Bernardo
BERNARDO
O dia amanhecera nublado, contrariando as previsões metereologicas do Jornal da Noite anterior. Estava-mos em pleno verão e o dia parecia noite, o galo da morada ao lado cantava seqüencialmente como se anunciasse o dia, mais o sol não aparecia e, para ele, a noite era intermináveis, não muito longe, um cachorro esqualido, couro e ossos, perambulava pelas calcadas farejando latas de lixo vazias em busca do primeiro alimento do dia. Na Rua Herculano Parga, cruzando a Jacinto Maia, as pessoas de sacolas na mão desciam a ladeira em direção ao mercado central, de construção secular, mal cuidado e sujo, onde os compradores disputavam as passagens com enormes ratos que de lá fizeram as suas moradas. Do lado direito os açougues ostentando carnes pendentes em ganchos, respingando sangue no azulejo outrora branco, mais que agora, ostentava uma cor marrom, a própria sujeira.
Seguindo os açougues logo apareciam os Box de peixes, camarões, mexilhões e caranguejos e o chão molhado da lavagem exalava uma fedentina insuportável. Dispostas no centro, dezenas de barracas imprensadas uma noutra e com prateleiras de velhas taboas e pregos enferrujados, mostravam latas de óleo, sardinhas e salsichas, no chão, cofos, barris de ferro e latas de querosene armazenavam a farinha, arroz, feijão e tapioca, elementos indispensáveis na alimentação. Em um balcão ensebado, poeirento e sujo, um gato, próximo a balança de duas bandejas dormia preguiçosamente, dentro da barraca, sentado em um pequeno banco e com os pés enormes espalmados sobre o balcão estava Bernardo, caboclo atarracado, mestiço de feições grossas e maneiras extravagantes, aguardava calmamente os fregueses. Afinal, sentia-se muito bem naquele negocio, ganhava o pão de cada dia, também não tinha grandes ambições.
Fazia seis anos que chegara do Ceará, trabalhava como estivador no Porto de Fortaleza e, quando carregava um Navio cujo destino era o Maranhão, aproveitou um descuido da tripulação e escondeu-se junto a carga e assim chegou a terra de Gonçalves Dias, como clandestino.
Bernardo já era alfabetizado e até tinha carteira de identidade, viverá só em Fortaleza, no Cais do Porto, não conhecera os pais, fora criado por uma rendeira e tratado como um cão até os 14 anos, quando resolveu dar o grito de liberdade e trabalhar para viver, economizar algum dinheiro e poder ter uma barraca igualzinha a de Cícero, um barraqueiro do Mercado São Sebastião para quem fizera alguns trabalhos como estivador. Passava o dia inteiro carregando e descarregando cargas dos navios, a noite dormia e se tinha algo a fazer, uma mudança, pintar a casa, consertar o telhado, utilizava-se de Bernardo que prontamente ajudava ao amigo. Todo o dinheiro que Bernardo ganhava, era entregue a Gilberto, que solicitava que o mesmo assinasse uma caderneta para controle, pois quando requisitasse a conta fecharia no valor exato da poupança.
Bernardo já tinha 26 anos, pés rachados e descalços, somente usava uma sandália de rabicho quando ia a casa de Gilberto. Possuía duas calcas de brim que ficavam curtas em seu corpo, duas bermudas amarradas por um cadarço de tão folgadas eram e quatro camisas rasgadas e velhas por muito tempo de uso pelo doador e por Bernardo.
Apesar da vida simples e difícil que levava, Bernardo sonhava, acordava rindo quando o sonho era que ele estava com roupas novas e calcados, que era comerciante e possuía uma barraca no mercado e até tinha um relógio Lanco no pulso.
