Valentina
Estava deitada, com o corpo estirado em cima do tapete preto no chão do quarto. De costas para o teto, com as pernas dobradas, num singelo balançar. Aquela pele dourada do sol ácido, que sempre iluminava as manhãs e as tardes de verão da sua piscina com vista para o mar; o mar de prédios e torres daquela metrópole confusa. E o que teria aquela vida caótica fora da janela molhada de garoa com o ardor daquelas pernas macias que não paravam de balançar? Eu não soube responder, a imagem daquela criatura me parecia mais uma pintura, um lindo quadro colorido, alegre, cheio de formas, que fez com que meus olhos ficassem paralisados, num eterno deleite. Eu não conseguia mover os olhos em outra direção, qualquer que fosse a importância da imagem, ou das palavras referidas a mim durante aquela conversa pré-filme, o melhor entorpecente oferecido; nada! Aquela volúpia marota me tomou os sentidos, todos eles; já não mais conseguia me mover, e o ar por alguns segundos ficou escasso. Levei à boca o cigarro que há pouco ela me oferecera, o ar ainda se fazia tímido, custava a entrar nos pulmões. Traguei com força, a garganta ardeu e prontamente o estômago ficou ácido. Uma sensação sufocante me tomou todo o corpo, estava já sucumbindo a dor quando seus olhos fixaram nos meus. Seus cotovelos no tapete, os braços esticados, aqueles substanciosos braços dourados; sua cabeça levemente escorada em uma das mãos, noutra o seu inseparável marlboro light. Ela me observava com aqueles seus olhos grandes, dominadores, eu nada podia fazer, deixei-os assim os meus dominar. Ela era assim, impossível. Impossível de ser negada, de ser odiada, de ser amada; impossível de ser comparada. Ela falava alguma coisa que eu não entendia, e olha que a distância entre nós era medida em palmos. Meus ouvidos somente se deliciavam com a sua voz macia, lenta, sempre sonolenta. Ah, e como lembrava música clássica, como eu adorava somente ouví-la falar, de todas as coisas, e, como sempre, de coisa nenhuma. Dava-me vontade de pairar no ar, ficar inerte, apenas flutuando com o som orquestrado que saía de seus lábios. E como eram volumosos, e seu colo cheio de formas, naquele decote espontaneamente sensual do seu vestido branco pérola, de algodão, macio; tudo nela era macio. Tudo me entorpecia, nada me fazia mais sentido, e viver significava somente permanecer alí, em pé a observá-la, a ouví-la, a desejá-la. Eu não saberia descrever qual era a natureza do desejo, mas a sentia dentro d’alma, percorrendo cada centímetro do meu corpo, invadindo o âmago do meu ser. Senti a vida, não era mais uma flor resistindo a morte num jardim seco; dentro de mim havia sonhos, havia esperança. Onde antes apenas cabia amargor e melancolia, agora radiava, não, transbordava desejo de amar. Levei o cigarro mais duas vezes à boca, com menos força que dantes, e como tragar me fazia querê-la ainda mais perto. Ela me deu um sorriso de lado, seu lábio inferior lentamente elevou-se , e dalí onde eu estava, conseguia ver seus lindos dentes brancos, perfeitos, mordendo ainda lentamente o cantinho do lábio. Só consegui esboçar o que pareceu um riso, mas não saberia dizer com exatidão se era mesmo um riso. Ela olhou lentamente para baixo, mais precisamente para o cigarro que já se encontrava posicionado entre os lábios vermelhos. – Acende. Ela pediu, com aquela musicalidade na voz, propositalmente nato. Era dela, era ela, o jeito absurdamente alucinado com que ela me conduziu. Inebriado, todos os sentidos exclusivos ao pedido dela, aproximei-me, lentamente e vagarosamente para aproveitar cada milésimo daquela sensação. Me posicionei próximo ao rosto dela, fitei-a por inteiro, suas pernas por alguns instantes pararam de balançar e pude contemplar perfeitamente cada curva descoberta, que levava até o início de seu vestido, onde ainda podia notar-se, sem muito esforço, o contorno de suas coxas. Ah, pude ver seu pescoço, não era grosso nem fino, cabia lindamente naquele corpo Nelson rodriguiano. Seu cheiro, seu perfume, seu batom cereja, seus olhos cor do mel ou verdes, aquela altura já não havia sentidos para distinguir absolutamente nada. Somente nos olhamos, profunda e intensamente. Lentamente acendi o isqueiro, olhando fixamente para seus olhos, ela se aproximou devagar e tragou duas vezes, e sempre, sempre com os olhos grandes fixos nos meus. Eu a senti, ela me sentiu, eu a havia tocado também. Nos amamos naquele instante único e singular, a vida era uma e era somente nossa, nada mais existiu. O isqueiro apagou, o filme estava no ar, a garoa voltara a molhar a janela, e o meu cigarro havia chegado ao fim. Me sentei ao lado dela, já não mais nos olhávamos como há pouco, um cigarro oferecido e eu o acendi. Duas tragadas e o filme começou, os braços, despretensiosos se enconstaram, um pequeno pedaço de corpo havia sido tocado depois daquele momento. Mais duas tragadas, e soubemos que tudo entre nós seria diferente.
abr/09