Platonismo é para os fracos

Para entender...

Simplesmente não consigo escrever uma linha que preste caso não estiver inspirado. E de repente, numa bela tarde, estava refletindo sobre um amigo meu que recentemente me falou sobre a garota que gostava. Tudo ia bem (mas ele disse, meio brincando, que temia a concorrência.).

Fiquei com invejinha. :o)

Daí veio uma luz e fiquei aproximadamente duas horas digitando o que você lê a seguir, um pequeno conto, muito parecido com outros que escrevi há tempos. A diferença é que os outros falavam de amores impossíveis, e este é sobre um amor, apenas.

Por isso o título, que é uma brincadeira.

Lentamente a cabeça vai voltando ao lugar, e os sonhos vão se despedaçando e sumindo a cada segundo.

Acordei para mais um dia. Percebo que sem querer, durante a noite, voltei a dormir de bruços. Esforço inútil dormir com a barriga para cima, diga-se de passagem. Minha coluna agradece.

Me viro na cama e tento esticar ao máximo todo o corpo, mas o braço esquerdo não obedece, continua colado ao corpo. Devo ter caído por cima dele no sono - está dormente e formigando. Com a outra mão, atiro-o para o lado, e antes que possa evitar, ele caí encima dela.

Permaneço imóvel, esperando a reação (e o braço ainda encima dela.)

Não se moveu, sequer oscilou a respiração. Que sono de pedra. Com cuidado, retiro o braço desobediente do caminho e analiso-a por um momento.

É tão fascinante vê-la agora assim, quieta. Normalmente é tão agitada e sorridente que fica difícil imaginá-la com a boca fechada - e isso não é ruim. Passar alguns minutos com ela é lavar a alma.

Ainda com devido cuidado, acaricio suas bochechas com o polegar.

A sensação é indescritível, a de simplesmente acariciar seu rosto. Pensar agora em todos os momentos tragicômicos que me trouxeram até aqui parece uma reação automática da mente. Desde a primeira vez que a vi, quando ainda era muito novo para dar bola, até a primeira vez que a vi pra valer - e não esqueci mais. No primeiro ano foi? Talvez antes. Mas foi tudo graças a uma troca de meia dúzia de frases.

- Alguém vai sentar aqui?

- Sim, você. - respondi sorrindo (mesmo que tenha na verdade me sentido um idiota)

- Haha - riu. - Obrigado.

- Não tem de quê.

- Por que está aqui?

- Observando as pessoas. - brinquei (na verdade estávamos sentados nas últimas cadeiras livres do correio, que estava apinhado de gente.)

- Claro. - abriu um sorriso largo.

Ficamos ali conversando até minha vez chegar e nos despedimos. Forma meio ridícula de se interessar por alguém, mas foi assim. Me senti tão bem naqueles minutos de bate-papo que mal esperava para repetir a dose.

Tantas outras vezes isso aconteceu... mas chegou um momento em que ficar longe dela já era sinônimo de tristeza. Nada demais, claro, mas ainda assim pode-se definir como tristeza; o ato de ficar triste.

Foi só no final do segundo ano que dei o primeiro passo, e foi mais engraçado (para ambos) do que eu esperava.

Lá estava ela, com a mochila nas costas, pronta para sair da sala de aula e só voltar segunda que vem (era sexta). Respirei fundo, concentrei as energias. Ela se aproximava. Está cercada de amigas. NÃO PODEM DEIXÁ-LA SOZINHA POR UM MINUTO?! Mudança no plano.

Agora a poucos centímetros de mim e a poucos mais da porta, me aproximei.

- Posso falar com você em particular?

"Em particular?" Ninguém fala isso. Belo idiota.

- OK, eu também. - sorriu, provavelmente para ser educada. - Meninas, vão sem mim. Beijo. - despediu-se de todas tão rápido que achei que elas me odiariam por isso. E tive a leve impressão de olhos metralhando minhas costas com cochichos, mas ignorei. Tentei, ao menos.

Só então percebi que ela disse "eu também". Como é?

Todos saíram da sala, éramos os últimos.

- O que era? - perguntou.

- Bom, - comecei - estou pra perguntar a tempo já, mas de qualquer forma... quer sair comigo?

Ela levantou uma sobrancelha e sorriu.

Será que soou tão idiota para ela quanto foi para mim. Arrependi-me de cada palavra a medida que as pronunciava.

- Eu ia te perguntar exatamente isso. - ela disparou.

Não sei a cara que fiz, mas não consegui esconder o sorriso, nem fazendo careta.

- Que coisa né? - ri.

- Que coisa. - brincou. - Hoje a tarde pode ser?

Hoje a tarde não podia ser - eu tinha FISK.

- Pode. - respondi.

- Às 14h?

FISK.

- Claro, com certeza. Vou na sua casa te buscar.

- Tá. - e o sorriso que se revelou está fresquinho na memória até hoje.

Ela laçou-me com um braço e descemos as escadarias abraçados.

Foi a primeira vez que saímos.

Pela primeira vez em alguns minutos, ela se move e fica deitada de lado, de frente para mim. Pego sua mão e acaricio-a. Existe sensação melhor que essa, de estar com seu amor?

Lembro agora de nossa primeira (e única) briga. Foi uma coisinha bem ridícula, ainda mais vendo de longe, agora. Ela viu uma garota, antiga amiga minha que não via há anos, me dar um beijo no rosto antes de partir. Estávamos no centro da cidade, com uma quantia moderada de pessoas circulando - nem imaginei que isso causaria ciúmes.

Cheguei pontualmente a nosso milionésimo encontro, e primeira coisa que me diz é:

- Eu vi.

- Viu o que? - pergunto confuso.

- Vi ela te beijando.

Juntei as sobrancelhas até localizar o problema.

- Ela é uma amiga de infância, nem esquenta.

- Sei. - estava me dando um gelo.

- Acha mesmo que eu te trairia?

Me encarou por um momento. Sentou num murinho que estava perto.

- Eu não sei. - concluíu.

- Eu sei. E tenho certeza que não faria isso nunca.

- Sei. - resmungou.

Fiquei um bocado surpreso no dia, por nunca esperar uma reação ciumenta assim.

- Caramba, eu te amo. - falei.

Levantou o olhar de repente, aparentemente surpresa.

- Se quer que eu me desculpe, vou pedir desculpa por te amar tanto. - continuei.

Não sei ao certo porque disparei tais palavras. Acho que era algo que ela precisava saber, e que eu queria que soubesse.

Levantou devagar do murinho e caminhou até mim de cabeça baixa.

- Desculpa. - choramingou me abraçando.

- Esquece isso. - beijei sua testa.

É horrível a sensação de estar em uma "briga". Não tivemos mais nenhuma desde então, e nem "pretendemos" ter outra.

- Oi. - ela resmunga, meio acordada.

Devaneando, esqueci que aquilo tudo foi há dois anos. Não percebi que estava acordada.

- Bom dia. - sorri.

- Por que não me acordou antes?

- És tão bonitinha dormindo.

- Ha - abriu aquele sorriso largo que eu adoro. - Fofo. Vem cá.

Puxou-me para perto e me presenteou com um beijo.

- Te amo sabia? - sussurrou.

- Também te amo, mas teu bafo está horrível.

Arfou em uma simulação de ofensa e partiu para cima, como numa briga. Mas uma briga de cócegas e risos.

Jack Lopes
Enviado por Jack Lopes em 05/05/2009
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