Alma gêmea
Uma brisa soprou trazendo consigo as folhas que caiam conforme o outono mostrava suas garras. Estava frio, já fazia três horas que eu estava a espera, a noite caíra e ele não aparecera. A praça antes movimentada pelo comércio dos ambulantes agora estava vazia à exceção de alguns casais que se beijavam me causando uma inveja tenebrosa.
Minha mente já havia procurado todos os motivos que o levariam a deixar de aparecer, nada me pareceu justo o suficiente, embora minha consciência de toda maneira tentasse inocentá-lo trazendo a tona qualquer motivo que fosse leve o suficiente para deixar de vir, nada como o carro estragar ou perder o ônibus, algo muito mais sério, como alguém morrer ou estar enfermo demais para comparecer.
A última vez que nos falamos fora dois dias antes, ele estava amável e encantador como sempre. Seu cabelo estava estrondoso e sua pele maravilhosamente bonita, embora a luz da sala em que ele estava associado ao efeito da falta de qualidade da web cam provavelmente não deixava fazer jus a sua beleza.
Mas deixem-me contar minha história, senão nada entenderão dessa humilde narrativa. Três anos atrás conheci um rapaz encantador através de um blog, nossa amizade crescia a cada dia que passávamos conversando por horas madrugada adentro. Meus pais estavam estarrecidos com a maneira como eu digitava velozmente no teclado tentando captar toda a essência da magia daquele garoto.
O tempo passou e eu comecei a sentir uma espécie de paixão, amor, dependência ou o que quer que você chame. Algumas horas sem falar com ele e eu sentia meu coração se apertar em meu peito. Agora você deve estar me achando louca, talvez eu realmente seja, mas isso não vem ao caso, pois essa é minha narrativa.
Paixão talvez, o sentimento mais profundo e irrefreável que alguém pode sentir. Paixão que consome e arrasa, paixão que deixa sem palavras, paixão que te faz rir e chorar sem motivo, que esmaga seu peito e te deixa em prantos. Louca paixão. Mas não era apenas isso.
Possuíamos uma conexão, algo maior do que a paixão, algo maior do que amor. Afinal, amor você sente por dezenas de pessoas que você conhece. Amor é algo que nasce conforme você conhece e gosta de uma pessoa, amor é a confissão, o cuidado, a atenção, o carinho. Amor é querer bem de qualquer maneira, é ser fiel à amizade, é simplesmente querer felicidade. Mas não, não era apenas isso.
Eu realmente não consigo explicar o que eu sinto por ele, perfeição, razão de minha existência, sentido do meu dia. Estamos conectados, estamos juntos embora separados por milhares de quilômetros, estamos unidos por sentimentos maiores que nossas vidas são capazes de conceber, somos almas gêmeas. É, acho que é isso, ele é minha metade, é o que me completa, ele sabe o que eu penso, o que quero, o que sinto, o que vou dizer.
A distância ou o fato de nunca termos nos visto pessoalmente torna ainda mais incrível, ele sabe, mais do que minha mãe, mais que meus irmãos, mais do que eu própria. Ele conhece minha essência, meus anseios, meus medos. Ele é simplesmente tudo o que eu preciso para preencher a segunda metade do meu coração, pois a primeira guardo a mim mesma. Quem ama a si completamente consegue amar a outro com mais intensidade.
Mas cá estou eu, sentada na praça à espera de meu grande amor. Talvez o vôo esteja atrasado, talvez o táxi tenha errado o caminho ou talvez, muito embora impossível, ele simplesmente não esteja vindo me ver. Fecho meus olhos e consigo vê-lo, mochila nas costas, sorriso no rosto a me esperar, mas quando os abro ele não lá está.
A brisa torna a soprar, com mais intensidade, eu não trouxera nenhuma roupa quente, esperava estar em casa com ele ao meu lado à essa hora da noite, mas novamente cá estou eu sozinha na praça a esperar. Se meu coração já não estivesse comprimido do tamanho de uma moeda de tanta aflição ele se comprimiria, já não conseguia respirar, havia essa falha em mim, essa minha metade que me abandonara. Não, brigo comigo mesma, ele virá, ele tem que vir, ou irei eu ao seu encontro!
Um carro freia bruscamente na esquina oposta, meu corpo retesou-se e meus olhos procuraram cruzar a penumbra da praça tentando avistar o veículo. Um carro branco, a placa luminosa em cima do teto: TAXI.
Meu coração expandiu-se em questão de segundos, todo meu sangue correndo em disparada, meu cérebro parara de pensar, eu não sentia frio, eu não sentia nada, meus punhos fechados, as unhas cravadas na carne, ansiedade.
Pisco e o vejo descendo do carro. Ele era quem eu queria, quem eu esperava, devotaria minha vida por sua alma, por ele. Mais perfeito do que minhas vãs fantasias imaginaram, mais do que a tecnologia pode conceber. Uma rosa em sua mão trêmula, um sorriso magnífico em seu rosto. Não pude me conter, as lágrimas caiam por meu rosto quando caí no abraço macio de seu corpo para lá ficar para sempre.