Escadaria de prédio

As mãos tremiam e o coração palpitava enquanto ela descia a escadaria do prédio. 13 andares não parecem ser muitos quando se corre apressada pelo pânico de estar sozinha em casa em pleno apagão elétrico.

Não sabia ao certo o que acontecera. Assistia a algum episódio daquele seriado que era seu preferido quando, repentinamente a TV e todas as outras luzes da casa apagaram - por sinal, se aquele não fosse um reprise, provavelmente estaria mais irritada com o fato de estar perdendo-o do que com seu medo de escuro.

Estava no sétimo andar quando...

- Ouch!

- Ôoopa! Calminha aí!

- Me desculpe, ah, mas... aaaahhh... quem está aí?

- É Pedro, moro no oitavo.

- E onde estamos? Digo... em que andar?

Falava enquanto descia à frente de Pedro, ainda apavorada.

- Espera mocinha, vai acabar se machucando com tanta pressa, está muito escuro! Qual seu nome?

- Lívia. Em que andar estamos? Bem abaixo do oitavo, certo?... Se você saiu de lá, ou não... sei lá, qual andar?

- Tá muito assustada, tem medo do escuro? Quando nos esbarramos estávamos no sétimo, porque eu tinha descido uma leva de escadas. Agora devemos estar no terceiro talvez... aliás, você deve estar no segundo porque parece um papaléguas. Quer me dar a mão e se acalmar?

- Não obrigada. Me ensinaram a não pegar doce de estranho, quer dizer, não dar a mão. Nem enxergá-lo posso! Fique quieto e continue descendo.

- Ah (rsrsrs) não pode me dar a mão, mas está preocupada com minha velocidade de descida? Estou indo na tranquilidade... o bicho papão que está atrás de você não tá me perseguindo não...rsrsrsrs

- Ok, fique aí.

...Buuum!

- Au!!!! Ai aiai aiaiaiaiaiai!!

- Que foi, tá tudo bem aí, caiu?

- Ai, acho que quebrei meu dedo!

- Que dedo? Onde?

- A porta está trancada!

- Que porta? Do térreo? Não pode ser, estamos sem força, pessoas descem pela escada quando não tem energia!

- É a droga do Zé! Destraído! Socorro! Zé! Abre a porta da escada. Estamos no escuro!

- E o dedo?

- Ai, acho que é meu pé inteiro!

- Então é o dedo do pé?

- Não é meu indicador. Mas acho que quebrei meu pé também.

- Rsrsrs...vem cá, dexa eu ver, sou médico.

- Claro, e eu sou a Madonna!

- É verdade sua boba. Acabei de me mudar para o prédio porque fui transferido para a clínica que fica aí no quarteirão ao lado. É boa esta região não? Tem um bom comércio, mas ainda tem charme de residencial... ah, mas dê-me aqui, deixe-me ver. Cadê você? Segue minha voz.

- Até parece! Não! Sozinha no escuro com um estranho, na na ni na não. Médico? Hã! Zééé! Abre a porta! Ai!....Que ódio!

- Pare de esbravejar, são duas e meia da manhã... o tal Zé deve estar dormindo. Me dê aqui, não precisa ter medo.

- O Zé não dorme. Não, sai, não!... Aaaaaaai! Filho da...!

- Ihh, deve luxado a articulação desse dedo, mas não tá quebrado não. Deixa ver seu pé. Sente-se em algum degrau com calma.

- Não vou me sentar droga nenh.....saaaai, sai!

- Pronto, se quiser ser teimosa eu te sento. Dê-me aqui o pézinho princesa.

- Princesa?! Meu Deus!

- Rsrsrs, modo de falar! Cinderela e o sapato, princesa por uma noite, pézinho, lembra? Conhece os contos de fada também ou só o monstro do armário?

- Não tem graça. Aaaaaaaaau! Cuidadooooo!

- Hummm... isso vai ficar feio. Procure não se mexer.

- Imagine, o Zé tem que abrir esta porta! Zéééé! Zéééé!

- É, é provavel que ele não abra, e que você não consiga subir nem até o segundo andar. Posso te fazer companhia, ou então....

- Ou então o que?

- Subo para a casa e você espera o tal Zé aí.

- Não, por favor não! Não me deixa aqui sozinha no escuro. Ele vai me ouvir logo, deve ter se levantado para ir ao banheiro ou sei lá. Fica... por favor?

Quando ela cansou de gritar, porque ninguém havia de resgatá-los ali pela madrugada, eles puderam conversar. Ela contou de sua vida, e ele contou da dele.

