Que saudades de você - Parte III Final

Pedi um telefone e em meio as lágrimas, falei com minha mãe, derrubando toda a barreira de mentiras que eu havia criado, eu simplesmente disse: "Mãe, estou tendo um filho". Não me lembro do que ela disse do outro lado da linha, talvez não tenha dito nada, toda a dor e a solidão fazia um zumbido terrível em meus ouvidos e os próximos instantes, foram momentos que não pude gravar. A dor da proximidade do nascimento aumentava ainda mais e eu já mais calma deixava as lágrimas rolarem silenciosas, estava acontecendo o que eu mais temia: estava dando a luz sozinha, sem o seu sonhado apoio.

E no instante em que o elo que prendia o corpo do seu filho ao meu, foi cortado e me vi mais só, gritei por você, chamei seu nome na escuridão em que mergulhei.

Meu filho nasceu forte e saudável e eu me demorei para recuperar. Quando saí da maternidade, deixei lá metade do meu amor por você, perdi a inocência da minha espera por você e você já não era mais meu herói de guerra.

Dois meses depois, minha vida voltava ao normal, amando meu filho, cultivando minhas flores, fabricando meus vasos e bordando numa paciência estudada, eu me sentia bem. O livro foi aprovado e sob um pseudônimo, já se encontrava publicado. Os quadros haviam sido vendidos, com excessão de poucos. E eu já voltava a escrever e a pintar, nem eu mesma sabia que existia em mim tanta capacidade para criar, tanta fome de viver.

O bebê quase não tomava tempo, eu é que não conseguia me afastar dele por muito tempo. Ao vencer esses dois meses, entrei novamente em contato com meus pais e os convidei a vir conhecer o seu neto, o primeiro.Na primeira visita não trouxeram meus irmãos, chegaram saudosos e sem recriminações, creio que até se sentiram orgulhosos ao ver o meu mundo, que construí sozinha. Amaram o Guilherme e demonstraram ainda me amar. Haviam me perdoado.

Por muito tempo vivi ali, eu e meu filho, você não era mais do que uma lembrança que vivia e se tornava mais forte em meu Guilherme. No primeiro aniversário do meu filho, meus irmãos o conheceram. Numa pequena festa, Guilherme foi a estrela, saudável, risonho, caminhando a passos incertos e atendendo aos chamados dos tios.

Ao longo desse tempo meu amor por você foi definhando e você não deu notícias, não perguntou por mim e nem regressou. Amei, sim e muito o fruto da ilusão que me ofereceste.

A vida continuou e no segundo aniversário o Guilherme já nos divertia com seus gritos e tentativas de se comunicar através das palavras. Durante esse tempo, minha vida melhorou e me tornei uma bem sucedida mulher de negócios.

No terceiro aniversário do Gui , ele já era um garoto ainda mais adorável. Foi então que junto com a visita de meus pais, veio também notícias suas, você regressaria dentro de quatro meses. Aconteceu comigo algo que eu já julgava improvável, me senti frágil, me assustei e era como se você estivesse ali na minha sala, me amando, me convidando a fazer amor, como tinha sido há anos atrás. Creio que meus pais perceberam minha pertubação. Tive tanto medo do reencontro.

Como sempre você não veio na data marcada, mas isso não acalmou meu coração, a espera me matava. E era como no início da sua partida. Só que não havia mais o velho amor. Era um medo, um frio na barriga, uma saudade dos tempos idos e saudades dos sonhos.

Quando seis meses depois, eu atendi ao telefone e ouvi a sua voz, tão igual aos velhos tempos, me assustei, me perdi em lembranças e projetos. Era tempo de tirar férias, de também voltar ao lar, de rever velhos amigos e tempo de você conhecer nosso filho.

De malas prontas, casa fechada, outro livro na editora, quadros em exposição, encomendas entregues e a floricultura aos cuidados de uma amiga. Eu parti, em meu carro, que estava em excelentes condições. O Guilherme brincalhão no bando traseiro, a viagem seria longa, mas tranquila. Eu dirigia muito bem e estava descansada, o tempo estava ótimo e a pista em ótimas condições.

A poucos quilometros de minha cidade, um bêbado inconsequente bateu na traseira do meu carro, justo onde repousava meu filho Guilherme.

Horas depois quando acordei no hospital com leves ferimentos e pedi para ver o meu filho querido, recebi a notícia de que ele havia morrido momentos após o acidente. Me desesperei, meus pais me deram apoio. O meu desespero, a minha dor era incomparável. Eu estava com meus pais, mas não tinha o meu Guilherme. Já não necessitava mais de você e você estava lá, como se o tempo não o houvesse tocado, só havia a ausência do sorriso. Você tão igual a antes e eu tão madura, machucada e tocada pelas dores da vida.

O nosso filho você veio a conhecer já sem vida, sem os passos corridos pela casa, sem os gritos alegres, sem os risos, sem o brilho nos olhos.Você não pôde sentir a dor que eu senti, nem ao menos poderia me consolar. Você nem ao menos sabia da existência dele, até momentos antes da sua morte.

A dor era intensa e os dias que vieram, foram como um pesadelo. Tento não lembrar. Nada tínhamos a dizer, mas mesmo assim tentamos. Eu queria te recriminar, você queria me consolar, ambos falhamos. Quatro anos foram muito tempo. Não havia ninguém em nossas vidas, mas não era possível reconstruir. Não depois de tanta ausência. Não com a ausência do Guilherme.

Regressei a minha casa e nos cantos vazios encontrei as lembranças do meu filho e sofri com a ausência dele. Vendi tudo, abandonei aquela cidade e tentei mudar toda minha vida. Por anos não voltei a cerâmica e ao bordado. Fugi da jardinagem e me recusei a pintar. Por fim meu editor cobrou e eu cedi, voltei a escrever e foi escrevendo que renasci. Não como antes, mas com dores maiores. Havia uma solidão que meus pais tentaram reduzir e a ausência constante do meu filho Guilherme.

Me reconstrui, você hoje de mim pouco sabe, nunca soube. De você, o que sei é como antes voltou a sua vida de viagens e aventuras, como sempre gostou. Eu, hoje estou casada e espero outro filho, e agora quando por acaso nos reencontramos, não me venha dizer que esse filho poderia ser nosso. Nossa chance, você jogou fora, já se foi. Nosso filho, também. Tantos anos de distância mataram o amor que um dia foi maior do que eu. Não me diga agora,com esses olhos tristes e envelhecidos, por favor não diga Que saudades de você.. porque nosso amor o tempo levou.