Finito Amor

Os olhos felinos abriram sonolentos, a escuridão noturna fazia a pupila dilatar-se e tomar a forma arredondada. O gato ronronou enquanto se espreguiçava, o relógio batia às três da manhã.

A suave batida das patas peludas no chão podia ser ouvida pela garota que estava deitada na rede. O gato aproximou-se e lambeu a mão que estava pendente. Ela sentiu a língua áspera do animal roçar sua pele, moveu então os dedos e acariciou-lhe a parte de trás das orelhas.

Seus olhos verdes fitaram o teto do apartamento. Fazia dois dias que ela não saia de casa. Fazia dois dias que ela não queria lembrar quem ela era.

O gato parecia sentir a aflição da dona pondo-se a miar, um miado triste e suplicante.

Ela sentou-se pegando o gato no colo, quisera o gato pudesse conversar com ela, não se sentiria tão só e abandonada.

Tic, tac, os minutos continuavam a passar. O estômago do gato roncou de fome. Ela nem se lembrava de comer, mas seu gato precisava.

Os pés cobertos com as grossas meias arrastaram-se até a cozinha, ela pegou a lata de ração e despejou na vasilha do gato que se pôs a comer faminto enquanto ela trocava a água do bebedouro.

A janela permitia uma visão ampla do pátio que ficava entre as quitinetes. Um poste iluminava o local, haviam três carros estacionados na rua um pouco adiante. Uma luz acendeu-se no interior do primeiro.

Ela baixou a cabeça, sabia de quem era o carro preto, e sabia quem estaria dentro dele. Suspirou audivelmente enquanto tentava tirá-lo da cabeça, fato difícil de ser realizado, pois tudo, absolutamente tudo que ela vivera de bom na vida fora com ele.

Lembrou-se dos banhos de piscina, das idas ao cinema, das risadas, dos passeios, de ficarem deitados embaixo das cobertas em dias de chuva, do chocolate quente e da tequila. Sorriu lembrando das loucuras, dos desejos ocultos e dos sonhos em comum.

Mas, tudo que é bom acaba, dizia o ditado, e por fim, ela soube que era verdade. Soube quando ele mostrou sua verdadeira alma, seu ciúme doentio, sua paixão desenfreada que não a deixava respirar. Ela sentia-se presa em uma gaiola quando estava com ele, o tempo passava e as coisas não melhoraram: promessas infrutíferas, sempre as mesmas brigas, sempre o mesmo perdão.

Ela caminhou até o aparelho de som, o volume baixo da música calma era até deprimente, mas ela gostava assim. Fazia dois dias que ela chorava, mas era o melhor a se fazer, sofrer para se libertar, sofrer para não precisar mais viver numa prisão.

Ela sabia que ele sofria também, mais do que ela, muito mais. Mas ele não enxergou o que a fazia ficar triste, não soube fazê-la feliz, embora tentasse de toda maneira ajudá-lo a mudar, ele não tentou quando devia.

“Nem tudo precisa ser dito!” as palavras que ela disse a ele explicavam o que ela sabia e imaginava que ele sabia também.

Sinais, gestos, emoções, ela tentara de todo modo mostrar o que estava errado, mas ele não vira, então se afastou, tornou-se fria, e por fim tudo terminou, embora ainda o amasse.

... a chuva lava o que passou ... A música tocava enquanto os pingos de chuva castigavam a vidraça e o telhado.

... lágrimas de alguém que já não sorri por você... E suas próprias caíram-lhe no pijama.

Ela pegou o gato, apagou a luz e deitou na cama.

- Amanhã você não existirá mais na minha vida! – resoluta ela falou para o gato.

A noite de choro e tristeza foi preenchida por pesadelos e pelo barulho da chuva ninando seu sono cada vez que acordava. Mas por fim, tudo passou, o sol trouxe o brilho de um novo dia, tudo iria ser diferente.

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 06/05/2009
Código do texto: T1579418
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