helena, mas desejou ser.

A recepcionista chamou um funcionário do hotel e sua atenção voltou-se novamente para o saguão. Estava à espera de um homem que viria com uma camisa azul.

Na última conversa, alguns momentos antes do encontro, ele perguntou:

- O que você prefere? Camisa azul ou bege?

Ela achou engraçado escolher uma cor. Primeiro disse bege. Helena era uma mulher de poucas cores. No entanto, como se fosse de extrema importância recuou:

- Não! Definitivamente azul! Venha de azul!

Por sua vez, na maior transgressão de sua vida, escolheu a roupa mais discreta de seu armário. O terninho preto sem detalhe algum, camiseta fechada, botas. A maquiagem se resumia ao batom. O perfume suave, a bolsa correta e apenas um anel encerrava o figurino.

Entretanto, sua pele, descoberta apenas no rosto e nas mãos, não a protegeu de sentir-se nua no instante em que o viu:


- Você não pretende se esconder agora?

A voz dele a fez sorrir como uma criança que encontra sua família.
Ele não sorria e olhava para aquela mulher com uma naturalidade desconcertante. Helena não sabia exatamente o que fazer e desajeitada inclinou-se para beijá-lo. Sentiu o contato da pele sem barbear arranhar a sua, e assim mesmo, seu rosto parecia existir para estar colado ao dele.

Entraram no elevador e ela não se conteve:

- Era mais simples quando conversávamos ao telefone. Fale alguma coisa antes que eu não saiba mais o que dizer.

Paulo apertou o andar do restaurante e sorriu. Helena sentia que iria corar em instantes. Ele percebeu seu constrangimento e perguntou:

- Como alguém tão inteligente pode ser tão tola?

Helena olhou-o perplexa. Se alguém pudesse dizer exatamente quando a paixão acontece, ela teria a sua resposta. Ali diante da pergunta que a definia. Pensou na sensação de nudez apesar da roupa e entendeu que estava nua para aquele homem desde o primeiro olhar.

Ela, finalmente, era visível para alguém.

O contraste entre a visibilidade e o desconhecimento ficou evidente quando Paulo pediu uma mesa:

- Fumantes?

Paulo disse não. Helena, sim.

O casal sorriu para o homem que disfarçava a confusão com profissionalismo ao indicar os lugares.

Sentaram-se e ela teve vontade de acender um cigarro. Tentou controlar a ansiedade e disse:

- Vamos tomar vinho?

- Você quer?

- Depende... Vamos pedir massa, peixe ou...

- O que você quer beber, Helena?

O tom da pergunta a fez sentir obediente ao responder:

- Vodca.

Durante o jantar, conversaram como dois amigos que não se vêem há muito tempo e depois do segundo drinque, Helena achou que o conhecia de uma vida inteira. Abençoou a vodca e sorriu ao pensar que era o álcool que a tranqüilizara.

- Você deve ter percebido que nunca fiz isto antes.

- Isto, o quê, Helena?

- Sair com um estranho. Nem com os conhecidos eu...

Paulo interrompeu a frase:

- E eu te confesso que...

Helena, ansiosa demais, adiantou-se com uma pergunta surreal naquela situação:

- Você é gay?

Paulo não conteve a gargalhada e depois a olhou com uma ternura que a fez agradecer em silêncio. E prosseguiu com a sua confidência:

- Você é a pessoa mais interessante que conheci.

Helena sabia que aquela frase só teria sentido por uma noite. Aquela noite. Teve vontade de pedir mais tempo. Sentiu que por mais tola que pudesse ser, havia encontrado nele suas perguntas. Diante do que existia de mais passageiro em sua vida se deu conta do que persistiria. Achou a vida injusta.

Naquele instante, Paulo tentou segurar sua mão e ela impediu. Ficou surpresa com a rapidez do seu reflexo.

E a voz dele soava tão triste quanto a verdade:

- Você pretende mesmo se esconder.
       





(*) Imagem: Google

http://www.dolcevita.prosaeverso.net

Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 20/07/2009
Reeditado em 27/08/2010
Código do texto: T1709820
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.