Demolindo, com planos...

Um pensamento perdido. Talvez muitos dentro de um só. Era um desdomínio que o possuía a cada lembrança do que passou, do que vivenciou, do que infelizmente e inevitavelmente conheceu. A situação ideal para contestação de toda a afirmação do bem e do belo como irmãos é ver no belo a afirmação do mal e dele não se desvencilhar.

Sentado num meio sofá, um som qualquer que não valha nada na vitrola, largado a esquecimentos forçados e memórias involuntariosas... esse é o clima de sua sala. Os objetos, os beijos, as discussões, os sexos, os cheiros, os insultos, os elogios, esse tobogã de causalidades daquele estado inerte, boçal de passado invadindo incontrolavelmente o presente, prenunciando pseudos futuros de ações.

Desejava no futuro esquecer tudo, desde que foi alguém ao seu lado até a existência singular cambaleando e muletando um outro coitado coração. E fez força gradual para o desejo que de fato esquecia forçosamente. A felicidade adivinha não do esquecimento, mas da vontade de matar o que ficou para recordar.

Toca o telefone:

- Boa Tarde.

- Boa Noite. O senhor G. está?

- Não, ele não está. Quem fala?

- É da Ótica. Queria deixar um recado, pode anotá-lo?

- Anotar um recado? Mas...

- Diga para o senhor G. que seus óculos estão prontos e que pode buscá-lo a partir das 10h de amanhã.

- O senhor G. não mora mais aqui.

- Ah, sim! Desculpe então o importúnio, mas sabe como posso encontrá-lo?

- Não faço a mínima idéia. Era bom que nem soubesse.

- Ok, muito obrigado e desculpe o incomodo.

Desliga o telefone.

E então veio o medo, a intensidade sem fim que desgovernou-se em si: o esquecimento desprotege dos fatos. Uma coisa que um dia ganha seu espaço, dificilmente se desvencilha com um simples abandonar e um simples esquecer. É preciso mais que fugir, é preciso demolir.

Então, G. estava mais perto do que imaginou. Na verdade, G. nunca saiu de perto, apenas se escondeu, para um dia reaparecer e jogar todo o esforço pro alto, como um folião em festa de confetes.

Situações só tem fim quando são esclarecidas. Do contrário, mal-resolvidas, são ainda situações.

Entendi então porque me permitia G. invadir minha sala: ainda há situação. Não aquela, de antes. Mas de fato, a de que é preciso demolir.