Que saudades de você - Parte II
Nesse tormento eu via passar os dias e não recebia notícias suas. O que era simples possibilidades tornou-se realidade. Eu fazia meu plano de fuga, pois não seria forte o suficiente para andar pelas ruas com um filho na barriga e a ausência de um pai. E mais, não suportaria ver a censura nos rostos daqueles que me amavam. Não partilhei o segredo com ninguém. E temia, até mesmo em sonhos, a possibilidade de interromper o começo da vida que existia em mim. A preocupação, a tristeza e a reclusão pertubaram os amigos.
O meu ventre já se fazia notar e eu tentava com sucesso, escondê-lo. Num dia de sol, abri uma nova porta. O meu plano era bom, eu tinha dinheiro suficiente para viver e ter nosso filho até seu regresso, que eu esperava para no máximo um ano e meio. Abandonei, fugi e me escondi numa cidadezinha, longe de todos.
Fazendo trabalhos manuais e cuidando de casa, eu sentia todos os movimentos do nosso bebê, foram dias lindos, repletos de saudades. Havia uma comunhão bela e incomparável entre eu e nosso filho. Éramos parte um do outro e ele era parte de você, assim como você era parte de mim. Talvez você não tenha nunca sabido o quanto eu o amei naqueles dias de espera.
À minha família eu escrevi, falei de mentiras, de belezas falsas e felicidades e ocultei a minha realização: eu ia se mãe, já era mãe. A vida crescia em mim e parecia transbordar, iluminar-me e a tudo ao meu redor.
Minha vida era simples e todos na cidade me conheciam, a mim e ao meu caminhar lento e pesado, conheciam os meus dedicados bordados, os delicados vasos trabalhados e as minhas flores e plantas, carinhosamente cultivadas. E no final da tarde me viam, uma figura pesada, enorme a desenhar paisagens e sonhos em telas brancas que viviam e brilhavam com minhas pinceladas cheias de vida e esperança. E se na madrugada, o sono fugia, então eu me revelava nas páginas de meus desvairados sonhos, punha-me a escrever furiosamente.
Os novos amigos às vezes temiam, que eu estivesse me cansando muito, mas em mim só viam vida e esperança, eu não cabia em mim.
A casa iluminava-se com tudo aquilo que eu criava, enfim eu me realizava. Só faltava seu regresso, mas meus dias e noites eram demasiados cheios de atividades para que eu pensasse e me pertubasse com a solidão. Na varanda eu tecia planos nos momentos de folga e ao sonhar com a felicidade, eu era feliz.
Tudo estava pronto para a vinda do nosso bebê. A casinha com varanda no final da rua tinha ao lado uma floricultura repleta e colorida, um depósito cheio de vasos de cerâmica, tinha também um ateliê com trabalhos prontos para uma exposição, e num armário estrategicamente colocado num canto da sala tinha os delicados bordados, tão bem trabalhados por mim. O único trabalho pendente era o livro que uma vez encaminhado para uma editora, eu aguardava resposta, talvez não desse em nada, mas teria valido a pena o registro de minha vida com o título "Estou vivendo".
Numa tarde de brisa acariciante e um leve balançar nas folhas das flores, enquanto eu terminava mais um trabalho de cerâmica, eu senti as primeiras dores, anunciando a chegada do nosso filho. Tentei terminar o trabalho, mas a dor tornava-se insistente e cada vez mais forte. Recolhi todo o material, tomei um banho e pegando o necessário, as malas já prontas, segui para a maternidade. Quando me vi no saguão do hospital, sozinha, sem você, sem os velhos amigos, ali parada, com as malas prontas para uma nova fase de minha vida, avisando aos médicos que o meu bebê estava próximo. Foi a primeira vez em todos aqueles meses de fuga e reclusão, que senti as lágrimas rolarem pelo meu rosto cansado. Toda a alegria de ter vencido, a sensação de ter um filho seu desapareceu e junto com a dor que vinha em ondas cada vez mais fortes, veio também toda a solidão daqueles intermináveis meses.
Pedi um telefone e...
Continua...