Entre muitas pessoas que conhecera no Porto, um dia, na hora do almoço, conversou com Irineu, um velho estivador, um negro enorme, com aproximadamente 1,80 m de altura e forte como um touro. Irineu já passara dos 40 anos , era do Maranhão, mais estava em Fortaleza desde os seus 10 anos. Já possuía casa, mulher e uma penca de filhos, mais ainda lembrava das histórias que o seu pai contava a respeito da sua terra, da fartura de alimentos, terras férteis e da facilidade de ser dono do próprio negocio. O velho Francisco como se chamava o pai de Irineu, havia migrado para o Ceará, quando centenas de cearenses faziam a mesma viagem rumo ao Maranhão, e não por dias melhores, mais fugindo de brigas e rixas as quais se envolvera e os inimigos o haviam jurado de morte.
Durante muitos dias Bernardo ouviu as histórias de Irineu e agora sonhava acordado, vivia sorrindo. Estava próximo, iria para aquela terra longínqua e recomeçaria a vida de forma melhor, como respeitado comerciante, seria dono de uma barraca no mercado central.
Conversara com alguns comandantes de navios que zarpariam para o Maranhão, e a resposta era sempre a mesma, não! Mesmo assim, Bernardo fazia favores aos marinheiros como comprar bebidas e cigarros e até arranjar prostitutas para eles.
Cansado de esperar por uma chance de viajar, conversou com Gilberto, pegou o dinheiro de suas economias que representava uma pequena fortuna, falou com Nosly, um marinheiro do Estrela do Oriente porão. O amigo Nosly, o marinheiro levava comida e água em uma viagem que durou 10 dias. Era o ano de 1942, no auge da segunda grande guerra mundial, os submarinos alemães já haviam posto a pique diversas embarcações na costa do Maranhão e as suas metralhadoras fuzilavam os sobreviventes. Era uma viagem de alto risco.
Na manha de 19 de agosto de 1942, o estrela do Oriente aportou em frente a Av Beira Mar em São Luis. A praticagem do porto que não era porto orientou quanto ao fundeamento e as ancoras foram lançadas.
Dentro de algumas horas as barcaças começariam a descarregar o Navio, que trazia tecidos, enlatados, quinquilharias e até querosene. Sabiamente Bernardo misturou-se com os estivadores e antes das duas horas da tarde estava em solo maranhense. Andou pela feira da Praia Grande, perguntou onde ficava o Mercado Central, para onde foi, andou em todas as barracas de gêneros alimentícios, perguntou quanto custava uma, até mesmo para aqueles que não desejavam vender, ficou sabendo quanto custava e até se interessou por uma que pertencia a um Paraibano que retornaria a João Pessoa e queria vender totalmente livre e desocupada e abaixo do preço de mercado. O paraibano de nome Geraldo, foi até a administração do mercado central, efetivaram o negocio, Bernardo pagou, recebeu as chaves e rumou para a Praça João Lisboa, abriu uma conta na Caixa Federal, solicitou informação sobre uma pensão e foi bater as portas exatamente na hospedaria de dona Elisabeth e seu Raimundo, um casal de cearenses que haviam comprado um casarão na Rua 28 de Julho, abrigara a família de muitos filhos e ainda sobrou lugar para ganhar algum dinheiro com a Pensão. Bernardo sentiu-se em casa, tudo gente boa e honesta, que daí em vante lhe ajudariam em tudo.
No dia seguinte foi a Rua Grande comprou roupas e calcados, então, percorreu os grandes armazéns de gêneros alimentícios tanto na Praia Grande quanto no João Paulo em busca do melhor preço. Estocou a barraca, limpou o Maximo que pode, pintou e mandou colocar em cima a inscrição “Bernardao, o Rei do preço bom”
Estabeleceu preços menores que a concorrência e logo ganhou no seu espaço. Em pouco tempo dobrara o capital. Como tinha muitos clientes doutores, resolveu estudar e fez até o segundo grau na Escola Técnica de Comércio do Maranhão na Rua Afonso Pena, tendo terminado o curso de Técnico em Contabilidade.
