Soberano mar...
Soberano mar...
É madrugada.
O sono se foi, pela fresta da janela vem uma aragem.
Apanho o chale roto levanto e chego à porta que da passagem para a cozinha. Está apenas escorada...
O fogão a lenha, o banco rústico de madeira, pedaços de memória, frangalhos de lembranças. Resquícios de histórias emboloradas... Abro a janela a madrugada aflora em timidez o claro dia vem lento, cheirando, arejado em harmonia... Da cozinha a poucos metros precipita-se o mar, a praia dos Pescadores adornada por coqueiros, paisagem completa com barcos de velas, alguns chegando outros ancorados e um céu que se faz azul.
Água fervente, pó de café no coador. Olhos perdidos, secos compõe uma face enrugada,tomada de sol, sal, saudades.Há muito que espero obstinada,sorvo um gole quente de café amargo,aquece-me os ossos mas a alma permanece em retalhos gélidos, obscurecidos pela dor.
Do lado de lá dos meus sonhos atravessando aquele mundaréu de águas, lá fora, bem distante que já não se vê,estão as minhas incoerências, razões da espera e das esperanças.
Aquele mar que meus olhos cansados não alcançam, envolto em mistérios, incolores silêncios abriga a saudade da pele, do cheiro, a dor da partida.
Tem para mais de dez Natais daquele vinte e três de um dezembro que ficou aqui, não ficou para trás.
Eu sempre falei pro Zé, o mar tem data, tem hora que se respeita, é soberano. Perto do Natal é para orar.
O mar podia esperar...
O Zé perdeu-se na pouca fé, na teimosia...
E os meus olhos já secaram de tanto chorar, mas peço humildemente no orar “ “Meu Deus, que já me secou os olhos, duas coisas me deixa: A vista pra eu enxergar e a esperança de ver meu Zé voltar...”
E então eu me perco olhando o mar, tentando ver além do fim,
Além dos sonhos,
Além de onde os olhos podem alcançar...
# Ficcionei uma cena do meu passado, A praia dos Pescadores existe, é no Marajó em Salvaterra, os coqueiros enfileirados na maioria tombaram com o avanço da erosão.
Minha casa era lá...
E o mar, era meu...
Dos meus sonhos...