Uma verdade descartada

O despertador tocou despertando-me do mais maravilhoso sonho que eu poderia estar tendo. Desliguei-o ainda em estado de transe e me enfurnei mais nas cobertas, estava frio demais para setembro, minhas mãos abraçaram meu ventre que já tinha quinze centímetros a mais de diâmetro.

O outro lado da cama estava vazio, gelado, Jorge havia ficado na cidade vizinha onde tinha ido fazer uma consultoria técnica. Levantei-me com preguiça, sentia um desejo insano de comer bananada e definitivamente teria que passar na padaria antes de ir para o trabalho.

A água quente do chuveiro caiu confortante aliviando um pouco a dor em minhas costas, eu precisava urgente de uma massagem e meu marido não estava disponível para realizá-la. Embora a massagem dele não fosse profissional, as mãos dele deslizando por meu corpo eram muito mais relaxantes e bem vindas para retirar todo o estresse dos meus músculos tensos.

Passei o óleo por meu corpo, lembrando-me de como ele realmente amava o cheiro que aquele óleo impregnava em minha pele, como seus lábios passeavam em meus ombros e ele se inebriava em mim. Ele era tudo que eu sonhava em ter como marido, tudo que eu almejava em sonhos mais ocultos.

E sonhar com ele era algo que eu tinha uma facilidade incrível, o sonho desta noite estava absolutamente glorioso, ele vestido em um terno preto, uma gravata vermelha, carregava um buquê de rosas vermelhas em sua mão. Os cabelos negros escovados para trás, os olhos castanhos brilhando de felicidade, a mesma que trazia aos lábios o sorriso perfeito que ele não conseguia conter.

Eu não precisava de nada além da imagem magnífica dele para pensar que um sonho daqueles era maravilhoso e de fato, nada mais acontecera. Jorge simplesmente ficava parado encantador e lindo à espera.

Meus devaneios me levaram sem pensar à padaria, pedi meu lanche tão desejado e sentei-me no lugar de costume. Segunda mesa à direita, próximo à porta, os últimos três anos costumamos tomar café da manhã ao menos uma vez por semana aqui. Capuccino com pão de queijo era a pedida dele quando o dia estava frio, e suco de laranja com sanduíche natural quando estava calor.

A risada dele era meu deleite, a maneira como seus olhos ficavam puxadinhos quando ele sorria fazia meu coração derreter. Tudo desde nosso primeiro encontro fora absolutamente perfeito, o tempo, as frases, as carícias, os chamegos, as declarações, o amor e a paixão, exatamente como a mais romântica história de amor.

Eu não sabia absolutamente nada da previsão do tempo, nem do que me esperava na loja. Eu sabia pouca coisa sobre as notícias do mundo, mas sabia um pouco mais sobre meu trabalho. Tinha poucas coisas que eu estava certa que sabia tudo, entre elas, o amor incondicional que tínhamos um pelo outro e por nosso filho.

Eu poderia brigar com alguém que duvidasse do sentimento mútuo que existia entre mim e Jorge. Eu sentia em seus olhos, a admiração, o carinho, o afeto, o amor, o desejo. Não era algo que alguém consegue fingir, muito menos ele, que eu conhecia mais do que a mim mesma, ele de quem eu quase conseguia adivinhar todos os pensamentos.

E era exatamente a mesma coisa com ele, eu sabia, ele me amava incondicionalmente, mais do que qualquer outra coisa no mundo!

A saudade de mais de vinte e quatro horas acumulada em meu peito apertava meu coração quando cheguei em casa no fim da tarde. Quando subi os degraus já o imaginei sentado no sofá, vindo me receber com os braços bem abertos, o sorriso simpático no rosto, o abraço apertado pra matar a saudade.

Para meu espanto ele não estava na sala, talvez dormindo no quarto, abri silenciosamente a porta para encontrar o cômodo vazio. Meu coração estava mais apertado, mas agora era de aflição, preocupação. Tateei às cegas minha bolsa procurando o celular quando meus olhos bateram na pia do banheiro, cuja porta estava aberta.

Havia um vazio consumindo meu peito que só aumentou quando abri a porta do guarda-roupa. Minha respiração estava pesada, apurada, mas fraca, eu não conseguia captar ar. Voltei correndo para a sala tentando acordar, aquilo só podia ser um pesadelo. Ali, na mesa de centro, sobre a revista, um bilhete escrito em sua caligrafia familiar.

Desculpe Laura,

Não posso continuar mais assim, eu lamento magoá-la, mas não teria coragem de deixá-la se a visse, como não tive coragem nas últimas dez vezes que estava prestes a fazer.

Tenha certeza de que te amei demais, mas isso agora morreu em mim, e é algo que não consigo de maneira alguma recriar, por mais que eu tenha tentado. Sofro por não conseguir, e sei que sofrerei mais se ficar tentando por muito tempo.

Adeus, minha querida.

Jorge

Meu mundo desmoronou, lágrimas, coração partido e depressão não significariam nada, seriam obstáculos facilmente transponíveis, mas o que aconteceu ali, foi pior, muito mais do que qualquer um poderia pensar. Porque eu, eu nunca imaginei isso, nunca sequer pensei na possibilidade de ele me abandonar. Nosso amor era algo sólido, concreto, algo a que eu me apegava com todas as minhas forças, nosso amor, meu e dele, não só meu. Meu amor escapou entre meus dedos, quebrou-se no chão, deixou um vazio em meu peito quando o amor dele me deixou. E agora não restava mais nada, não havia motivo, não havia esperança.

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 15/06/2009
Código do texto: T1650134
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