Passaram-se dois anos, Bernardo adquiriu a barraca ao lado e aumentou o comércio, foi preciso arrumar um auxiliar, trouxe então Luis filho de dona Elisabeth para lhe ajudar. A vida ia de bem para melhor, comercio grande, ele já havia comprado uma casa na Rua da Inveja, próximo ao Mercado, mandara reformar, pintar, mudou as portas e janelas, mais se negava a mudar da pensão, ali, experimentara uma sensação gostosa e segura do que era ter uma família. Na pensão seguramente ele via em seu Raimundo e dona Elisabeth os pais que não conhecera e nos filhos do casal, seus irmãos. Agora, de vez em quando percorria a Zona do Meretrício que ficava nas proximidades , na companhia de Zeca e Luis, tomava umas cervejinhas e se deitava com as putas.
Os anos se passaram, Bernardo agora seu Bernardo, comerciante prospero e respeitado, já beirando os 40 anos, jamais tivera uma namorada, deitava com as putas, fazia sexo e pagava, mais estava na hora de ter uma família. Onde conseguir uma namorada? Freqüentava a zona, as mulheres dalí não dariam uma boa esposa. Ia a missa aos domingo a tarde na Catedral da Sé, nunca fora a nenhuma festa, não era sócio de nenhum clube social então, onde conseguir uma moca direita.
Aquele dia nublado e que ameaçava um forte temporal o deixara melancólico, pela primeira vez na vida sentiu vontade de deixar o comercio com Euzébio, seu novo auxiliar já que Luis o deixara, agora tinha uma barraca no térreo do sobradao e ir para o seu quarto na pensão. Não havia motivo, mais se sentia triste, voava em pensamentos quando dona Joana, freguesa antiga, brincando bateu no balcão, acorda Bernardo. Ele passou o dorso da mão ao rosto e respondeu, o que vai ser hoje minha patroa? Dono Joana lhe entregou uma lista e o mesmo passou a aviar. Ele nem havia visto que dona Joana se encontrava acompanhada, quando uma voz feminina e suave disse: não esqueça o sal madrinha. O olhar de Bernardo movimentou-se e ele pode ver uma morena encantadora, teria 19 anos, tipo pequena, cabelos lisos e sedosos lhe caiam aos ombros, olhos negros e penetrantes, nariz afilado, boca delineada e sensual e um par de pernas grossas e torneadas que deixou Bernardo letárgico, no que dona Joana sem nada entender disse: o sal. Desculpe, senhora aqui está. Ele tirou o lápis da orelha, fez a conta e deu o preço, recebeu, então, dona Joana falou. Bernardo, essa é Letícia, minha sobrinha, ela veio de Bequimao para morar comigo e estudar para ser professora. Ele estendeu a mão e disse, prazer senhorita, sorte a minha de conhecer tão bela jovem. Letícia corou as faces, abriu um lindo sorriso, mais nada falou.
Bernardo realmente ficara impressionado, em sua cabeça chata de nordestino já fazia planos, mais não poderia se precipitar, aguardaria uma nova oportunidade para acertar aquilo que seria o inicio de procedimentos que poria fim a sua solidão.
As 14 horas cerrara as portas do comercio e fora para a pensão. Um banho gelado, depois uma sopa quente e as conversas na grande mesa que comportava mais de 20 pessoas. O dia terminara como começou, nublado, sem sol, porém não chovera. Os dias que se seguiram tiveram conotação idêntica, mais ao irromper o sábado o sol veio todo brilhante, irradiando alegria e, com ele também as pessoas, para Bernardo, o melhor ainda estava por vir. Letícia, naquele dia foi ao mercado sozinha, dona Joana, acometida de gripe não pudera ir. Letícia, ao contrario de dona Joana, que antes comprava carne, foi direto ao comercio de Bernardo, que feliz da vida a atendeu, guardou as compras atras do balcão, disse a Eusébio para tomar conta e acompanhou Letícia nas outras compras, conversaram, gostaram um do outro e, marcaram um encontro na missa de domingo na Igreja do Carmo. Daquele momento em diante, Bernardo era outro homem, vivia assobiando, rindo a toa e até dando pulinhos.
