Mais do mesmo

Olha em meus olhos, diz que me quer, aperta minhas coxas com vontade enquanto me beija como nenhum outro o faz, nenhum outro o fez, no vaivém louco das línguas e dos corações viramos os olhos possuídos por um inenarrável prazer e, enquanto eu passeio minhas mãos travessas por suas costas nuas, sinto que tudo vai se tornando mais distante. Seus gemidos já não fazem mais tanto sentido, começa a escurecer, já não enxergo nada, seus cabelos macios vão diminuindo, sinto seus lábios em minha face, não posso ver, não posso ver, quero vê-lo novamente, esfrego os olhos, quero enxergar seu sorriso manso a dividir a cama comigo, quero ver, mas minhas pálpebras pesadas não deixam. Tento lembrar quando foi a última vez que lhe disse um “Eu te amo”, vasculho a memória, desesperada, não está mais lá, nada está mais lá, como se nunca estivesse, forço de novo as pálpebras e elas cedem ao desespero, mas, antes de ser tomada pelo êxtase de poder ver, reparo que seu lado da cama permanece feito, intocado, nosso gatinho deitado em seu travesseiro aproveitando-se de meus carinhos inconscientes, todo aquele calor provocado pelo sonho. Tudo escuro ainda, só o barulho da chuva lá fora e um 4:20 vermelho no fim do corredor, o vermelho do relógio digital que você deixou quando se foi – se é que algum dia você esteve aqui. Abraço o edredom, pergunto a mim mesma se não seria melhor ter continuado cega, se não teria sido agradável morrer ali, no sonho, em seus braços, entre o “eu gosto de você…” que sua boca dizia baixinho e o “… mas não sei te amar como você gostaria” que seus olhos completavam gritando.Volto a cabeça para o relógio de novo, 4:26, uma eternidade em seis minutos. Não vale a pena tentar voltar a dormir. Levanto, cambaleante, faço um café, não, é muito amargo, quero o seu café, queria você, volto a perder o equilíbrio, de repente uma ânsia, um aperto, um nó na garganta, o reflexo no espelho do banheiro diz “perdedora” ao me olhar nos olhos, de repente o vômito - que eu, mesmo inconsciente, terei de limpar sozinha. A casa, vazia, está lotada de sua essência por todos os cantos. É tudo muito parecido mas abriga um pesar bem maior. Não estou preparada para uma vida sem você. Não consigo ficar mais em pé, me arrastei até onde pude e agora a mesa da sala me diz que preciso de cama. Não é culpa da vodca, não é culpa de drinque nenhum. A culpa é sua, você não me ama. A culpa é sua, não é capaz de me amar. A realidade se afasta novamente. Escorrem lágrimas, soluço, o choro do desespero finalmente sai. Sua culpa! Sua culpa! Não me ama… não ama… não… Me non amat… Desperdiço o meu pobre latim nessas horas em que o álcool e o desespero tomam conta de mim. Acordo de novo, tudo claro, 12:18 naquela bugiganga digital que você largou aqui e mal combina com a decoração da casa. Meus pés doem, a cabeça pesa; ao meu lado, no chão da sala, uma xícara do frio e intragável café feito na madrugada. É domingo. Sinto sua falta e me odeio, pois, definitivamente, não sirvo pra você.

Nica
Enviado por Nica em 13/04/2009
Código do texto: T1537452
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