Amor não tem idade

Ele caminhava todas as manhãs por aquele local. A maioria das pessoas que encontrava já era conhecida. A aposentadoria não poderia fazê-lo encostar-se a um canto e sentir que o mundo tinha acabado. Em casa, os prazeres eram diminuídos, haja vista que contava apenas com um minúsculo apartamento, poucos móveis e uma solidão que o tirava do sério.

Saia de manhã e à tarde. Era um tédio os dias chuvosos em que não tinha alternativa senão ficar naquele apartamento, ora vendo televisão, ora navegando na internet, ora nada... Não gostava muito das lembranças. Traziam-lhe sempre amarguras, pois ao invés de captar as boas lembranças, por fraqueza suscitava sempre as más.

Perdeu a companheira em decorrência de um aneurisma há quatro anos. Embora bem disposto, não teve olhos para outra mulher, talvez por falta de oportunidade, ou displicência. Os filhos o procuravam com menor frequência. Realmente não tinham tempo.

E a rotina continuava. Pelas manhãs a caminhada e à tarde os passeios descompromissados pelo mercado, shoppings ou às praças. Precisava se ocupar.

Certa manhã, durante a caminhada uma senhora com semblante alegre, bonita pela idade, o parou e perguntou-lhe:

- Vejo o senhor todos os dias por esta região. Mora por perto?

- Sim, respondeu meio engasgado. Moro a três quarteirões.

- Mas sua esposa nunca caminha com o senhor?

- Eu não tenho mais esposa. Um aneurisma pôs fim à nossa convivência.

- Me perdoe. Sinto muito!

- Está tudo bem. Aconteceu há quatro anos.

A senhora com os olhos fixos nele começou a contar-lhe:

- Meu marido há seis anos foi vítima de um acidente de automóvel. Como viajava à noite, o sono o fez descer por um abismo e quando o resgate chegou já o encontrou sem vida. Mas eu me viro bem e não me permito que a tristeza seja minha companheira. Sinto-me aos 54 anos como se tivesse 35.

Encontraram-se no trajeto da caminhada por outras diversas vezes. Cumprimentavam-se, conversavam um pouco e cada um tomava seu rumo. Podia-se perceber que a cada encontro a duração da conversa aumentava.

Num sábado, ele convidou-a para almoçar. Meio sem jeito, ela aceitou. Foram a bom restaurante próximo, tomaram vinho e almoçaram. Já mais descontraída permitiu que ele a convidasse para saírem à noite.

Dançaram até altas horas. Na saída ele desconsertado, convidou-a a irem a um motel. Ela ruborizou-se. Não sabia o que responder. Percebendo que não houve resposta, tampouco resistência, ele insistiu.

Foi sem dúvida uma grande noite, esbaldaram-se. Ela pensava constantemente naquele dia. Saia todas as manhãs na ânsia de encontrá-lo, mas ele não aparecia. Nunca mais apareceu. Como dispunha de poucas informações sobre ele não teve como procurá-lo...

Passaram-se meses e nenhuma notícia dele. “Estaria doente, ou teria mudado... indagava-se em pensamento.”

Casualmente, lendo o jornal após a caminhada num final de semana, depara com uma foto na página policial e a manchete intitulada: “aposentado é encontrado morto sem marcas de violência em seu apartamento.”

FIM