Os desenhos dela
Depois de um dia daqueles, a gente só quer chegar em casa e encontrar o travesseiro com fronhas cheirando a sabão em pó, sobre a cama quentinha que já tem o formato do nosso próprio corpo. Era isso que ela queria quando chegou às 4 horas da manhã de uma noite dos demônios.
Que merda! Acreditou, mais uma vez em todo aquele texto ensaiado. Acreditou que seria a única, a ultima e a amada. Acreditou que teria alguém a esperando com jantar, que abririam a porta do carro para ela, que receberia um abraço e um beijo de boa noite, que ouviria um “você está linda” assim que acordasse de um sono bom. Acreditou, como se fosse a primeira vez, naquelas palavras vindas daquela mesma boca que ela tão bem conhecia. E mesmo acreditando, ainda fingiu não acreditar, para não parecer volúvel, absurdo e assustador demais o desejo que a possuía.
Maldita seja aquela esperança. Matou toda aquela que era vã, junto de todas as lembranças. Matou sem dó nem piedade, no instante em que viu a personificação das suas palavras de amor, escoar como o suor no meio da pista de dança. Quisera não ter olhos para ver aquela cena em meio as luzes coloridas; não ter coração para não senti-lo acelerar na hora; nem paladar para não sentir aquele gosto amargo na boca. Quisera sentir nada, aliás, indiferença. Pobre daquele que atravessou o caminho dela no momento. Foi o escolhido naquela noite para ser seu par, e carregar a responsabilidade desconhecida de fazê-la esquecer aquela dor que assolava seu peito.Não via a hora de largar toda aquela palhaçada e voltar para o aconchego do lar.
Só de tardezinha deitou a cabeça no travesseiro. Não vinha sono, a cena da decepção se repetia um milhão de vezes na sua cabeça. Ouvindo o coração batendo travado por ninguém mais, sentindo um bolo de palavras entaladas no meio da garganta. Como uma onda quebrando em cima de uma grande rocha, se desfazendo no mar; como uma piada que não teve graça; como um vento que passou; como uma efemeridade; como nada mais.
Foi ao espelho, tirou-o da parede, pôs em cima cama. Colocou uma música que a fizesse chorar até os olhos incharem. E expulsou de si aquela chaga. Quando viu que estava tudo pronto, foi no armário, pegou sua prancheta, muitas folhas de papel jornal seu carvão e vendo-se deformada pelo choro no espelho desenhou seu próprio rosto. Em vários ângulos. De varias formas. Várias vezes.
Deitou sobre os desenhos, suja de carvão e lagrimas. Cochilou um pouco, esqueceu tudo durante o cochilo. Quando acordou, colou na parede verde do quarto aqueles desenhos, para que ela nunca mais possa repetir em sua face aquela cara de palhaça que foi desenhada num papel vagabundo.