Dias Incríveis

Para entender...

Escrevi essa história durante minhas férias em Tramandaí, No Rio Grande do Sul. Inspirado por Stephenie Meyer, e por uma linda (e para sempre misteriosa) garota ruiva, não me contive em escrever. Tudo que descrevo no começo é a mais pura verdade, só quando ele (eu) fala (falo) com ela, já é invenção. Dali para frente, soltei as rédeas da imaginação e saiu então este relato de um amor que nunca vai acontecer - simplesmente porque fui muito tímido para falar com ela. Não que fosse acontecer caso eu tivesse falado algo. Mas foi um arrependimento tão grande que, bom, criei esse conto. Hoje eu mudaria algumas coisas nele, mas resolvi postar como estava.

Só para constar (e você entenderá depois de ler tudo), uma garota não precisa atender uma porta seminua para ser considerada maravilhosa/espontânea/divertida. Só achei que seria engraçado ^^

OBS: Na verdade, odeio essa história (risos). Criei outra por cima dela e fiz muitas mudanças, hoje penso "putz que terror" ao lê-la. Mesmo assim, vai ficar aqui de recordação.

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Acorda, lancha, centro, volta, almoça, centro de novo, volta, praia, banho... tudo isso virou rotina, mesmo que a sensação de liberdade ainda existisse. Afinal, eram férias. Qual é o sentido de passar uma semana inteira em Tramandaí e ainda esquentar a cabeça? Lá em casa (Araranguá) já estava ficando uma chatice. É ótimo “escapar” uma vez por ano, por uma semana e acabar sentindo saudades de casa.

A única coisa que quebrou essa rotina foi a água do mar, que estava congelando. A primeira impressão é sempre arrepiante, mas depois de meia hora mal sentia minhas pernas. Tentei disfarçar, mas discretamente comentei com minha irmã.

- Que tal sair agora? - perguntei em tom sarcástico.

Voltamos imediatamente para a beira.

Como sempre, caminhamos até a barra dando uma volta inteira na cidade pela beira da praia. Foi bem mais cansativo do que eu me lembrava.

Chegando ao hotel, subimos as escadarias lentamente. Pedi para tomar banho primeiro para ler no tempo livre, enquanto o resto da família tomava o seu. A roupa já estava pronta, mas vesti apenas a calça jeans azul e as meias. Por fim, deitei na cama e continuei lendo um livro notório, sobre uma garota que se apaixona por um vampiro.

Talvez seja a adolescência e seus hormônios em excesso, mas o tema “amor” interessava a todos dessa faixa etária. Ainda mais a mim, que mesmo com 16 anos, nunca fiquei, nem namorei. Já gostei de uma garota sim, afinal, é normal, mas não deu em nada. Só me confundi bastante e sofri por um tempo.

No final do ano passado, percebi que era besteira ficar sofrendo por causa disso e caiu a ficha. Enfim, me livrei de “sei-lá-o-quê” que me perturbava tanto.

Comprei o tal livro ontem e já estava na metade. Era hipnotizante. Porém, fui obrigado a parar, porque todos da família estavam de banho tomado e prontos para sair. Prontos para mergulhar num mar de pessoas e barulho, onde uma mesa livre era decidida no tapa: o centro. Claro que é exagero, mas já vi gente correndo para não perder o lugar.

Numa classificação de três melhores, “procurar comida” ficaria em terceiro. “Ter cem reais para gastar no que quiser” fica em segundo, e “escrever” em primeiro, indubitavelmente.

Gosto de escrever porque é como brincar de Deus, ou algo do tipo. Com uma caneta e um caderno, tenho liberdade sem limites para fazer o que quiser. Mesmo assim, minhas histórias eram sempre parecidas, quase sempre tratando de casais apaixonados. Não que isso fosse um problema, aproveito para criar garotas interessantes e me divirto com os diálogos que invento entre ela e o rapaz em questão.

O centro de Tramandaí é uma avenida dividida em três calçadas e duas ruas estreitas. A família estava conversando com alguém que não me interessava numa barraca de churros, logo, me distraí observando pessoas apressadas indo de um lado pro outro. Concentrei meu olhar no outro lado da rua, estudando quem passasse. A maioria das pessoas estavam acompanhadas, olhando para os lados. Provavelmente turistas. As poucas que vagavam sozinhas pareciam perdidas, por isso eram mais interessantes.

