AS PEDRAS DA TRAÍÇÃO
1
hoje é sexta-feira.
Desde segunda-feira que ele não se alimenta, dorme ou trabalha direito: o pensamento fixo no que soube.
- Achamos melhor lhe avisar.
Dissera-lhe seu irmão, Jessé, sem o fitar, enquanto a irmã Cleide, próxima, desviava a vista.
Perplexo, contudo, prático, encarando o rosto largo, quis logo saber do que se tratava:
- Jessé fala, deixa de arrodeios!
Então, baixando a voz, o irmão lhe fez a cruel revelação:
- Seja forte, Aluísio... O que se comenta por aí - e mesmo já flagaram ela com outro, num motel - é que sua mulher, a Paula, anda lhe "chifrando".
Ouvia aquelas palavras? Então onde sua voz para dizer em protesto, ser tudo mentira? Contudo, ficara incapaz de retrucar, permitindo que o irmão prosseguisse falando:
- Em um mundo onde não mais existe vergonha, moral, ninguém está livre dessas coisas.
Aí Cleide interrompeu Jessé:
- Aluísio, você ainda é muito novo, cuide de viver. O que não falta é mulher. Esqueça a Paula.
Sentia a cabeça zonza, rodar. A testa fria pelo suor. As mãos também úmidas. Vivia um pesadelo. Em silêncio, sofria a dor da decepção íntima.
Os irmãos devagar se ergueram da mesa e, Jessé pondo a mão em seu ombro:
- Até que me arrependo em lhe ter dito isso. Mas, você acabaria por saber... E, antes saber por a gente, do que saber por estranhos. Saia, esfria a cabeça. Depois, mais tanquilo, você terá uma conversa séria com sua mulher. Saia, dê uns giros por aí.
Retirando a mão do seu ombro, então o irmão concluiu:
- Pense. Pense bem, pra não fazer uma besteira. Conte com a gente. Bom... Vamos indo.
A porta bateu, fechando-se. Com maior intensidade, sentiu então o peso da revelação. Paula traía-o. Fora flagrada num motel... Por que ela não lhe dissera da existência do outro? Sim, pois conversando, surgiria à separação e ele não serviria de alvo de gracejos no bairro onde é bastante conhecido...
Quanto tempo ficou refletindo, sendo ele mesmo? Quis ser forte, conter-se e, não conseguiindo, deixou que as lágrimas lavassem-lhe as faces.
De repente ouviu os passos dos saltos altos galgando os degraus, no oitão. Apressado, enxugou o rosto com o dorso das mãos, para receber Paula.
- Chegou mais cedo, Aluísio?
A voz tão conhecida! Virou-se e, com o coração partido, respondeu:
- Cheguei.
Depois, com a voz enrouquecida, resoluta:
- Já soube de tudo, Paulo... Sente-se, vamos resolver nossa situação.
Sem protestar, como se assumisse a culpa, ela obedeceu.
2
Por não se prender ao trabalho, foi percebido pelo gerente:
- Está com algum problema, Aluísio?
Manteve-se calado e, o gerente:
- O cliente me reclamou: Disse que lhe pediu um bife ao molho e que você levou um bife mal-passado.
Afastando-se, o homem então concluiu:
- Peste mais atenção no serviço.
- Sim, senhor.
Respondeu, com a voz baixa, esmorecida. O seu rosto então estava pálido, os olhos com o brilho estranho, a cabeça latejando, o pensamento preso à última cena entre ele e Paula.
- Desapareça desta casa!
Gritara colérico. Chorando, se apressando ela começara a arrumar suas coisas. Deixando o quarto, ele logo vencia os degraus do oitão e a súbita pergunta: para onde ir? Mas, agora que expulsara Paula de sua vida, o que isso lhe importava? Como tudo se altera de repente... Como lhe seriam as próximas horas? Seu pesadelo iniciara com a revelação de Jessé e, até onde se prolongaria?
- Até onde?
A pergunta angustiante. Afastou-se, como se caminhando, livrasse-se das cruéis reflexões.
Agora, enxerga Paula de biquini. O corpo moreno, esguio, os cabelos longos ao vento. Por que ela não se volta, percebendo-o? Contudo, indiferente, caminha com graciosidade.
Quer chamá-la, e sua voz não sai. Precisa alertá-la do perigo das pedras traiçoeiras, as mesmas que impedem que o mar avance, conquiste a praia. Paula continua afastando-se. Passa sob os coqueiros, com a barca corroída pelo tempo, em direção às pedras e... mergulhará! De repente, recupera a voz e grita:
- Paula!
Assim dentro dessa alucinação levanta-se da cadeira e corre para a varanda, de onde pula à avenida e, erguendo-se trôpego, sai correndo a fim de salvar a mulher.
Presenciando a cena, o gerente indaga ao rapaz, próximo:
- Aluísio endoidou?
- Tá parecendo, seu Pedro.
Então apressados rumam ao terraço e chegam a tempo de ver Aluísio subir nas pedras e se lançar ao mar agitado.
- Seu Pedro vamos acudir o coitado!
Aí correndo cruzam a avenida em direção das pedras.
Curiosos em também ver o que se passa adiante, os fregueses do estabelecimento adentram na varanda e, silenciosos, fixam a atenção nos homens resumidos pela distâcia.
Com força o sol cintila no céu azul de verão.
3
Chegando do hospital, o rapaz revela:
- Aluísio está na UTI. O médico falou que quando ele pulou, bateu com a coluna nas perdras e que da cintura parta baixo, está morto.
Então seu Pedro se contraria:
- Mas... Ele pode ficar paraplégico?
O garçom fugindo o rosto de lado, responde, em voz baixa:
- Tudo indica que sim, seu Pedro.
Adiante, o mar em seu eterno desejo de conquistar a praia, chega e debatendo-se contra as pedras, retrocede, para novamente investir.
Sim, a marcha da vida é ininterrupta, continua em tudo.
Silenciosos, pensativos, os homens reentregam-se ao trabalho.
* * *