Morre um Amor


O amor seguia ensimesmado e triste.
Tentava raciocinar embora soubesse o quanto é antinatural ao amor pensar. Justo ele, que é só emoção.
Mas fora-lhe exigido que pensasse e ele estava tentando muito arduamente.
Levava no bolso a mordaça, que lhe haviam pedido para usar, pois que havia limites para o que podia ser dito, para o que podia ser questionado. E ainda havia a certeza de que o que dissesse encontraria a descrença.
Também tinha consigo a máscara exigida, pois que havia horários para ser amor. Às vezes precisava travestir-se de amizade. Noutras, fingir indiferença ou seria acusado de sufocador, ciumento, vigilante.
Os tapa ouvidos, estrategicamente pendurados ao pescoço também estavam a postos para protegê-lo das palavras duras, das mentiras, das indelicadezas.
E assim seguia o amor, introspecto, infeliz.
Parou à beira do abismo. As escarpas pontiagudas lá embaixo pareciam ser a solução para tudo. Se não podia ser tudo aquilo que desejava ser, se não podia alcançar o destino grandioso de felicidade extrema que pensava merecer, melhor partir.
Hesitou ante as lembranças dos momentos de ternura, dos instantes fugazes de luxúria, das risadas tão espontâneas e nem sempre compreendidas.
Hesitou ante a esperança de ser capaz de libertar seu gêmeo que vive trancado e assustado no coração amado.
Mas ele agora era um amor que pensava. A lógica rejeita quimeras.
E ele saltou.


*****

Morre um amor
Agonia lenta
A morte inventa
Mil maneiras de doer
E nós
Seres estupidamente racionais
Assistimos impotentes
A fria arte de morrer
Mas o amor não morre
Ele vegeta e agoniza
E ressuscita no acalanto de um olhar
Quisera Deus
Tivesse eu o dom supremo
De matar esse amor
Na fluência de chorar

(Arte Fria - 1985)

Imagem daqui.