Domingo finalmente chegou, ele abriu a barraca quando ainda era madrugada, trabalhou até as dez horas, entregou o negócios as responsabilidades de Eusébio, foi até o Salão São Bento que ficava do lado de fora do mercado, arrumou o cabelo, fez as unhas e a barba e dirigiu-se até a Casa Pinto na Rua Grande, comprou novas vestes, perfume francês e retornou ao comércio por volta das 13 horas. Fechou as portas e dirigiu-se até a Pensão. Almoçou, deitou-se repousando até as 15 horas, tomou banho de água fria e perfume, vestiu-se e seguiu para o encontro. A missa ainda não começara, seus olhos percorreram toda a Igreja a procura de Letícia, impacientou-se e percorreu a Igreja até ao altar, quando já desesperancoso viu uma mão macia segurar o seu braço e chamar pelo seu nome. É que ela estava de véu e ele não a conhecera. Seu coração quase saltara de tanta felicidade, sentou-se ao lado dela, tomou-lhe as mãos como fazem os namorados e assistiu a celebração feita por um Frade Capuchinho. Do lado oposto, dona Elisabeth, dona da Pensão que era franciscana, vestida a rigor, com hábito, cordão e outros aparatos, olhou o casal e sorriu disfarçadamente.
Ao terminar a missa, o casal foi tomar sorvete no bar do hotel central, fizeram planos, trocaram juras de amor, sempre de maos dadas. Leticia falou que ele poderia acompanha-la até em casa, pois não havia escondido do dona Joana a respeito do encontro. Então, o casal dirigiu-se para a Rua das Hortas onde morava dona Joana, Bernardo foi bem recebido, aceitou a um café, falou das suas intenções e recebeu a permissão de dona Joana para cortejar a donzela no corredor da casa. Ao se despedir, veio o beijo na boca que deixou Letícia toda molhada e Bernardo viu a sua terceira perna subir até tocar o umbigo, um misto de êxtase e prazer tomou conta do casal.
Bernardo retornou a pensão, recebeu de dona Elisabeth o seguinte comentário: moca bonita! Ele sorriu e nada disse. Nos próximos dias ele foi namorar Letícia, os beijos, caricias já tinham tomado o tom da ousadia. Dona Joana ficava entre um pé e outro, considerava-se a guardiã da honra da moca, mais não era só Bernardo que queria, Letícia estava disposta a possuir o amado, te-lo por inteiro, ela ruborizava e tinha ataques histéricos só de imaginar que Bernardo se excitava com ela e gozava na zona, com as putas. Era difícil de aceitar, ela tinha logo que resolver , estava cansada de ser dama de companhia de tia Joana e queria Bernardo, um lar, uma vida <a dois, uma família... Esperou até a noite chegar, Bernardo entrou e ela não quis sentar no corredor como sempre, pegou-lhe a mão e levou-o até a grande varanda da casa, dirigiu-se a dona Joana. Madrinha, o Bernardo quer lhe falar uma coisa. Bernardo sem graça perguntou, o que Lé? Então, ela falou por ele: bem tia ele quer me pedir em casamento. A velha senhora ficou atônita por uns instantes, depois disse: não e cedo demais, mal se conheceram? Retrucando, Letícia falou, não e não, tia, nos amamos e queremos um ao outro não e, disse tocando Bernardo, que assentiu com a cabeça.
Joana incrédula, disse, e, então vamos providenciar os preparativos, no começo vocês vão poder morando comigo. Letícia interrompeu e disse, não madrinha, agradecemos mais já temos uma casa. A velha fez um semblante triste e pronunciou. E eu! Ficarei sozinha nesse imenso casarão? No que Bernardo interveio, nada disso dona Joana, a Senhora vira conosco. Há, meu filho, arvore velha não se muda, nesta casa eu já moro há cinqüenta anos, nunca casei so tenho esta menina, agora ela casa, vai embora, o que sera de mim?
