Azul

O toque da pele macia, do cabelo sedoso cor de fogo que me aquecia. Os dentes brancos, o sorriso vívido, cheio de alegrias. Os lábios quase vermelhos que sempre tinham algo para cantar. Movimentos doces e leves como os de uma bailarina. O olhar cheio de esperança, o olhar da cor do entardecer azul de uma tarde de primavera. Eu jamais esquecerei os olhos azuis. Helena, a jóia de minha vida. Meus tesouro mais precioso.

Eu andava sozinho pelas ruas, largado ao destino. Bebia do vinho mais amargo, até que minhas pernas não pudessem mais me levar. Cada gota daquela chuva forte e gelada que batia nas minhas costas trazia consigo uma lembrança de meu passado. O vento forte que batia no meu rosto sussurrava-me os fantasmas do passado.

De repente fui levado às entranhas de minhas lembranças e uma voz doce se fez no ar. Aguda e aveludada, emocionada e agradável. A vontade de qualquer um seria abraçá-la na brisa. Meu olfato denunciava o cheiro de morangos recém colhidos de quem eu amava.

Meus olhos se abriram e eu a vi, logo a minha frente. Ela olhava pela janela de minha mansão o luar alto, o firmamento estralado e belo daquela noite fria que encantava os olhos de minha amada. Refletida pela luz do luar, a sala de música. O piano de calda que eu tocava cronicamente, cello que ela tocava como ninguém. A sala mais movimentada da casa. Enquanto ela entoava sua parte do coro em Lacrimosa, de Mozart – a qual ela fazia o solo – eu percorria os olhos pelo quarto iluminado pelo luar claro. Móveis escuros, tapetes vermelhos com verde. Em minhas mãos, uma garrafa com vinho doce, como os lábios de Helena.

- Passeemos pelo jardim! Olhe esta maravilhosa noite que vem abençoar nosso amor! Perder um segundo não podemos.

- Pode ser perigoso a essa hora... Sei que há alguém lá fora. Quer fazer-lhe mal, meu tesouro.

- Sua imaginação é fértil, mal nenhum haverá de ser feito essa noite! Confia em mim? – seus olhos azuis me penetravam e não pude deixar de ceder.

O céu estrelado, a lua como o sol iluminava nossas vidas. Mesmo à pouca luz do luar era possível ver o brilho de seus olhos azuis. Seu sorriso branco de alegria com o pequeno passeio. A noite fria lembrava-me a neve, a neve da cor de sua pele.

- Canta para mim?

Entoando uma melodia, ela subia e descia as notas na escala de uma forma doce, que se misturava ao vento e vinha aos meus ouvidos enlouquecer-me. Mesmo com a distração de sua voz, eu sabia que estávamos sendo perseguidos.

Ouvi passos na grama e, antes que pudesse me defender, fui golpeado e desfaleci, mesmo ainda ouvindo o que acontecia.

Os gritos desolados e agoniados de Helena chegavam aos meus ouvidos, fazendo meus pensamentos se contorcerem de dor. Meu desejo era sedento de morte, pois faziam mal à minha única razão de viver.

Os berros de dor cessaram e eu finalmente caí na inconsciência completamente.

Quando acordei, fui acometido da maior tristeza que já bateu em meu peito. Em meus dedos se misturavam os cabelos vermelhos e macios ao sangue vermelho e vivo. Seu corpo, autrora vívido, jazia lívido em meus braços. Sua pele branca cheia de sardas agora era pálida e sem vida. E seu olhos azuis, aqueles que eu jamais esquecerei, antes cheios de esperança, vida, alegria, agora me acusavam de um assassinato que eu não cometera. Seus olhos azuis me acusavam da esquizofrenia que matou quem eu jamais terei de volta.

Débora Dias
Enviado por Débora Dias em 13/05/2009
Código do texto: T1591843
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