A CHUVA
Tinha em seu colo uma gota da chuva, e outra em sua têmpora
mais uma e outra sucederam em desacato a gravidade
Chovia. O céu chorava e ela sorria, gargalhava agora
perdeu o tino, o coração já perderá há muito,
muito tempo de agonia. Muita água, em seu rosto, batia
não se lembrava mais da sensação, do beijo, do gosto
do rosto no rosto, da música vadia
não percebia agora, se era noite ou dia
só sabia que chovia
Velha senhora do tempo,
rugas enrugadas em entropia
pela vida que se foi, pela chuva que caia
pelo homem que se fez presente em uma noite qualquer,
distante no raiar do dia
deixou uma marca indelével, incólume
no colo, mais precisamente no seio
chorou como a chuva, mas hoje gargalha vadia
percebeu que renascera de um mausoléu
seu sarcófago abrira. Estava ainda jovem e cheia de vida
estava lá, e ninguém percebia
ela não percebia.
Percebeu
Esperou de mais pela nova noite de orgia particular
Não veio. Chorou como a chuva
Agora ria
Talvez tarde demais, ou não, ou ...
Dane-se
Estava viva,
E chovia
Dizem mestres antigos
A água lava tudo, tudo leva, pedra, galho
Covardia.
Levou e trouxe coragem e, arredia,
Olhou pro céu, bradou em blasfêmia:
"Não me matou
Estou viva."
Gargalha
E a chuva cai
Ainda.