Bernardo e Letícia ficaram calados sem entender. Dona Joana sempre morara so com uma empregada, fazia dois anos que tinha ido a Bequimao e trazido de la Letícia para morar com ela, pois a mãe da mesma falecera e a moca havia ficado desamparada. Curioso e que Letícia tinha mais dois irmãos, Claudia e Roberto, mais Joana somente se interessou por Letícia, Qual seria a razão?
Agora a mente de Letícia povoava duvidas, inclusive sobre a atuação da Juíza Joana, que quando na ativa era conhecida pela dureza como tratava as pessoas que tiveram a infelicidade de serem interrogadas por ela e, principalmente julgadas. A noticia que corria nos jornais era de julgamentos terríveis onde por muitas vezes jogara ao calabouço pessoas totalmente inocentes e noutras absolvera facínoras, porque estava a serviço de um grupo político. Sem perceber e saindo do êxtase Letícia disse, porque a senhora não traz a Claudia? Mais ela não e nada para mim afirmava Joana. Como tia, se a Claudia e minha irmã ela e também sua sobrinha, ou não? Joana caiu em prantos e dizia, e castigo, eu não suporto mais, e cruel guardar durante tantos anos um segredo que representa o meu maior sofrimento. Bem, agora não tem mais como continuar com essa mentira vou contar a verdade e seja o que Deus quiser. Meus filhos, o que vocês vão ouvir agora e a mais pura verdade, não peco que me perdoem ou compreendam, apenas ouçam.
Há vinte e tres anos, eu não era essa velha que sou, durante toda a minha vida sempre me preocupei com a minha carreira e jamais tive tempo para pensar em homens, mais eu sou uma mulher e era minha jovem, não obstante a minha função na época, que era de Juíza Corregedora, eu tinha os desejos que toda mulher tem, mais que sempre acabaram no confessionário da Igreja da Se, sendo eu assídua nas missas e nas reuniões da Paróquia, em inicio da primavera eu conheci o frei Bráulio, um paulista de Jundiaí que haviatrocado a profissão de engenheiro para seguir passos de São Francisco de Assis. Tiemos uma forte atração pelo outro e acabamos fazendo sexo, uma única vez, eu estava em período fértil e engravidei. Procurei Bráulio para lhe falar e ele disse que nada podia fazer. Uma semana depois soube que ele havia sido transferido para Petrolina em Pernambuco.
Com a barriga crescendo, os pés inchados, eu já não era tão jovem para ter o primeiro filho. Para fugir aos comentários, mandei buscar Julia, sua tia quem te criou e fui com ela para o Rio de Janeiro, onde fiz o parto e passei o resguardo e pedi a Julia que me prometesse cria-lo como a uma filha e dizer a todos ser sua que eu manteria de tudo, o que na verdade acabei não cumprindo e assim foi feito. Varias vezes após você ficar mocinha, eu pedi que ela me entregasse que eu poderia dar uma educação melhor e também condição social, mais a mesma disse te amar como filha e que ela estava cumprindo um trato.
Após a morte de Julia eu buscar você e teria trazido também Claudia e Roberto se eles ainda não tivessem definição de vida. Como você sabe, Roberto e comerciante e já tem família, Claudia, noiva e quase casada, felizmente você que e exatamente a minha filha, Deus preservou para mim.
Letícia que ouvia atentamente a cada palavra, franziu a testa, adquiriu um ar de seriedade e com uma explosão de ira, falou, quem a senhora pensa que e, para seduzir padres, usalos em orgias de prazer e depois ocultar o fruto do seu pecado, sua própria filha, como se ela fosse uma mancha na sua impoluta carreira?
