PARA SEMPRE... OU ATÉ QUE TERMINE O INTERVALO.

Ricardo gelou.

Olhou de novo, analisou... Era ela mesma, não haviam dúvidas! E que nervosismo é esse agora? Depois de velho, vai voltar a ter comportamentos de adolescente? É ela, definitivamente, mas... e daí? Após todos esses anos, era normal que em um determinado momento eles se reencontrassem. Ele próprio não caminhou inúmeras vezes pelas proximidades da casa dela a fim de encontrá-la? Em verdade, nesta cidade pequena era estranho pensar que isso tivesse demorado tanto pra acontecer... Sim, mas aqui? Agora? Com toda esta despretensão? Desse jeito, uma casualidade normal? Sim, e como era estranho enxergá-la velha! Não que estivesse excessivamente machucada pelo tempo, pelo contrário, estava muito bem conservada, mas naturalmente já não era a moça que ele conhecia. Os olhos ainda possuíam a esperteza exagerada, mas aquelas ruguinhas ao redor não lhe eram comuns. O que é isso? Lágrimas nos olhos? O Ricardo chorando? Não é possível! Logo ele que não chorou nem no enterro da própria mãe?

A verdade é que as pessoas com certa idade tem dispositivos que acionam o sentimentalismo automaticamente, lembranças fortes demais. Vera era o dispositivo de Ricardo. Ao vê-la, o homem lembrou de todos os momentos que passaram juntos, e de toda a beleza e a graça de uma juventude que há tempos já virara passado para ele. E chorou. Foi rápido, mas não duvidem: Vindo daquele homem uma simples lágrima significava um coração estraçalhado, e era assim que o seu estava.

Parado à entrada da galeria, o velho estava com os olhos vidrados naquela senhora, que observava com seu sorriso simples uma vitrine qualquer. A tarde já findava, e a serenidade da noite começava a contagiar, talvez por isso a galeria estivesse tão quieta e vazia. Só quem lá estava eram aquelas duas pessoas: Vera, com as sacolas na mão, estaquiada no canto do largo corredor, e Ricardo, ainda enxugando as gotículas que mal correram por seu rosto magro, e fungando forte, trazendo o choro de volta para dentro. Quando as luzes artificiais acenderam-se, o homem recriminou-se por pensar em tantas besteiras, e decidiu falar logo com a mulher. Pensar é fácil; difícil foi obrigar as pernas a iniciarem seu percurso cansado e tenso, enquanto a mente habilidosa sofria para formular uma mera frase amigável para dizer. Felizmente, não foi preciso. Um passo para o lado e Vera o percebeu. Olhou primeiro, num gesto rápido, automático, para só depois realmente ver. Lá estava ele, o motivo de tantas lágrimas e tanta decepção, não mais parecendo alto e forte como antes, e sim velho e preocupado.

Vera piscou longamente, coçou os olhos, e de fato deu até mesmo uns tapinhas no rosto para despertar de um sonho que não existia. Estaria vendo coisas àquela altura da vida? Será que sofria de alucinações? Distúrbios visuais? Estaria vendo aquilo que mais queria ver? Ou aquilo que, pelo contrário, não queria ver de jeito nenhum? Nem ela sabia, e se após as coçadelas, tapas e piscadas, aquela imagem ainda estava ali, só havia uma explicação: Era mesmo real. E se era real, Vera deveria ser madura! Era uma senhora de idade! Não tinha tempo para saudades de amor! Ora! O homem estava ali? Pois bem, ela era casada (e muito bem casada!), o cumprimentaria, trocaria duas ou três palavras e tchau! Até nunca mais! Some, vulto do passado! Pensando melhor, seria até bom reencontrá-lo, pois mostraria o quanto sua vida fora boa sem ele todos aqueles anos, como sua vida dera certo! Era feliz! Tinha filhos, netos, amigos, casa, fartura financeira e emocional... Mostraria tudo isso à ele e à sua consciência, naquele momento, para que eles parassem de perturbá-la com tais perguntas: "Eu seria mais feliz?", ou: "Como teria sido?". Pois bem! A resposta era aquele velho patético parado à sua frente, que não conseguia dizer nada...

...Ela tampouco.

De fato, nenhum dos dois teve palavras ou coragem para dizer o que sentiam naquela ocasião. Apenas os olhos cravavam-se, cada vez mais. E percebiam que tinham envelhecido; os cabelos brancos e as rugas não os deixariam mentir ou esquecer. Ali, o mundo parou à seu redor. Quanto tempo ficaram assim, a se encarar? Muito. Calados, se olhavam, abraçavam, beijavam, batiam, choravam, sorriam, amavam... Tudo sem se mexer, à espreita do tempo que perderam, e de tudo o que mudou em suas vidas desde que se separaram. Aliás, uma só vida. Inteira novamente. Pela eternidade de um instante, que durou até o momento em que cada um seguiu o seu caminho, subitamente, ambos de cabeça baixa, entristecidos, sem olhar para trás nem se despedir pela última vez...

Enquanto isso, na rua, um jovem rapaz exclamava para sua bela namorada: "Nunca vamos nos separar!", e beijavam-se...