DOENÇA

DOENÇA

Enquanto me permite o destino vou sonhar. Estou mais uma vez diante de dias sóbrios de tristeza e uma agonia transparente. Tenho dentro do meu nariz um frio triste que desce esquentando todo meu corpo como uma onda que se alevanta dentro de vulcões ativos. É o amor que mais uma vez faz de mim refém. É este caos que me faz doente, que me faz ter medo, que me faz deixar planos. Doente mais uma vez. Planos feitos e desfeitos, sonhos jogadas dentro de uma caixa vazia e esquecida até que a febre passe.

São tantos os momentos em que penso nesta existência fria, neste por quê estar aqui, que me passam sem vontade. Impossível ser alguém que eu gostaria diante de tanta falta de vontade. Um diário escrito debaixo de um teto alto, longe do céu, distante da minha Lua, ela já não me traz mais a paz e a força, traz a lembrança de alguém com que compartilho sexos e desejos, alguém que me faz sofrer pelo simples fato de existir. Sofrimento doido de tanta felicidade. Felicidade fascinante de tanta dor. Ciúmes doentio do que nem sempre foi meu. Vontade grande de desistir deste amor, que de tanto amor, rouba de mim eu mesma e me faz sofrer, vulnerável a outro corpo, outra mente. Se tudo o que me faz viver é a vontade, então não preciso mais estar aqui. Vontade eu tenho de matar quem eu mais amo neste momento, porque amo acima de mim mesma, estou entregue conscientemente ao sofrimento desejado da distancia e da grande festa em viver um amor tão difícil, em que os corpos que se desejam estão tão longes. Vontade de cortar cada pedaço do corpo dele por me fazer esquecer quem sou e deixar meus planos para o segundo lugar. Estourar os miolos daquele que me faz ser menos, ser o suficiente apenas para agradá-lo. Comer o fígado daquele que roubou minha paz, que diz me amar, que me faz sonhar e acreditar mais em nós do que apenas em mim. Mastigar os olhos que me olham e que choram na minha partida, são olhos que não olham só pra mim, olhos que permanecem nos nossos locais preferidos e continuam a buscar o que está longe, enquanto eu aqui mantenho me cega ao meu presente, olhando apenas para o passado e fechando os olhos apenas para imaginar nosso futuro. Arrancar cada pêlo daquele corpo que me tocou, que suou comigo, amassá-lo e jogá-lo no lixo de outra galáxia. Ladrão, frio.

É debaixo de uma manta que quero ficar. É com olhos fechados que tento me curar da paixão. Ela não me faz bem, ela se apoderou de mim, e agora, mais uma vez, amo incondicionalmente, mais uma vez, desejo apenas órgãos e nada mais me agrada. Quero apenas aquela cor, aquele cheiro, e sem tudo isso o resto não me faz sentido. Sou refém de outras mãos. Sou prisioneira de outro passado e enquanto isso meu passado é esquecido e todos os outros que antes já me roubaram também, estão longes, invisíveis, desmerecedores de um pingo, sequer, de reconhecimento. Quantos deles já me levaram de mim? Por quantos eu já me esqueci? Muitos, vários! No entanto agora, estão todos esquecidos, enterrados no meu passado inexistente, asfixiados pelo mau cheiro da minha ingratidão. Gostaria de viver nua, para que ninguém mais pudesse levar nada de mim. Gostaria de viver seca, para nem mais, um liquido se esvaísse de mim. Gostaria de viver fria para não sentir mais o vento frio dentro do nariz. Gostaria agora, de estar ao lado dele e nada mais. Mundo, corpos, mentes, materiais, ideologias, vidas, nada tem importância quando a doença ataca. Quando ela chega o raciocínio se volta a ela, o corpo reage por ela, o ar sai e entra de uma mesma forma, apertado e suave. Não há mistérios na vida maior que esta doença. A mais forte, a mais potente, a maior causadora de curas e de mortes. Abre os olhos e logo quer fechá-los, não acredita que o corpo despertou mais uma vez para compartilhar da mesma atmosfera que aquele outro corpo. Insuportável viver sabendo que ele também vive. Morte! Fecha os olhos, e não vê a hora de abri-los novamente, o sono é longo demais para ficar longe dele. Mesmo de olhos fechados e sentidos inconscientes, quer permanecer ao lado dele. Mesmo o sono mais profundo precisa daquela presença. Mesmo sem podê-lo ver, sentir, ele precisa permanecer perto, junto. Vida! Mistério de caminhos diversos, mas construídos com este único material. Não há morais nem sistemas éticos que se apliquem ao corpo doente. Não há terapias, nem códigos, nem remédios, nem teorias que faça se livrar facilmente e propositalmente desta dor prazerosa. Há apenas o tempo e uma força que vem de outras partes deste caminho que faz com que a doença se perca por ele e o corpo comece a voltar ao normal, mas seria este normal, o corpo doente? Acredito que sim. O caminho é construído pela busca incessante deste vírus, desta doença. Dói, fere, cicatriza, dá prazer, força e cada vez mais habilidade para continuar construindo este caminho. Caminho sem fim. Doença amor.

Queria dormir ao lado dele, dividindo este calor natural, sendo sim, a pior pessoa do mundo, a menor pessoa do mundo. Sem querer, ser eu, a submetida, e minha habilidade já ganha no meu caminho é esta; sou consciente da submissão do meu corpo, da minha mente, mas ele nunca ficará sabendo disso, e caso não valha, então há morte depois da vida, mas há vida, novamente depois dela e assim, infinitamente!

Amo.

BCA (amando) 270409

BCA
Enviado por BCA em 17/07/2009
Código do texto: T1704656
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