No meio de tudo isso, chamou minha atenção uma garota ruiva. Sempre tive uma queda por ruivas, e por alguma razão, não desgrudei os olhos dessa figura. Esquivei-me para visualizar o rosto, mas muitas pessoas passavam na frente e só construí a imagem dela aos poucos. Primeiro consegui identificar a calça xadrez meio cinza, que nunca achei bonita, apesar de que nela caía muito bem. Depois vi a camiseta branca de manga curta, com a estampa de alguma banda nas costas. Deu para perceber que sua pele era claríssima. Por último, identifiquei o tênis All-Star, também xadrez. Mas parecia que por uma brincadeira do destino, seu rosto estava sempre escondido atrás de algo.

Mas enfim o destino cansou de brincar e ela entrou numa banca de revista do outro lado da rua que ficava na minha direção. Começou a estudar algumas publicações e quando tirou uma mecha de cabelo do rosto, pude vê-la de relance. Foi muito rápido, mas deu para ter uma idéia. Era um rostinho delicado, com traços leves. Mas da distância que estava não consegui ver mais do que isso.

Estudei-a enquanto pegou uma revista grande na mãe, virando a capa para mim enquanto lia algo no verso. Vi letras brancas e garrafais, mas antes que formasse uma palavra ela virou a revista e devolveu-a para a prateleira. Aproximei-me sem perceber, se equilibrando no meio-fio para analisar as expressões em seu rosto. Foi interessante: era como se ela conseguisse transportar tudo que sentia para discretas expressões faciais. Agachada diante da prateleira, franziu a testa, juntou as sobrancelhas... parecia estar discutindo consigo mesma. Um sorriso revelou-se e num pulo, pegou a revista de volta e pôs-se de pé. Dirigiu-se ao caixa e depositou-a no balcão, enquanto tirava algumas notas vermelhas do bolso, com um sorriso satisfeito no rosto. Não precisa ser vidente para descobrir o que aconteceu.

Então, encontrei-me ainda apoiado no meio-fio, sorrindo. Senti uma estranha atração, diferente de qualquer coisa que já havia sentido antes. Foi como se uma segunda voz em minha cabeça me ordenasse a fazer algo a respeito.

- Pai, vou ali e já volto – é o que lembro de ter dito antes de atravessar a rua. Não tinha nada a perder.

Segundos depois, a curta distância, pude ver detalhes que antes não percebi, como sardas quase invisíveis, olhos azuis claros e um pequeno sinal acima da sobrancelha esquerda. Era poucos centímetros menor que eu.

- Ei! – exclamei como se a conhecesse.

Fitou-me nos olhos, curiosa e confusa.

- Ah – fiz cara de desapontamento -, você me lembrou de alguém.

Consegui ficar caído por uma garota cujo nome desconhecia e que nem morava na mesma cidade que eu. Nem no mesmo estado, na verdade. Sempre achei que acabaria conhecendo alguém na escola ou numa situação cotidiana que me chamaria a atenção, correria atrás, chamaria para um encontro, etc., etc. Mas não aqui, à duzentos quilômetros da minha cidade.

Já me virava de costas para sair quando ela me chamou.

- Quem?

Meu coração deu um fincaço no peito.

- O que? – perguntei confuso.

- Você disse que eu te lembro alguém. – disse – Quem?

- Não sei – falei lentamente – você me pareceu familiar...

- Sei – respondeu em tom irônico. Aparentemente, não sou um bom ator. Ao menos ela estava bem humorada ainda.

Pensei em ir embora, mas aquela segunda voz me ordenou novamente. Senti que me arrependeria pelo resto da vida se não fizesse uma pergunta.

- Qual é o seu nome?

Não esperei resposta. Ela poderia me dar um nome falso para se livrar mais rápido, dizer que não revelaria tal informação a um estranho, me dar um tapa na cara e começar a gritar... de qualquer forma acabaria mal. Mas para minha surpresa, não foi isso que aconteceu.

- Gostei de você – sussurrou. Não descobri se falava consigo mesma ou se queria que eu ouvisse. Enfim, eu ouvi, e meu coração quase parou. Esperei, imóvel, que continuasse. - Vem aqui – ela sorriu, enquanto puxava uma caneta do bolso – vou anotar.

Sem pedir permissão, puxou minha mão direita e começou a escrever algo atrás dela. Senti o suor na testa. Isso não pode estar certo, pensei. Demorou vários segundos, parecia escrever uma redação. Por fim, tampou a caneta sorrindo torto e pegou a revista.

- Se não aparecer, eu vou entender. – e partiu.

Acho que nem pisquei durante todo esse tempo, e respirei fundo como se tivesse esquecido de respirar. Com certo receio, li o que ela escreveu. O textinho estava espremido e torto, quase não coube.

“Av. Emancipação, Hotel Beira-Mar, 205, 15h, amanhã.”

