SATISFAÇÃO

O sol entrava pela janela semi-aberta. Se é que aquilo podia ser chamado de janela. Um buraco na parede com duas tábuas. Mesmo assim iluminava aquele pequeno quarto de um quase barraco. Quase... o chão era de terra batida, as paredes estavam sem reboco, e olhando para cima podia-se ver as estrelas pela fresta de uma ou outra telha quebrada. Em dias de chuva, bacias e baldes ficavam espalhados para que aquele quase lar não alagasse.

Maria olhou para o relógio na parede; seis horas. Levantou-se e foi até a cozinha. Pegou um pouco de lenha e fez fogo. Enquanto as labaredas aqueciam sua mão, colocou água para ferver. Como tantas e tantas noites, aquela fora mais uma em claro. Era sempre assim. Quer dizer, quase sempre. No início, só aos sábados. Depois às sextas e sábados. Agora de Domingo a Domingo: amigos, bebedeira, mulheres...

Não sabia porque aceitava essa vida de espera, de agonia. Lentamente foi até o pequeno fogão à lenha, a água tinha fervido. Coou o café, assoprou as brasas e encheu uma caneca com o líquido fumegante. Enquanto sorvia aquele café que lhe queimava a garganta, voltou a pensar no José. O seu José. Não ficava acordada por estar preocupada. Esse sentimento há muito não existia. Sentia medo. Muito medo de que quando o "seu pesadelo" chegasse em casa, não a quisesse.

Várias vezes havia abandonado seu barraco. Em todas elas havia procurado abrigo na casa da mãe. Lá não era mais o seu lugar. Sentia-se agoniada, desesperada e sempre retornava. Era como se estivesse presa àquele homem. Ao seu passado, a tudo que viveram. A tudo que esperava dele.

Deixou a caneca sobre a mesa, abriu a porta e num olhar rápido, viu um corpo caído próximo a um pé de azaléia (única planta daquele seu quintal e jardim). Correu em sua direção. Era ele. Quanto tempo estaria ali? Culpou-se por não ter visto antes. Pobrezinho deveria estar com frio. Será que tinha batido a cabeça? Com muito sacrifício conseguiu arrastá-lo para dentro.

Olhou para aquele homem com uma mistura de amor e pena. Abaixou-se para dar um beijo naqueles lábios que tanto conhecia. O cheiro do álcool invadiu suas narinas. Tirou a roupa imunda que ele vestia. Ficou irritada com tantas marcas de batom na camisa.

Era sempre assim, mas não conseguia aceitar. Ele era seu, só seu. Não queria dividi-lo. Olhou demoradamente para aquele corpo nu. Ele era bonito. Alto, forte, um porte de deus Grego.

Com raiva colocou água numa bacia, e num ímpeto jogou toda água naquele corpo nu estirado no chão.

- Você quer me matar?

- Ah! Acordou, né?

- Claro! Você queria o quê? – Levantou-se cambaleando - .

- Queria que você parasse de beber, de ser mulherengo. Isso que eu queria.

- Pode parar com essa ladainha. Todo dia é a mesma coisa. Você fala, fala...

- Um dia eu vou cansar de falar e vou embora de vez.

- Só se for no dia de São Nunca!

- Você é um completo idiota. Odeio você. – Foi dando-lhe uns tapas enquanto xingava. Ele agarrou-a pelos cabelos; jogou-a contra a parede e foi para o banheiro.

Depois dos inúmeros safanões, com o rosto e o corpo todo dolorido, chorando, Maria enfiou-se embaixo dos lençóis, já sabia o que viria. Era sempre igual. Ele chegava, discutiam, ela apanhava...

Assustadoramente queria. Sim, ela queria. Ansiava por aquele corpo em cima do seu. Sentir aquele hálito de álcool barato, os seus movimentos brutos de quase um estupro. Ela gostava. Ah! Como gostava. Sentia-se fêmea.

Tudo aconteceu como previa, como sabia, como desejava... Antes de virar para o lado, deposita na testa daquele que é seu algoz e seu herói um beijo demorado. Sabe que ali está tão somente um corpo que dorme depois de estar saciado. Não importa. Na vida não se pode ter tudo. Está satisfeita com o que possui.

Edi Tozetto
Enviado por Edi Tozetto em 19/04/2009
Código do texto: T1547528
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