Quantas vezes em sua miserável vida, você retornou ao passado em pensamentos, para se arrepender de suas maldades? Ou quantas vezes você pensou que tinha uma filha, que poderia estar doente em um interior sem recursos médicos ou mesmo com fome e sem ter o que vestir, se estudava, tinha livros ou um lápis? Certamente nunca, você galgou o posto mais alto da magistratura, vivia rodeada de falsos amigos e hoje, nem sair so pode, teme a própria sombra porque fez muitas maldades. De que adiantou tanto poder, dinheiro, fama? Você era uma maquina de destruir famílias, lares, profissões, por fim, destruiu a se mesma. O que quer agora, que eu chore, corra para os seus braços e te chame de mãe? Não, Doutora Joana! Eu não farei isso, porque sou diferente de você. Eu tive uma mãe que era uma grande mulher e o seu nome era Julia, repudia-me o simples pensar que fui gerada no seu útero, mais para não ser totalmente ingrata devo agradece-la pela chance que me deu de conhecer Bernardo, essa pessoa maravilhosa que em poucos dias sera meu esposo.
Agora devo arrumar os meus pertences e deixar essa casa, não levarei nada que você me deu para não mais lembrar de você Dra. Joana. Viva a sua vida, leia os recortes de jornais quando te elogiavam, exiba em exposição os troféus que ganhou com a desgraça de muitos e, viva ou morra com a sua consciência suja, pois a única coisa boa que podias ter, uma filha, trocastes por uma aparência de pureza e honestidade que nunca possuístes.
Dava pena ver o estado de comoção que ficara dona Joana, ajoelhada no chão, implorando, filhinha, me perdoe, eu errei, não me deixe. Como Letícia não deu a mínima atenção, quando o casal e uma mala cruzava o segundo corredor, Joana levantou-se, impávida como se nada tivesse acontecido e esbravejou como um trovão, nem parecia aquela senhora que a pouco chorava, implorava por perdão, agora era a Dra. Joana, dando o veredicto. Vão, podem ir, casem-se e tenham uma penca de filhos favelados e não contem com um centavo meu. Agora quem falava era Bernardo que ate então so ouvira, não se preocupe dona Joana, pois a senhora nem mais como freguesa eu quero, temo que a sua presença seja nociva ao meu estabelecimento e que Deus tenha piedade de sua alma.
Bernardo levou Letícia para a pensão, pediu a dona Elisabeth para deixa-la no quarto de suas filhas por enquanto. Compraram moveis para a casa, prepararam a festa de casamento, que realizou-se na Igreja dos Remédios, seu Raimundo entrou com Letícia e dona Elisabeth com Bernardo, foi uma bela cerimônia e a lua de mel se deu mesmo na residência do casal na Rua da Inveja, eles ganharam muitos presentes, mais o melhor ainda estava por vir, no primeiro dia de trabalho após a lua de mel, Bernardo ao conferir um bilhete da loteria federal que havia comprado, descobriu que era o único ganhador de um premio milionário, estava rico. Logo se tornou o maior atacadista de gêneros alimentícios, sempre trabalhando, junto com a mulher de dedicado a família.
Doutora Joana, a Juíza, perdeu por completo a razão, começou a implicar com vizinhos, dispensou a segurança da policia militar que tinha direito, isolou-se em casa, as empregadas haviam ido embora. No domingo, jornaleiro e leiteiro encontraram-se para receber o dinheiro do fornecimento semanal, os vizinhos nada sabiam, chamaram a policia que entrou na residência, encontraram tudo revirado, moveis, livros, quadros e roupas e na cama, Joana jazia, enforcada com a prorpia calcinha e na parede branca escrito em carvão: Condenastes inocentes;
Mentistes, prevaricastes, roubastes, destruístes famílias, profissões, vidas, eis o teu castigo.
Nenhum herdeiro abilitou-se ou pronunciou, o Estado tomou conta do casarão, dona Joana, a Juíza, foi sepultada como indigente.
Quem a matou? Quem na vida fez tantas maldades, tantos inimigos gratuitos angariou, quem?
Tanto na vida como na morte os caminhos sempre se cruzam, assim como o amor e o ódio andam de mãos dadas, mesmo sabendo que o bem sempre vence..., Comprovando isso, o dia era de sol, e não era verão, as nevoas haviam passado e, com elas muitos fizeram a sua ultima viagem entre eles, Doutora Joana.
Fim