Não acreditei, achei que fosse brincadeira. Ou ela sabia mentir melhor do que eu ou realmente era verdade. Mas porque faria isso? Porque passaria seu endereço para um desconhecido, marcando um encontro? Ela pode ter gostado de mim assim como gostei dela. Ou talvez, esteja me testando de alguma maneira. Ou ainda, talvez seja uma aprendiz de serial killer.

Nenhuma das opções eram otimistas ou encorajadoras. Mesmo assim, era uma oportunidade interessante demais para deixar em branco. Dali a alguns anos, eu me perguntaria “E se eu tivesse ido?” Seria muito melhor se eu pudesse contar aos amigos o que aconteceu, mesmo que fosse apenas traquinagem de uma assassina reclusa e incrivelmente bonita. Uma femme fatale.

O dia amanheceu claro, sem nuvem alguma. Se eu fosse supersticioso, seria um bom sinal.

Era inevitável que pensasse naquele episódio, e foi exatamente o que fiz no resto do dia anterior até agora. Por mais que dissesse para mim mesmo o contrário, não conseguia ignorar o fato de que poderia ser verdade. Talvez eu passe uma boa primeira impressão.

Só depois de analisar minha mão pela centésima vez, percebi que era o endereço de um hotel. Morava em outra cidade também? Isso eu (provavelmente) descobriria mais tarde.

A parte chata disso tudo foi pedir permissão pros pais. Temi que não me levassem a sério e impediriam que eu fosse. Então, menti. Nada louvável, nem motivo de orgulho, mas se contasse o que realmente ocorreu, duvido que me liberassem. Disse-lhes que a conheci na banca, mas que conversamos por bastante tempo e nos demos muito bem, por isso tinha seu endereço. Demorou um pouco, mas acabaram cedendo. As aulas de teatro finalmente foram úteis.

Após um bom banho, procurei vestir-me informalmente. Ainda bem que soprava uma brisa congelante na rua, porque assim poderia usar calça jeans (odeio bermudas). A camiseta de manga curta era verde escuro, com rabiscos pretos. Nada mal, pensei ao olhar no espelho.

Desci as escadas devagar, deixando que cada passo fosse um pensamento sobre o que aconteceria em quarenta minutos. Mas com aquele jeito imprevisível da garota, não cheguei à conclusão nenhuma. Decidi que no mínimo descobriria seu nome. Já cansei de chamá-la de “garota”.

Finalmente na rua, puxei o celular do bolso e constatei que tinha tempo de sobra. Mas não me demorei, fui em direção ao centro para encontrar aquela multidão de pessoas e não pensar mais no assunto.

Infelizmente, não estava tão ruim quanto eu esperava.

Á essa hora, a maioria das pessoas estavam em restaurantes, bares ou em casa. Fui caminhando pela calçada do meio, a menos movimentada, seguindo sempre reto.

O Hotel Beira-mar era um dos maiores e mais completos da cidade, e de longe chamava atenção. O prédio era baixo, mas largo, cheio de sacadas idênticas em forma de “u”. No térreo haviam várias lojas de roupas, sapatos, um restaurante e uma livraria. Demorei para encontrar a porta de entrada, entre tantas. Finalmente lá dentro, tive que avisar a recepcionista que era uma visita. A moça me indicou o elevador, e entrei, mesmo que fossem apenas dois andares.

Já não estava tão nervoso. Convenci-me de que, não importa o que acontecesse, eu riria depois.

A porta se abriu e dei de cara com um corredor infinito. Fui para a direita, mas o primeiro quarto nessa direção era o 215. Voltei, e quase no final do corredor oposto, estava o 205. Bati na porta duas vezes e aguardei. Quando escutei o trinco se abrindo, foi como se a onda de ansiedade voltasse com força total. Mas rapidamente, decidi não falar nada, apenas esperar e deixar acontecer.

Quando a porta abriu, meu sorriso nervoso sumiu e desviei o olhar tão rápido que o pescoço estalou. Era ela, mas vestia apenas roupas íntimas.

- Você veio! – sorriu, sem demonstrar absolutamente nenhum sinal de vergonha.

Tentei sorrir, mas estava confuso.

- Ah – ela entendeu -, não se preocupe. É igual um biquíni.

Fazia sentido. Mas não fiquei menos tenso e continuei a desviar o olhar.

- Pode olhar se quiser – provocou.

- É melhor não – gaguejei.

- Eu deixo.

- Não. – tentei dar firmeza na voz. Ela riu.

- Entre logo!

Obedeci. Minha mente estava tão cheia de imagens e reflexões que nem hesitei, totalmente confuso.

