EU SÓ QUERIA DIZER QUE...

Romero estava ansioso. Sempre foi de escrever, mas era um escritor de chuveiro. Escrevia para si. Muito tímido, não tinha coragem de mostrar seus textos para ninguém. Os amigos, esses iam rir da cara dele e até duvidariam de sua masculinidade. Os pais nem gostavam de ler. Amigas, só tinha Dora, seu amor secreto e platônico.

E foi justamente porque Dora lhe pediu um texto que Romero estava extremamente ansioso. Pois é. A mulher que ele amava em segredo lhe pediu um texto bonito, um texto que falasse de coisas belas. Coisas da vida. "Seria para quê?", perguntou Romero. "Para o meu seminário sobre filosofia", respondeu Dora. "Como sei que você gosta de escrever, vai ser um texto show!', completou. "Mas eu só escrevo umas coisinhas", minimizou Romero. "Coisinhas nada! É porque você não mostra seus textos pra ninguém, mas tenho certeza que são lindos, confio na sua sensibilidade!", atestou Dora.

Romero estava em estado de graça. Sempre comentava o que escrevia com Dora, mas nunca pensou que ela fosse querer alguma coisa com seus escritos. Ficou nervoso. Não queria decepcionar Dora. O texto teria que ser simplesmente maravilhoso, encantador, surpreendente, para conquistar a sua amada. Sem coragem de se declarar, Romero esperava, com o texto, conquistar uma atenção, digamos, mais especial de Dora.

Então, abstraiu que escrevia a pedido da sua amada para não travar os pensamentos e escreveu:

"Quantos opostos podemos atribuir a certas coisas? A boca, por exemplo, serve para dizer e calar. Esbraveja palavras que deveriam ser ditas e outras que nunca poderiam ser pronunciadas. Também cerra sob seus lábios os segredos mais profundos. O amor, ah, o amor pode ferir e também curar a ferida deixada por outro! A paixão é vida, enquanto acende os amantes, e é morte, porque também os dilacera. A traição é o fim, mas também pode ser um recomeço. A confiança tem que ser 100%, embora muitas vezes só confiamos desconfiando. A amizade, essa é para todas as horas, mas, quando se corrompe, só funciona nas horas boas. O diálogo serve para se entender com o outro, ou para discutir com ele. A solidão é uma opção, ou uma imposição que alguém nos proporciona. A rotina é tranquilidade, mas também pode ser um estresse! E a vida, assim com seus opostos, nos oferece vários caminhos. Mas até os caminhos podem ser um presente ou um castigo!"

Romero mandou o texto para Dora. Deixou na portaria do trabalho dela. Não teve coragem de vê-la lendo-o. Dora largou do trabalho, recebeu o texto, leu-o e apaixonou-se pelo o que estava escrito. Decorou-o e recitou-o para Hélio, um amigo da faculdade, um cara legal. Hélio adorou o poema e se apaixonou por Dora. Dora, finalmente, conseguiu o que queria.