Lívia era publicitária, linda e bem sucedida. Trabalhava em uma agência famosa e talvez se mudasse para Milão durante o verão. Morava sozinha, e apesar disso, era muito medrosa. Durante algum tempo teve um gato, mas ele adoeceu, e quando morreu sua dor foi tamanha que decidiu nunca mais comprar outro animalzinho. Seu programa predileto era devorar biscoitos com coca-cola, esparramada em seu sofá.

Pedro era médico formado no Pinheiros. Além de muito inteligente e talentoso, era uma simpatia de pessoa. Bem arrumado e carismático, idealizava o genro que toda mãe de menina pediu a Deus. Gostava de cozinha contemporânea, de um bom vinho e de sessões de cinema em casa, embaixo do cobertor. Festas e noitadas não faziam seu gênero e colegas de trabalho estavam sempre ocupadas ou estressadas demais para um jantar a dois. Por isso, Pedro foi se aceitando como consequente solteiro.

Aos poucos ela foi se soltando e dando até gargalhadas. Passadas algumas horas, o frio começou a ficar latente e Lívia pediu a Pedro um casaco. Ele disse que tinha apenas o que vestia, o que era só uma blusa de manga, não usava nada por baixo dela.

- Vem cá, encoste-se em mim. Vai te aquecer, descansar um pouco as costas e apoiar melhor este pé. Me dá a mão com cuidado... aqui.

- Não, não precisa se preocupar.

- Deixe de ser arredia. Escosta aqui.

- Arredia?! Há!

Hesitou por alguns minutos, mas não demorou a ceder. Além do frio e da dor que sentia, algo lhe tentava a encostar-se em Pedro. Talvez fossem as histórias que ele contara (como era interessante! Seria tudo verdade?!). Sem mais questionamentos encostou-se nele, e em seguida descansou a cabeça em seu peito. Ele foi se ajeitando devagar e passou o braço em volta dela, que esteve estática por alguns segundos e depois relaxou. Sentia no peito um calorzinho de felicidade.

Pedro pegou a mão que tinha o dedo machucado, e começou a massagear em volta dele.

- Está inchando. Talvez isto ajude.

Ficou por alguns minutos mexendo com a mão de Lívia, mas algo o encorajou à ousadia de massagear além das mãos. Pegou em seu punho, subiu para o ante-braço, braço... ombro. Quando aproximou-se do pescoço e da nuca dela, pode perceber o coração de Lívia disparado. Colocou a mão em seu colo como quem vai conferir o ritmo dos batimentos.

- Que foi, está ruim?

- Nã...

Gruniu ela baixinho, como negação. Pedro então voltou agora as duas mãos para a nuca de Lívia, embora mantivesse ainda seu braço envolto nela. Ela virou se voltou pra ele, aproximando-os. Estavam quase encostando as faces. Pedro continuava a mexer então com seus cabelos, e a pegá-la pela nuca. Foi quando ela soltou um suspiro, que ele encostou seu rosto no dela, arriscando “beijinhos de esquimós” com a pontinha do nariz. Ele levou uma das mãos até ela, passando com calma e leveza por todo seu rosto, como quem quisesse conhecê-la naquela escuridão. Ela fez o mesmo. Ao tirarem as mãos, ele encostou os lábios na maçã do rosto dela, e passando-os devagar, foi descendo até o canto de sua boca. Ela suspirou baixinho novamente. Agora o coração de ambos estava disparado. E em segundos, selaram um delicioso e aquecido beijo.

Pareciam tremer. Apressaram seus movimentos de repente, como dois amantes que não se viam há muito tempo, e tinham urgência de matar as saudades. Não se cabiam em si. Estavam em plena explosão de química, de desejo, paixão repentina.

As peças de roupa começaram a cair pelos degraus da escada. Ele tomou-a sobre si para que ela não ficasse desconfortável - já que ele nem mesmo podia sentir se havia desconforto. Despreocupados com qualquer consequência, fizeram amor ali; na escuridão da escadaria do prédio. Ao final, ele vestiu-a com seu blusa, e a acariciou até que adormecesse em seus braços. Para Pedro, estava tudo bem, tudo muito, muito bem. Para Lívia, melhor ainda.

Acordaram com a chamada de Zé, à porta que estava trancada algumas horas antes. Levantaram-se, com um sorriso no rosto comum aos dois e dirigiram-se a seus apartamentos. Bem, primeiro ao apartamento dela, e no outro dia ao oitavo andar. Segiu assim até completarem os três meses que levaram Pedro carregar suas tralhas para a casa de Lívia.

E então, havia sessão de cinema em casa todas as noites. Biscoitos e coca para ela, um bom vinho para ele, e muita paixão e aconchego para os dois.

Larissa Godoy
Enviado por Larissa Godoy em 29/06/2009
Reeditado em 11/01/2010
Código do texto: T1673502
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