PERDOAR E RECOMEÇAR

Uma carta! Há quanto tempo Heloísa não recebia uma carta!

- Parece que as pessoas perderam o hábito de se corresponderem, pensa, virando o envelope distraidamente na mão.

E tem uma surpresa, o remetente:FAUSTO POLINESI

Todo o passado voltou-lhe a memória.

A velha história que, entre magoada e envergonhada, quisera

esquecer empurrando para o mais profundo esconderijo de sua mente agora ressurgia viva e imperiosa, demonstrando que não podemos simplesmente passar uma borracha sobre nossos erros e seguir adiante sem sofrer-lhes as conseqüências.

Tudo acontecera a cerca de vinte anos antes.

Heloísa era uma garota muito bonita e muito alegre.

Luciana, sua mãe, viúva e pobre, lutava muito para dar a filha o máximo possível de bem estar e o seu sonho era vê-la bem casada.

Heloísa não pensava em casamento. Gostava de sair com os amigos, ir a festinhas e namorar sem maiores compromissos.

E foi então que Fausto apareceu na sua vida, Bem mais velho do que ela, muito culto, ganhava muito bem e era considerado um ótimo partido, disputadíssimo pelas moças casadoiras da cidade.

Fausto e Heloísa começaram a namorar.

Fausto cumulava-a de atenções, dava-lhe muitos presentes, levava-a a lugares caros que nenhuma de suas amigas freqüentava e logo começou a falar em casamento.

Luciana estava felicíssima. A filha ia casar-se com um dos melhores partidos da cidade!

Heloisa também entusiasmou-se com os presentes, a bonita casa que montaram, a festa do casamento, a lua de mel no exterior.

Mas, tão logo a vida entrou na rotina começaram a aparecer as divergências.

Heloísa e Fausto eram muito diferentes. Não só a diferença de idade, mas principalmente de cultura, de gostos.

Fausto não gostava dos amigos de Heloísa e Heloísa não gostava dos do Fausto.

Fausto era autoritário. Não queria que Heloísa recebesse seus amigos barulhentos e, na opinião dele, sem educação.

Heloísa detestava os amigos de Fausto e negava-se a acompanhá-lo em visitas e reuniões sociais.

Fausto queria mandar e Heloísa não queria obedecer.

O nascimento da filha, que poderia ter sido uma motivação para que eles procurassem se entender melhor piorou ainda mais a situação.

Heloísa amava a filha, mas não tinha paciência com ela e Fausto a recriminava por isso.

E os dois passavam a maior parte do tempo zangados, sem falar um com o outro.

Heloísa começou a sair com os amigos. Fausto desconfiou que ela o estivesse traindo e a expulsou sumariamente de casa.

Algum tempo depois, saiu da cidade levando a filha e Heloísa nunca mais soube deles.

Começaram, então, os sofrimentos de Heloísa. Sozinha, despreparada, tinha dificuldade para conseguir trabalho e sofria tendo de sujeitar-se a uma vida modesta, ela que se acostumara com o luxo que Fausto lhe proporcionara.

Mas, lutou bravamente e com o tempo conseguiu um bom emprego, uma casa confortável, uma vida digna.Sentia, no entanto, muita saudade da filha e com o tempo uma nova imagem de Fausto começou a formar-se nas suas lembranças.

Lembrava dele, não mais como o tirano que queria subjuga-la, mas como o homem apaixonado que a cumulara de atenções.Tarde demais compreendeu que o amava e que as diferenças deveriam ter sido trabalhadas, pois todos temos nossos defeitos e num casamento tanto quanto a paixão, é importante a compreensão, a tolerância.

Mas nada mais podia fazer. Não teve nenhuma notícia dele durante todo esse tempo. Só lhe restava tentar esquecer.

Agora, esta carta! Que será que o Fausto queria com ela?

Abriu com mãos trêmulas e leu as breves linhas onde ele pedia para encontrar-se com ela para legalizarem sua situação. O divórcio acabara de ser aprovado no Brasil e ele queria divorciar-se dela.

Marcaram um encontro num restaurante para conversar.

Heloisa estava ansiosa.

- Será que o Fausto está querendo se casar com outra e por isso quer o divórcio?

Envergonhou-se ao admitir que estivesse com ciúmes.

Estava claro que ele tinha arranjado outra. A troco de que ia ser fiel a ela depois de tudo?

E pela enésima vez censurou-se:

- Sou uma idiota!

Sentada à frente dele Heloísa esforçava-se para esconder a emoção.

Ele estava tal e qual ela o guardara em sua lembrança. O mesmo charme, a mesma gentileza, a mesma segurança. Parecia que o tempo não havia passado para ele

Ela tinha a consciência de estar muito mudada. Seu riso não era mais o mesmo e seus olhos pareciam guardar todas as mazelas dos últimos anos.

Parecia mais velha do que ele. Pelo menos, estava sentindo-se assim.

Começaram a conversar.Quanta coisa para contar!

Fausto falou muito da Cristina, a filha, sua maior preocupação.

Contou que teve muita dificuldade para criá-la sozinho.

Seus familiares tentaram ajudar, mas Cristina foi uma criança difícil e ninguém tinha paciência com ela.

Colocou-a então em um colégio interno que ela detestou, ficou revoltadíssima e nunca o perdoou por tê-la obrigado a ficar lá..

Assim que completou a maioridade foi para o exterior e não voltou mais. Atualmente encontrava-se em New York e muito pouco se comunicava com o pai.

As horas passaram sem que eles percebessem.

Só quando o garçom veio perguntar se queriam mais alguma coisa, se deram conta de que já era muito tarde, o salão esvaziara-se e o garçom esperava impaciente que eles saíssem.

- Vamos embora antes que ele nos enxote a vassouradas!

- Mas, você não queria falar sobre o divórcio?

- Queria, mas não deu tempo.

Heloísa fez a pergunta que a estava engasgando desde que recebera a carta:

- Você vai casar-se? É por isso que quer o divórcio?

- Não! Eu quero acertar o que lhe devo. Você tem direito a uma parte de meu patrimônio e a uma pensão alimentícia. Já devia ter acertado isso há muito tempo, mas demorei muito para aceitar a situação, botar a cabeça no lugar.

Heloisa sentiu-se corar lembrando as coisas horríveis que ele lhe dissera quando a expulsara de casa.

Balbuciou:

- Que é isso! Eu não tenho direito a nada!

- Amanhã falaremos sobre isso. Agora é melhor irmos embora.

No dia seguinte encontraram-se novamente para o almoço no mesmo restaurante.

Fausto pediu um vatapá. Não tinha.

Heloísa convidou:

- Venha jantar lá na minha casa hoje à noite que eu preparo um vatapá pra nós.

- Ótimo! Vou sim! Eu levo o vinho.

Um mês depois os dois voaram para New York ao encontro de Cristina.

Tinham resolvido recompor sua família e tentar resgatar a felicidade que deixaram escapar lá atrás, perdida entre os escombros de uma relação tumultuada, marcada por atitudes egoístas e insensatas.

Afinal, nunca é tarde para perdoar e recomeçar

Maith
Enviado por Maith em 02/07/2009
Código do texto: T1679533