Três pequenas histórias de amor.

POR UMAS DUAS MIL MANHÃS

Ele nunca lembrava dela nem sabia quem era a mulher que deitava ao seu lado. Isso porque sofrerá um problema quando criança, a sua memória só durava um dia. Só havia espaço para uma pessoa e esta era Karina. Ao acordar dizia – eu não sei quem você é, mas saiba que és a mulher mais linda do mundo – ela respondia – sabe quantas vezes você já me disse isso – calado pensava – não – ela suspira, dá um cheiro na testa dele e continua – pois é – ele por sua vez volta ao assunto, fica em pé na cama e grita em bom tom – por isso eu digo que és a coisa mais linda que existe, fala e respira no mundo.

Ele só conheceu uma mulher na vida. Nunca se lembrava de outra por sua memória falha. E assim foram felizes, ele todo dia esquecendo dela e de sua vida, porém acordava dizendo como se fosse à primeira vez – eu te amo – e Karina anotava. Agora são cem bilhões e trezentos mil, te amo, isso em onze anos.

***

TRÂNSITOS AMÁVEIS.

Num engarrafamento infernal,]o motorista de ônibus e a passageira que se encontrava ao seu lado, proprietária de uma excelente bunda. Trocavam longas olhares e uns sorrisos safados. O motorista, um camaleão que mantiam seu olhar em duas direções um no trânsito e a outro na bunda da mulher. Ele assobiava deslizando sucessos populares. Enquanto isso a esperta, justinha dentro da calça, ela aproveitou seu olhar pidão e disse que não ia pagar a passagem. O bigode do cobrador se armou contra a tal gostosa e ela elevou seu olhar à autoridade maior. O motorista. Esse por sua vez freava violentamente de propósito só para saber se os seus seios fartos são moles ou firmes. O terminal dela estava próximo ou pagava a passagem ou ficava presa dentro do ônibus. Com o cobrador não tinha acordo, o jeito era pegar o motorista.

Finalmente o trânsito livre, carros vão e vem. Menos o ônibus que atravessou avenida e engarrafou o fluxo no sentido subúrbio. O motorista iluminado de desejo levantou e tascou um beijo na gostosa. Ficaram ali, por longos dois minutos. Alguns ilustres palhaços de plantão clamavam – aí motor; é hoje né pai; mata o veio danada; mais que motorista cabra safado deixe para chambregar depois felá da p... – outros ficaram calados e aplaudiram. A moça com ar de risonha ficou toda envergonha. O cobrador baixou seu bigode de vez – o que ta olhando? disse o motorista - para mim ela já pagou a passagem – então o motorista abriu a porta e ela desceu se equilibrando no salto. Conferiu as moedas que tilitavam em suas mãos. Já sonhava com o pão e o café da noite.

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A IMPORTÂNCIA DA CHUVA NA CARA.

As águas se aproximam lentamente até ele pouco a pouco vai se conformando, seu destino era encarar a chuva. Certamente irá se molhar e depois ficar sufocado dentro do ônibus com janelas fechadas. A metade da população estava molhada, metade desabrochava guarda-chuvas. Não durou muito para a poça d'água tocasse seu sapato, encolhido e acuado. O jeito era se molhar. Pingos e pingos caiam, até avistar uma amiga, uma paixão antiga, ela também estava toda molhada. Os cabelos compridos e encharcados pareciam um macarrão recém saído do forno. A roupa justa, ensopada e os bicos dos seios apontando arrepios. Ela estava sorrindo e ele olhando dando um reles olá – vem pra chuva seu besta – disse ela.

Quando crianças respeitavam a importância da chuva na cara. Fechar os olhos enquanto gotas mergulham para o chão, era como voar pelo céu, deslizando entre um bilhão de nuvens – pula na poça, o que custa? Vamos? Você não vai se afogar. Ele sorriu, olhou para o céu e reprovou o convite. Agora ele já não é mais criança para correr na chuva e ficar doente, nem pensar. Então ela tomou uma atitude tirou os saltos e pisou na lama como se fosse um belo rio. Ele ficou chocado – será que a vida é isso? Hein? Responda-me. A vida é ter medo da chuva? Seu frouxo, frouxo e gambá. Onde já se viu um homem deste tamanho ter medo de água – todos prestavam atenção na pequena discussão. A maioria estava embaixo de sacadas ou de guarda-chuvas. Quando um trovão soou como a trombeta de Gabriel, ele pulou na poça, pegou na sua mão e foram correndo até o fim da rua. Sorriam

E continuaram a sorrir até a barriga doer, e depois os músculos do rosto. Quando seus lábios ficaram bastante encharcados. Resolveram enxugar-se um no outro. E assim se estia a tempestade de qualquer coração.

Aldemir Suco
Enviado por Aldemir Suco em 29/06/2009
Código do texto: T1673675
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