OS MISTÉRIOS DO AMOR
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Guilherme sempre foi infiel. Gostava da boemia e adorava mulheres fáceis.
Angélica, a princípio brigou muito, tentou a todo custo resgatar seus direitos de esposa, mas compreendeu, enfim, que não adiantava bater de frente com o Guilherme. Ou o aceitava do jeito que ele era ou terminava o casamento.
Separar, não lhe pareceu interessante. Ele era uma pessoa de boa convivência. Sempre alegre, gentil, generoso. Se o deixasse ele arranjaria outra e ela é que ia acabar ficando no prejuízo.
Combinaram então uma convivência cordial. Cada um fazendo o que bem entendesse e mantendo um casamento de fachada.
Durante muitos anos a situação foi essa e eles estavam perfeitamente adaptados.
Ele passava dias fora sem ela saber onde nem com quem, e, quando chegava. ela o recebia amavelmente.
Não era mulher de aventuras amorosas, mas tinha uma legião de amigas, viajava muito e pertencia a vários grupos filantrópicos que mais faziam festas do que assistência social.
E os dois eram felizes a seu modo.
Um dia, porém, algo aconteceu para abalar a estrutura dessa relação.
Guilherme disse a Angélica que tinha algo muito sério para lhe dizer.
Mil coisas passaram vertiginosamente pela cabeça de Angélica. Desde a constatação de uma grave e incurável moléstia, até uma paixão que o levasse a querer separar-se dela, de vez, para assumir a outra.
- Fale de uma vez. Já estou ficando aflita.
- Eu vou adotar uma criança. Uma menina!
- O que?
Há muitos anos atrás quando constataram que Angélica não podia ser mãe, tinham aventado a hipótese de adotar um filho, isto é, Guilherme cogitou, mas Angélica não concordou.
Não gostava de crianças e o fato de não poder ter filhos era até uma graça, pois assim não precisava dar desculpas a Guilherme por não querer um descendente.
Depois, na situação em que se encontravam, é claro que nem pensaram mais nisso.
E agora, assim, sem mais nem menos, Guilherme vinha com essa conversa!
- Mas que idéia maluca é essa? Espere ai, essa história não está me cheirando bem. Trate de contar logo tudo, pois, você sabe como eu sou, aceito qualquer verdade, mas abomino mentiras.
-. É isso mesmo que você esta pensando. Ela é minha filha. A mãe não a quer. Disse que se eu não ficar com ela, ela a dará para adoção.
- Você é mesmo um idiota! Se a mãe é uma vagabunda, que certeza você pode ter de que ela é mesmo sua filha?
- Tem toda a probabilidade de ser, mas, se não for eu a quero do mesmo jeito. Ela é uma criança que precisa de uma família e eu estou disposto a lhe dar isso. Você sabe que eu gosto de crianças e sempre sonhei ter uma grande prole.
Mas, se você não quiser, tudo bem. Eu monto um apartamento e ponho uma babá tomando conta dela. Você não precisa nem vê-la. Nossa relação continua do mesmo jeito.
Angélica sentiu que estava perdendo terreno. Se não cedesse ele montaria o tal apartamento e era bem capaz de acabar levando a outra pra lá.
Ela nunca de assustara com as rivais. Sentia que o marido lhe tinha um afeto especial que nenhuma mulher conseguia abalar, mas, agora, esse ai, com uma filha, a filha com que ele sempre sonhou, se lhe afigurava perigosa demais.
- Vamos conciliar isso. Você pode trazer a menina pra cá, desde que arranje quem cuide dela. Você sabe que trocar fraldas de criança não é meu esporte predileto.
- Oh! Obrigado, querida! Eu sabia que você ia compreender!
Os dias que se seguiram foram tranqüilos.
Guilherme estava mais atencioso do que de costume. Convidou-a várias vezes para saírem juntos e, só algumas semanas mais tarde, voltou a falar na filha:
- Precisamos escolher o nome.
- Escolha você. Ela é sua filha.
- Angélica!
- Não! Angélica, não! Qualquer nome menos esse!
- Ester! O nome da minha mãe.
- Tudo bem. Ester!
- Precisamos começar a preparar o quarto dela. Ela vai nascer no fim do mês.
Angélica resolveu que, já que não podia mudar a situação, ia curtir, na medida do possível, os preparativos.
E foram às compras. Móveis, cortinas, enfeites, roupas...
Era uma experiência nova para ela. Nunca tinha sequer olhado para uma loja de artigos infantis, mas se entusiasmou e caprichou nas compras.
Nessas ocasiões, encontrava muitas futuras mamães, algumas jovens exibindo orgulhosamente o barrigão, outras mais velhas, discretas, usando batinhas, todas tagarelando, fazendo planos, escolhendo coisas, e ela se sentia deslocada com sua cintura fina da qual sempre se orgulhara.
Brincou com o Guilherme:
- Acho que devo usar uma barriga postiça!
- Não é preciso. Sua filha não está na barriga, está no coração.
Guilherme ficava feliz vendo-a interessada na filha que ia chegar e cumulava-a de carinhos o que agradava Angélica há tanto tempo carente de atenções do marido.
Entretanto, a idéia de ser mãe ainda não tinha sido assimilada por ela. Momentos havia em que se sentia pressionada, levada a uma situação que não escolhera. Havia em seu interior um verdadeiro conflito de sentimentos.
Quando comunicou aos parentes e amigos a sua decisão de adotar um bebê notou certo espanto:
- Não acredito! A esta altura da vida! Se queriam um filho porque não adotaram quando eram mais jovens?
Esta era mais ou menos a primeira reação de todos, explícita ou velada.
Logo após, vinham as felicitações, as frases feitas, as considerações de quanto os filhos são importantes na vida de um casal, etc.
Angélica percebia que todos desconfiavam da origem do bebê e isso a deixava irritada. Era desagradável a sensação de estar fazendo papel de boba, mas não podia ficar proclamando o que acontecera e os motivos pelos quais engolira aquela pílula.
O quartinho do bebê ficou lindo, mas Angélica pedia a Deus que alguma coisa acontecesse para impedir que sua pequena moradora viesse ocupá-lo.
Deus, entretanto, não ouviu a sua prece, pois, como sempre, tinha melhor plano para ela.
No dia do nascimento Guilherme estava agitadíssimo e Angélica em brasas. Chegara o momento temido. Dali a pouco haveria um bebê dentro de sua casa e, por muito que quisesse, não ia poder ignorá-lo.
Resolveu sair. Foi para uma cidade de veraneio e só voltou três dias depois.
Entrou em casa temerosa sem saber bem por quê. De repente, não sabia como agir, o que fazer.
A casa estava silenciosa. Pela porta aberta pode ver a babá sentada no quarto da bebê, velando-lhe o sono.
Entrou devagarzinho, pé ante pé, como se o mais leve ruído fosse quebrar alguma coisa muito importante que estava acontecendo...
Aproximou-se do berço e olhou.
A menina abriu os olhos e começou a se agitar.
Ela curvou-se devagar e, cuidadosamente, a levantou, desajeitada, trêmula, temerosa de causar-lhe algum desconforto. E todo seu ser foi se invadindo por uma sensação nunca antes sentida.
De repente, não importava mais quem seriam os pais biológicos daquela criança, nem tampouco, o que os outros podiam estar pensando ou falando.
Esterzinha era a filha dela! Dela e do Guilherme!
Eles agora eram realmente marido e mulher e tinham uma família para zelar.
E, que se danasse o resto!