Enquanto ela trancava a porta, estudei o lugar para esfriar a cabeça. A primeira sala poderia ser maior ou não que a do hotel onde eu me hospedo. Mas o ambiente era diferente, frio. As paredes eram brancas e as luzes fluorescentes, deixando tudo brilhante demais. Para minha surpresa, havia apenas uma cama nessa sala e no quarto grande, apenas um grande futon oriental no chão. O pequeno armário embutido que deveria estar cheio de roupas estava com uma porta escancarada, revelando alguns cosméticos, uma mochila e alguns livros empilhados. Ao lado do futon haviam roupas dobradas encima de um pequeno tapete. A não ser pelo armário, não havia mobília.

Ela estava atrás de mim enquanto estudei o quarto maior.

- Licencinha – pediu me empurrando para dentro do cômodo. Não sei por que, mas quando ela me tocou, senti um arrepio. – Sente onde quiser. – disse ironicamente, pois só dava para sentar no chão.

- Tá – sentei na ponta do futon.

- Vou trocar de roupas. – disse divertindo-se, ciente de meu desespero.

E ela disse “trocar”, não “colocar”. Engoli em seco, encarando a parede oposta enquanto ela se trocava atrás de mim. Demorou poucos segundos.

- Pronto, pode olhar. – disse. Ao me virar, constatei que ela vestiu apenas um shorts de pijama curtíssimo e uma camiseta branca e velha, meio transparente. – Como estou?

- Ótima. – melhor que nada. Tentei ignorar a leve transparência da camiseta.

Ela jogou-se no futon, caindo esparramada como uma boneca de pano. Rolou e se espreguiçou com vontade, para em seguida relaxar completamente e descansar por alguns segundos de olhos fechados. Deitada daquele jeito ao meu lado, ficou claro: ela queria que eu olhasse. Enfim, me rendi e analisei seu corpo durante o curto espaço de tempo. Tinha pernas longas e a pele parecia ainda mais pálida de perto. Evitei olhar para o tronco por questão de respeito. Seu rosto era pequeno, com contornos delicados, e o cabelo ruivo era meio dourado. A boca fina, rosa, destoava de sua palidez natural. Eu ri.

- Porque está rindo? – perguntou levantando uma sobrancelha. Eu ri porque ela era perfeita.

Pigarreie e mudei de assunto.

- Eu tenho algumas perguntas. – enfatizei a palavra “algumas”.

- Você não respondeu.

- Ah?

- Porque estava rindo?

- É que... – não tenho nada a perder mesmo – você é muito bonita.

Uma expressão de surpresa ficou impressa em seu rosto. Trocamos olhares por um momento.

- Que tal irmos para um lugar mais confortável? – sugeriu, quebrando o silêncio.

- Boa idéia. – suspirei aliviado.

Num pulo, ela pôs-se de pé, com o bom humor de volta. Sem aviso, tirou a camiseta. Em meio segundo, voltei a cara para a parede.

- É bom avisar antes de fazer isso. – brinquei.

- Sem stress. A vida é curta.

- Você é paciente terminal ou algo do tipo?

- Algo do tipo – riu. Fiquei confuso.

Vinte segundos se passaram.

- Vamos! – animou-se.

Levantei e ao me virar para vê-la, percebi que vestia a mesma roupa do dia anterior. Sem perceber, sorri.

- Onde estamos indo? – perguntei à certo ponto, depois de passar reto por vários restaurantes.

- Espere. – sorriu, misteriosa.

Só quando viramos uma esquina e chegamos numa familiar avenida larga e deserta percebi do que se tratava. Ao longe, um morrinho de areia com uma ponte que passava por cima.

- A praia? – franzi a testa. Ela respondeu com um sorriso.

Puxou-me pela mão o tempo todo, sempre estando alguns passos à frente.

Atravessamos a pequena ponte e sentamos no lado oposto do morro de areia. Foi um bocado desconfortável à princípio, estar totalmente vestido na beira da praia, mas logo passou. Ela parecia não se incomodar com nada.

- O que quer perguntar? – finalmente falou.

- Várias coisas.

- Muitas?

- Sim.

- Ta. Pode começar.

Franzi a testa. Parecia uma entrevista, e não me senti confortável com isso.

- Se quiser, pode fazer uma pergunta para uma que eu fizer. – falei.

Ela nem pensou a respeito.

- Tudo bem – respondeu imediatamente, com um sorriso contagiante. – Você quer que eu comece?

- Claro. – não imaginei o que poderia querer saber. Afinal, eu era a vítima.

Pensou por alguns momentos, olhando para algum ponto no céu.

- Por que você acha que te passei meu endereço? – disse medindo as palavras.

- Eu não sei. Era minha primeira pergunta.

- Foi porque gostei de você. – mordeu o lábio para esconder um sorriso. Pegou-me de surpresa.

- Ah. – foi o que consegui dizer. Idiota, idiota, idiota. Ela riu, divertindo-se com meu desespero.

- Sua vez.

- Sim – fui para a próxima pergunta em minha lista mental -, você mora aqui?

- Yes, moro no hotel.

- No hotel? – questionei.

- Uma pergunta de cada... – lembrou. – Como você define minha personalidade?

Outra pergunta improvável. Eu esperava algo mais simples.

- Imprevisível. – brinquei. – contagiante, extrovertida... – procurei mais alguma palavra para finalizar. -... romântica.

Ela juntou as sobrancelhas.

- Romântica? – repetiu em tom de desdém.

- É. – respondi e continuei imediatamente – O que quis dizer com “algo do tipo”?

Parecia decepcionada pela minha escapada, mas deu de ombros e recordou da resposta que me deu mais cedo.

- Eu vivo cada dia como se fosse o meu último. – sorriu. Explicava muito de sua personalidade e sua forma de agir.

- Porque você é gentil? – perguntou em seguida. Eu mal tinha absorvido a resposta anterior. Percebi que era uma pequena vingança.

- Eu sou assim mesmo. Não faço por querer. – me perguntei se ela entendeu a frase confusa.

- Hmmm... – refletiu – Ok, sua vez.

- Por que mora no hotel?

- Ah – suspirou como se já respondesse essa mesma pergunta há anos -, o hotel é do meu pai. Eu queria morar sozinha, pedi um quarto, ele aceitou. O quarto é bem meia boca, faltam camas, daí eu pedi aquele e deu certo. Moro lá desde então.

Tive que esperar um pouco antes da próxima pergunta para absorver o que escutei no último minuto. Devia fazer perguntas mais diretas. Tudo que descobri até o momento é que ela realmente mora em Tramandaí. Qual era a outra pergunta importante que eu tinha mesmo?

- Você já namorou? – ela perguntou.

Caí de volta ao mundo e tentei parecer indiferente.

- Não, e você?

- Nunca.

- Mas tem vontade?

- Tenho. – respondeu e aproximou-se alguns centímetros, fitando o horizonte. Engoli em seco.

Mais uma vez tentei esfriar a cabeça e entender o que estava acontecendo. Isso poderia ser apenas um sonho bastante real e envolvente. Se for, e ela sumir em uma nuvem de fumaça, sou capaz de cortar os pulsos ao acordar. Estava apaixonado por essa garota ruiva. Qual é seu nome mesmo?

- Qual é o seu nome? – perguntou-me.

- Dante. E o seu?

- Jéssica.

- Jéssica... – repeti baixinho.

Refleti em silêncio.

- E agora? – perguntei.

- Hmm... – parecia pensativa. – Eu estou com fome.

- Vamos para algum restaurante.

- Vamos. – levantou-se e estendeu a mão para me ajudar. Não precisava, mas aceitei o gesto.

- Em qual você quer ir? – perguntei.

- Vamos dar uma volta e achar um. – respondeu desviando o olhar. Parecia distante, discutindo consiga mesma, como no dia anterior quando a vi na loja. Tentei ignorar.

Virei de costas para ela, a fim de refletir sem ter seu rosto como distração. Antes que pudesse começar, ela me virou puxando pelo braço. E antes mesmo que uma expressão confusa tomasse meu rosto, seus lábios tocaram os meus. Foi tão rápido que me esqueci de fechar os olhos.

Muita coisa passou pela cabeça em um milésimo de segundo. Mas antes que começasse com minhas reflexões e tramas complicadas sobre femme fatales, abandonei tudo e me rendi ao momento.

Ali ficamos por tempo indefinido, imersos em um beijo demorado e amador.

Quando finalmente paramos, ela apenas sorriu, lacrimejando de felicidade. Mais um selinho surpresa e saiu em disparada rindo alto.

- Vai ter que me alcançar! – gritou.

Sorri para mim mesmo, observando enquanto ela corria pela avenida larga. Olhei para o céu límpido e azul claro mais uma vez, lembrando de sinais supersticiosos. Por fim, respirei fundo e deixei a praia, tropeçando desequilibrado enquanto corria atrás dela com os tênis cheios de areia.

Jack Lopes
Enviado por Jack Lopes em 22/04/2009
Reeditado em 04/09/2009
Código do texto: T1553526